Os concursos de arquitetura são utilizados há muito como forma de eleger os melhores projetos de maneira viável, isonômica e democrática, independentemente de sua finalidade. No Brasil, destaca-se o Instituto de Arquitetos do Brasil, que por mais de século representa os arquitetos do país e advoga veementemente a favor da popularização e formalização dos concursos como forma de contração prioritária de obras públicas, seja para projetos de arquitetura, urbanismo ou paisagismo, por exemplo. As competições garantem que o poder público contrate o melhor projeto, e não necessariamente aquele que oferece o projeto mais barato, como é comum em licitações por pregão.
Para além dos concursos profissionais, utilizados geralmente pelo poder público (e as vezes até pela iniciativa privada), têm-se também os concursos de arquitetura voltados para estudantes, muito comuns em diversos países do mundo, inclusive no Brasil, e que nos últimos anos têm demonstrado uma vertiginosa crescente de popularidade. São impulsionados como estratégia de marketing de empresas privadas para promover produtos, mas também como iniciativa de órgãos públicos, por escolas através das chamadas charretes, de portais de arquitetura, e por aí vai.
Academicamente falando, esses concursos podem ser vistos como essenciais para iniciar os alunos nessa modalidade de projeto, e ao mesmo tempo incorporar a prática dos concursos como uma maneira de ensino complementar ao ensino formal praticado nas escolas de arquitetura do país.
Concursos de projeto são grandes propagadores de conhecimento técnico e conceitual, que devem ser explorados pela comunidade acadêmica, pois entende-se que a vivência entre alunos e professores cria uma rede de aprendizado rica. Os concursos, por meio da competição, também são uma forma eficaz de testar os próprios conhecimentos, nivelá-los e evoluir constantemente, seja o participante aluno, professor orientador ou profissional autônomo.
Ainda que muito populares, nota-se que existem poucas iniciativas mais formalizadas das escolas de arquitetura do país para fomentar a participação dos alunos nesses certames. Vê-se iniciativas mais pontuais de um pequeno grupo de alunos e professores ou algumas disciplinas eletivas voltadas concursos em específico, por exemplo.
Uma Experiência Catarinense
Acompanhando durante anos as notícias dos concursos de arquitetura (principalmente através dos portais do Concursos de Projeto, ArchDaily e Vitruvius), percebemos no início da década de 2010 que Santa Catarina ainda não apresentava uma cultura expressiva em competições, não importa se em certames profissionais ou estudantis. A participação era escassa e pontual. Em nada se comparava a produção de estados como Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, estados já mais tradicionais nessa modalidade.
Dessa forma, em 2014, iniciamos um projeto acadêmico chamado NCPro – Núcleo de Concursos de Projeto, vinculado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola Politécnica da Universidade do Vale do Itajaí, uma instituição comunitária, que tem como principal objetivo fomentar a participação dos alunos em concursos de arquitetura, urbanismo, paisagismo, design e inovação, envolvendo estudantes de diversas fases do curso, professores e laboratórios de diferentes disciplinas.
Essa prática de ensino não só ajuda a construir uma cultura entre alunos e professores do curso a participarem de concursos, mas também promove e incentiva indiretamente a participação de outros profissionais e estudantes da região e do Estado nesses certames.
Como forma de fortalecer a cultura dos concursos no estado, o NCPro organiza concursos de projeto dentro e fora da instituição, presta consultoria externa para elaboração e organização de concursos de projeto, participa de bancas julgadoras em concursos nacionais, ministra palestras e workshops, publica sua produção em revistas especializadas, jornais e magazines, como o próprio ArchDaily, e cria uma rede de aprendizado e contribuição entre as diversas disciplinas complementares à Arquitetura e Urbanismo, através da participação de professores e laboratórios de áreas como conforto ambiental, estruturas e paisagismo. Por fim, está desenvolvendo a Plataforma Cloud, uma plataforma para organizar e promover concursos de arquitetura para estudantes, alinhados aos temas mais contemporâneos e relevantes para a atualidade.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, constroem e fortalecem a postura crítica do arquiteto urbanista formado na instituição.
Além disso, todas as premiações provenientes dos concursos conquistados pelo NCPro funcionam como forma de publicidade, uma vez que são noticiadas pelas principais revistas e órgãos da área, fortalecendo não somente o currículo do aluno para o mercado de trabalho, mas também a própria instituição de ensino, que se torna cada vez mais reconhecida pela academia e pela comunidade que a cerca. O NCPro fortalece a imagem do ensino e da arquitetura catarinense, que nos últimos anos vem galgando seu espaço e se posicionando como um Estado de destaque no país.
Por fim, o NCPro é importante porque, ao iniciar os alunos na prática dos concursos de arquitetura para estudantes, acaba por incentivá-los a participar, quando formados, de concursos profissionais de arquitetura. Além disso, a criar um olhar e postura crítica para que defendam, enquanto arquitetos e urbanistas, a prática dos concursos como a forma prioritária para se contratar obras públicas, uma das principais batalhas da comunidade arquitetônica dentro do cenário político atual.
Destaca-se que muitos ex-alunos premiados representando o NCPro durante seu período de graduação continuam conquistando premiações de âmbito nacional nos últimos anos.
Ensino Inovador
A experiência do NCPro é inovadora pois, apesar dos concursos de arquitetura para estudantes serem comuns no Brasil e no mundo, há poucas experiências acadêmicas como ele. Em Santa Catarina, o NCPro é o pioneiro como um laboratório formalizado, de produção contínua ao longo dos anos.
O núcleo ensina arquitetura para seus alunos através de concursos, por meio de uma metodologia que favorece a aprendizagem colaborativa, inclusiva e democrática. No núcleo, assuntos abordados nas disciplinas do curso são desenvolvidos e aprofundados, pois são aplicados em ações práticas, como em projetos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos. Além disso, temáticas não trabalhadas em sala de aula também são assunto no NCPro, complementando a formação acadêmica do aluno. Além do estudo de parâmetros de projeto, também são aprimoradas as habilidades em ferramentas específicas, como softwares BIM (building information modeling), softwares de pós produção de imagens e softwares para diagramação de pranchas.
Assim, o NCPro atinge todos os pilares da educação superior ao envolver ensino e prática profissional: ensino, por meio de suas orientações, palestras e workshops, com produção de projetos e protótipos; extensão, com exposições e palestras abertas ao público, que envolvem não somente estudantes da instituição, mas também profissionais da própria comunidade, de forma contínua ao longo dos anos; e pesquisa, pois teve quatro publicações em livro especializado de arquitetura e, atualmente, está produzindo pesquisas científicas.
O Método
O NCPro tem seu método organizado cinco diferentes fases, que correspondem à a) seleção de alunos, b) seleção de concursos, c) orientações, d) dinâmicas abertas, e, por fim, e) divulgação de resultados:
a) Na primeira fase, selecionamos os alunos por meio de abordagem direta, identificando alunos com aptidão para a participação em concursos de projeto. A aptidão para os concursos pode ser observada através do desempenho do aluno em seus trabalhos nas aulas regulares, em seus estágios, projetos de extensão e/ou pesquisa, sua inquietação natural e, principalmente, em seu interesse pelo desafio e competição. Essas características costumam fazer parte dos estudantes e arquitetos formados que tem o hábito de participar dos concursos.
Contudo, pelo reconhecimento adquirido dentro do curso ao longo dos anos, o NCPro também é frequentemente procurado por estudantes que buscam participar dos certames, sendo sempre incorporados ao núcleo, não havendo distinção de fase do curso ou experiência em concursos anteriores.
b) Depois de identificar os alunos interessados, o NCPro rastreia em sua base de dados ou nos principais portais de arquitetura os concursos que se encaixam no perfil dos estudantes. Como critério de escolha, tenta-se alinhavar o tema e complexidade do concurso com a fase do curso onde o estudante se encontra, sua vocação em alguma disciplina específica, experiências pessoais, cronograma, a possibilidade de conformar equipes, entre outros;
c) Na terceira fase ocorrem as orientações, ofertadas semanalmente, de forma presencial, na sala do NCPro. Além disso, as orientações também são realizadas por meio de aplicativos de comunicação digital. De acordo com a natureza do concurso, outros professores que não fazem parte do núcleo costumam ser convidados para as orientações, principalmente de disciplinas complementares ao projeto arquitetônico e ao projeto urbanístico, como conforto ambiental, sustentabilidade, sistemas estruturais, design de produto, entre outros. Os alunos também são incentivados a permanecerem e produzirem dentro do espaço físico do núcleo, com incentivo também ao trabalho colaborativo, seja entre equipes que participam do mesmo concurso ou de equipes que estejam participando de outros concursos paralelamente;
d) Sempre que possível, o NCPro realiza atividades com dinâmicas de ensino menos convencionais, trazendo arquitetos, professores ou outros estudantes mais experientes como convidados. O assunto das dinâmicas é direcionado aos concursos realizados, podendo variar desde aulas específicas com professores de disciplinas complementares, dinâmicas para lançamento de conceito e partido projetual, diagramação de prancha e pós-produção de imagens, por exemplo. A forma de abordagem também costuma variar, podendo ser feita através de discussões abertas em auditórios, onde a conversa entre ministrantes e plateia é muito incentivada, palestras, brainstorms e orientações coletivas, entre outros. Os locais onde ocorrem as dinâmicas também costumam variar e extrapolar os limites da instituição, contando sempre com entidades de classe e empresas parceiras, como coworkings, que costumam oferecer seu espaço para sediar os eventos. Entende-se que é importante mudar de ambiente e experienciar outras realidades para realizar um projeto inovador.
e) Por fim, os resultados obtidos nos concursos sempre são divulgados, com destaque maior para os prêmios conquistados. O NCPro está em constante contato com a assessoria de imprensa da instituição, que publica a produção em suas mídias e direciona a publicação para outros veículos de comunicação. Dessa forma, o núcleo constantemente dá entrevistas para rádios e canais de televisão. Além disso, as premiações são divulgadas espontaneamente por magazines voltados à divulgação da arquitetura, como o próprio ArchDaily Brasil e Vitruvius. O núcleo também já organizou exposições impressas de sua produção em diferentes campi.
Replicabilidade
A iniciativa aqui retratada pode ser replicada facilmente por qualquer escola de arquitetura e urbanismo do país, pois todas elas têm acesso às mesmas demandas e recursos que o NCPro possui. O Núcleo não requer espaço físico específico ou complexo, tampouco requer materiais incomuns aos cursos ou grandes recursos financeiros. Basta que haja iniciativa do próprio corpo docente e que eles consigam envolver a comunidade acadêmica. O NCPro tem sua metodologia divulgada abertamente, desde 2020, quando conquistou a premiação de Prática Inovadora de Ensino do CAU-SC. Também já demonstrou sua iniciativa em palestras e workshops em semanas acadêmicas em diversas universidades do país.
O Resultado
Como toda experiência acadêmica, é importante olhar atentamente aos resultados obtidos. Em seus 9 anos de existência, o NCPro participou de dezenas de concursos e recebeu diversas premiações nacionais. Conquistou 39 prêmios nos concursos que participou, trabalhando em diversas temáticas e escalas de abrangência. Destaca-se recentemente nesse universo o 1º Lugar na categoria acadêmica do Prêmio Saint Gobain (2022), o 1º Lugar no concurso Projetar.Org nº20, o 1º Lugar na Premiação Acadêmica do CAU/SC 2022, bem como 4 projetos publicados no 3º Guia IAB para Agenda 2030 da ONU.
Nesses 9 anos, o NCPro já envolveu mais de 100 alunos e 3 laboratórios do curso, organizou e ministrou palestras, mesas redondas, exposições e workshops, concedeu entrevistas à programas de TV e para rádios locais, prestou consultoria para a criação de concursos externos, organizou e foi jurado de concursos internos da instituição, e teve seus projetos publicados por revistas especializadas e pelos principais magazines nacionais de arquitetura.
Destaca-se que o NCPro já foi premiado em concursos por sua prática inovadora de ensino de arquitetura: conquistou, em duas das três edições do concurso (2020 e 2022), o 1º Lugar do Prêmio Professor, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina; bem como o 1º e o 2º Lugar no Prêmio UNIINOVA, em 2021(categoria Mentor e categoria Aluno, respectivamente).
Por fim, desde 2019, o NCPro inova no ensino ao adotar em seus projetos submetidos para concursos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Esses objetivos são utilizados como premissas básicas de projeto, acompanhando o processo do início ao fim, da construção da temática e do conceito até as soluções técnicas construtivas, resultando em 22 prêmiosdiretamente relacionados, inclusive o 1º Lugar no concurso de sustentabilidade mais importante do país, o Prêmio Saint Gobain, em 2022, e o 1º Lugar na Categoria Especial de ODS da Premiação Acadêmica do CAU-SC 2022.
Os concursos de arquitetura devem ser utilizados pela comunidade acadêmica como forma de complementar a formação de seus alunos. Em nossa experiência, construímos uma cultura local de participação nos certames e alavancamos nossa posição nos rankings nacionais de ensino.
