Temos menos de sete anos para reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa se quisermos manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C, o limite considerado necessário pela ciência para evitar alguns dos impactos mais perigosos das mudanças climáticas. Em 2022, inundações, secas e ondas severas de calor tiraram milhares de vidas e afetaram milhões de pessoas em todo o mundo, oferecendo um vislumbre do que devemos esperar se falharmos na ação climática. Uma vez que as cidades são responsáveis por mais de 60% das emissões globais e abrigam mais da metade da população mundial, mudar a maneira como lidamos com o ambiente urbano precisa estar no centro de nossos esforços para conter a crise do clima.
Hoje, estamos mais cientes do que nunca dos impactos da mudança climática. Também temos mais conhecimento sobre como fazer a transição para um futuro resiliente, inclusivo e de baixo carbono. À medida que avançamos nesta década decisiva, cinco áreas de ação devem ser prioridade nas cidades.
1) Incorporar metas climáticas em todas as decisões urbanas
Para acelerar a transição de baixo carbono, precisamos modificar diversos sistemas urbanos, estimulando a colaboração não apenas entre diferentes instâncias de governo – do nível local ao metropolitano e nacional – mas também entre diferentes setores e esferas institucionais. Nas cidades, decisões relativas a uso do solo, transportes e habitação, para mencionar apenas alguns exemplos, possuem consequências climáticas significativas, mas os órgãos responsáveis por essas decisões raramente consideram o fator climático em seus processos de planejamento e implementação. As cidades precisam incorporar metas climáticas em todas essas diferentes esferas, incluindo estratégias e planejamentos orçamentários, e, ao mesmo tempo, conectar as ações climáticas entre os diferentes setores.
Recentemente, o WRI lançou seu programa de Ação Climática Integrada, concebido com o objetivo de oferecer apoio técnico e capacitação para incorporar soluções climáticas nos processos municipais de planejamento estratégico, uso do solo, gestão e financiamento. Mas as cidades não podem fazer isso sozinhas. Também planejamos facilitar a colaboração entre governos locais, regionais e nacionais para criar as condições que viabilizem a transição.
Como peça fundamental da ação climática integrada, as cidades e a oportunidade que representam para os esforços de mitigação e adaptação precisam estar representadas nas discussões globais. A última Conferência do Clima da ONU ( COP27) obteve alguns avanços nesse quesito, por meio da primeira Reunião Ministerial sobre Urbanização e Mudança Climática, um evento de alto nível que ampliou a voz das cidades em um ambiente normalmente dominado pelos governos nacionais. Esse momento precisa ser o começo de uma nova era para as cidades, na qual os governos municipais passam a desempenhar um papel mais significativo na UNFCCC e nas políticas climáticas de âmbito nacional em todo o mundo.
Esforços como a Corrida pelo Zero, que até aqui já conseguiu mais de 1.100 compromissos municipais pelo zero líquido das emissões até meados do século, não serão bem-sucedidos sem uma integração, tanto vertical quanto horizontal, dos planos climáticos municipais e o apoio nacional e internacional de que precisam para serem implementados.
2) Tornar as construções mais eficientes e resilientes
A crise energética na Europa e em outras partes do mundo, decorrente da guerra ilegal da Rússia contra a Ucrânia, renovou o foco das políticas para controlar os preços ascendentes. É imperativo que a eficiência energética embase essas políticas.
A eficiência energética nas construções é a ação de mitigação de gases de efeito estufa com o melhor custo-benefício disponível. Também é a melhor oportunidade para reduzir a demanda por eletricidade, os custos das famílias com as contas de luz e a pobreza energética. Ainda assim, pesquisas do WRI mostram que as adaptações dos edifícios para o uso de energia limpa avançaram apenas um sexto em relação ao patamar em que deveriam estar para atingir as metas de descarbonização de 2030.
A transformação do setor de construção, liderada pelas cidades, é essencial não apenas para atingir metas climáticas, mas para garantir habitação acessível, infraestrutura resiliente, empregos verdes e espaços saudáveis para as pessoas viverem e trabalharem.
Conectar políticas locais às agendas climáticas de âmbito nacional e internacional pode ajudar a atingir as metas de curto e longo prazo do setor. Um exemplo de roteiro nacional de descarbonização de construções, verticalmente integrado, pode ser visto na Colômbia. Parte do Acelerador de Edificações de Zero Carbono, a Colômbia possui um plano minucioso que conecta medidas políticas, financeiras, tecnológicas e de capacitação a metas de curto, médio e longo prazos, identificando os atores específicos responsáveis pela implementação das ações. Sem roteiros como esses, estratégias subnacionais e planos de ação alinhados, os compromissos e metas de zero líquido geram poucas mudanças na prática.
O WRI e organizações parceiras também têm trabalhado com governos locais na Índia, no Quênia e na Costa Rica na elaboração de novos planos de ação locais alinhados aos compromissos climáticos nacionais e internacionais.
3) Descarbonizar o transporte
A transição para veículos limpos está em andamento, criando uma pressão significativa pela redução da dependência de combustíveis fósseis. Mas esse movimento não ocorre com a mesma velocidade em todos os lugares e, sabemos, precisa ser acompanhada por mudanças que vão além do tipo de motor dos carros.
Colaborações globais, coalizões e trocas de conhecimento são fundamentais para levar a transição a mais cidades e criar sistemas de mobilidade de baixo carbono mais amplos, que também incluam transporte coletivo de alta qualidade e mobilidade ativa.
Agregar a demanda é uma maneira por meio da qual as cidades podem avançar mais rápido em suas metas de descarbonização do transporte. A maior aliança do mundo no setor, a coalizão Accelerating to Zero (em português, “Acelerando rumo ao zero”), foi lançada na COP27 com o apoio de mais de 200 organizações, entre públicas, privadas e não governamentais. Aproveitando o momento favorável em todo o mundo, a coalizão tem o objetivo de que todos os carros e vans vendidos sejam de emissão zero nos principais mercados globais até 2035 e no restante do mundo até 2040.
O Grand Challenge, da Índia, é um exemplo de iniciativa nacional para implementar mais ônibus elétricos em mais cidades. Criado para viabilizar a produção em massa de ônibus de transporte público para qualquer operadora do país, incluindo agências municipais, o desafio já levou à implantação de 5 mil ônibus elétricos em cinco cidades até o momento. Por meio de economias de escala, homogeneização da demanda, melhores condições de pagamento e mais facilidade no carregamento, entre outras melhorias, a iniciativa conseguiu reduzir os preços dos ônibus elétricos até o mesmo patamar ou muito próximos do custo operacional dos ônibus a diesel.
A partir do sucesso da iniciativa, o governo pretende adquirir 50 mil ônibus elétricos até 2030 – um exemplo promissor que pode ser replicado em outras partes do mundo.
A mobilidade ativa – caminhada e bicicleta – também é importante para descarbonizar o transporte, em particular nas nações em desenvolvimento. Cidades em países em desenvolvimento já possuem divisões modais mais amigáveis climaticamente, uma vez que a maioria das pessoas caminha, pedala ou utiliza os meios de transporte de massa, mesmo quando as condições de qualidade e segurança dos sistemas é questionável. Esses meios de transporte de baixo carbono precisam ser priorizados e melhorados por políticas, ferramentas inovadoras de financiamento e capacitação.
Considere, por exemplo, o inovador sistema de ônibus rápidos (BRT) e bicicletas da cidade de Peshawar, no Paquistão – o primeiro sistema formal de transporte público da cidade. O sistema melhorou a qualidade do serviço e a segurança para milhões de pessoas. Considerando que 50% dos deslocamentos em áreas urbanas costumam ter menos de 10 quilômetros, ao projetar um sistema mais seguro e conveniente do que os carros para as pessoas, os países em desenvolvimento podem evitar os erros de muitas nações ricas e não cair na “ armadilha da motorização”.
4) Combater a desigualdade no acesso aos serviços urbanos, com a habitação como prioridade
A desigualdade é um problema urbano. Sabemos que mais de 1,2 bilhão de moradores de cidades em todo o mundo – ou uma a cada três pessoas – não possui acesso a um ou mais serviços urbanos essenciais, como condições seguras de moradia, saneamento, transporte e abastecimento de água e energia. Nos países de baixa renda, esse número sobe para duas a cada três pessoas; poucas estatísticas ilustram tão bem a necessidade urgente de aliar a ação climática a avanços no desenvolvimento humano e no combate à desigualdade.
Empoderar e envolver as próprias comunidades em risco na criação de soluções climáticas é fundamental para promover uma transição justa. Um exemplo é a cidade de Iloilo, nas Filipinas, que trabalhou com uma aliança de ONGs e lideranças locais para realocar comunidades vulneráveis a enchentes e ao aumento do nível do mar.
Ao abordar problemas de posse em assentamentos "informais", solucionando os gargalos de financiamento para criar novas moradias e adotando um planejamento espacial mais integrado, a cidade chegou a uma solução climática e habitacional mais inclusiva.
A necessidade crescente de moradias baratas, bem localizadas e com acesso a serviços urbanos de qualidade pode e deve ser atendida de forma a garantir a resiliência climática para as pessoas mais vulneráveis, que sofrem com os impactos mais severos de desastres climáticos como inundações e ondas de calor.
Um importante relatório do WRI, Rumo a uma Cidade Equitativa, traça um roteiro para dar início a mudanças transformadoras e, com isso, combater a desigualdade no acesso aos serviços urbanos. Agora, um novo complemento ao estudo traz o mapeamento de recomendações de atores estratégicos do ecossistema urbano, reunindo reflexões de destaque sobre ações e investimentos prioritários para aumentar a prosperidade e oferecer melhores meios de subsistência para todos.
5) Construir resiliência climática com a água e a natureza como eixos centrais
Desafios hídricos e climáticos são convergentes em muitas cidades ao redor do mundo – particularmente na África. Até 2050, mais de dois terços das cidades africanas devem enfrentar riscos climáticos extremos e crises hídricas – incluindo secas, inundações e poluição – com impactos para a saúde e produtividade de milhões de pessoas.
Soluções baseadas na natureza são uma maneira custo-efetiva de enfrentar esses desafios e, ao mesmo tempo, atingir metas de mitigação; por exemplo, restaurar o entorno de cursos hídricos, ampliar os espaços verdes e implementar superfícies permeáveis são medidas que podem reduzir o risco de inundações. Obter financiamento privado e, em paralelo, utilizar e administrar melhor os recursos públicos e fundos de apoio ao desenvolvimento e o clima pode direcionar mais investimentos para soluções baseadas na natureza nas cidades.
Desenvolvido pelo WRI junto a 29 organizações parceiras, o Fundo de Adaptação da Água das Cidades Africanas (Fundo ACWA, na sigla em inglês) é um novo instrumento de financiamento misto para canalizar US$ 5 bilhões para soluções de resiliência hídrica urbana em 100 cidades africanas até 2032. O Fundo, assim com a iniciativa que o criou, a Plataforma ACWA, vai permitir que as lideranças municipais tenham acesso direto a recursos e apoio técnico para projetos focados em diferentes questões hídricas, desde a captação doméstica de água da chuva até soluções baseadas na natureza para o gerenciamento de inundações e águas residuais e a criação de empregos na área de gestão de resíduos sólidos. O Fundo ACWA espera implementar 200 projetos em 100 cidades e, com isso, beneficiar diretamente 29 milhões de pessoas, gerando uma economia de 137 milhões de metros cúbicos de água e criando 64 mil novos empregos.
Combatendo as mudanças climáticas nas cidades
O último ano foi marcado por profundas incertezas, desigualdades e sofrimento humano. Mas também proporcionou momentos de otimismo, como os maiores investimentos climáticos já feitos até hoje pelo governo dos Estados Unidos e a eleição de lideranças pró-clima na Austrália e no Brasil. O tempo está acabando, mas um mundo com a crise climática sob controle, no qual as pessoas e a natureza possam prosperar, ainda é possível.
Precisamos de uma mudança radical de trajetória, uma que seja centrada em cidades inclusivas, resilientes e de baixo carbono. Esses são os espaços urbanos de que o mundo precisa – não apenas para controlar as mudanças climáticas, mas para melhorar a vida de bilhões de pessoas que têm nas cidades seu lar.
Via WRI Brasil.