O ano de 2021 foi turbulento – a pandemia causada pelo novo coronavírus persiste, obrigando as indústrias de design e construção a continuar se adaptando por dois anos seguidos. À medida que os métodos de trabalho remoto e comunicação continuam a ser ajustados e aprimorados, uma infinidade de eventos virtuais fez com que o discurso arquitetônico fora dos paradigmas ocidentais e eurocêntricos pudesse ocupar um espaço central na discussão da arquitetura global.
Matthew Maganga
Colaborador do ArchDaily e Assistente Curatorial na Trienal de Arquitetura Sharjah de 2023. Nascido e criado em Dar es Salaam, Tanzânia, vive no Reino Unido. Interessado em habitação, urbanismo, política de terras, patrimônio e como vivemos em nossas cidades.
Além do hegemônico: arquitetura e urbanismo em outros territórios
Conexões coloniais: a ferrovia no continente africano
Uma frase de efeito, muito conhecida — "Do Cabo para o Cairo" — gerou inúmeros livros e despertou a imaginação de incontáveis viajantes do continente africano. As origens da frase são de natureza imperial, nascida de uma proposta de 1874 do jornalista inglês Edwin Arnold, que procurava descobrir as origens do rio Congo. Este projeto foi mais tarde retomado pelo imperialista Cecil Rhodes, que imaginou uma ferrovia contínua de territórios governados pela Inglaterra que se estendia do Norte ao Sul do continente.
No nível do solo: a importância da tipologia de uso misto
Os edifícios ao redor do mundo estão ficando mais altos. Desde o ano 2000, a construção global de arranha-céus aumentou em 402%. Cidades como Dubai abrigam quase 1000 arranha-céus, e o vibrante mercado imobiliário de luxo de Nova York não mostrou sinais de desaceleração, com mais adições de arranha-céus a serem acrescentadas à sua já imponente linha do horizonte. Isto é bom — os arranha-céus criam um espaço muito necessário em cidades já densas e podem reduzir a expansão urbana nos centros das cidades, permitindo uma melhor preservação das áreas naturais.
Repensando a história: democratizando o patrimônio arquitetônico
O ambiente construído que todos habitamos é parte integrante de processos e sistemas interconectados globais. Quando avaliamos a arquitetura historicamente significativa de nossas cidades, a integridade estrutural e estética de um edifício merece consideração igual a fatores como as condições de trabalho de seus construtores e às estruturas de poder existentes de seu tempo. Exemplos de modernismo italiano na Eritreia, por exemplo, podem ser dignos de elogios estéticos, mas, entrelaçado com o legado desses edifícios saudados como ícones modernistas, está o fato preocupante de que eles foram construídos para promover um projeto imperial. Nos complexos campos da conservação arquitetônica, preservação e patrimônio cultural, a democratização deve sempre permanecer uma prioridade-chave.
Orientalismo e arquitetura
Estamos há vinte e um anos no século vinte e um. O mundo nunca esteve mais conectado com o advento de novas tecnologias, mas as desigualdades históricas ainda são enormes. Essas desigualdades se manifestam de maneiras diferentes. As viagens globais, por exemplo - apesar da onipresença dos aviões hoje em dia - ainda são amplamente acessíveis apenas aos cidadãos de países “desenvolvidos” devido às restrições proibitivas de visto. No ensino de arquitetura, muitas instituições ainda priorizam um currículo eurocêntrico, cuja arquitetura de populações não ocidentais é amplamente ignorada. Outra perpetuação de sistemas preconceituosos é o Orientalismo - e explorar este conceito através de lentes arquitetônicas é útil para interrogar abordagens projetuais contemporâneas e futuras.
Espaços de encontro e socialização: o papel dos mercados públicos na África contemporânea
Há alguns meses - em julho de 2021, um incêndio danificou parte considerável da estrutura do icônico Mercado de Kariakoo na cidade de Dar es Salaam. Projetado pelo arquiteto tanzaniano Beda Amuli e inaugurado em 1974, o Mercado de Kariakoo desempenhou por anos um papel fundamental como elemento de referência no tecido social e urbano da maior cidade da Tanzânia. Desde o fatídico incêndio de julho, muito se fala sobre o possível projeto de reforma do mercado, principalmente depois que começaram a circular as primeiras imagens do novo projeto, as quais revelam uma estrutura mais alta, com a adição de três novos pavimentos. A questão central é se a tipologia de “torre” seria realmente apropriada para este caso, considerando a natureza impopular de outros projetos de mercados “verticais” construídos em Dar es Salaam.
Território contestado: relações entre a crise climática e a propriedade da terra
A arquitetura é um ofício ou prática que, na maioria dos casos, envolve a construção de estruturas físicas e materiais. A arquitetura procura dar forma a edifícios destinados a servirem diferentes propósitos como trabalho, moradia, convivência, oração entre outros tantos. Estruturas construídas e intervenções arquitetônicas, no entanto, necessitam de um espaço físico para materializar-se. Dito isso, a melhor compreensão a relação intrínseca entre espaço e arquitetura, pode ser a chave para estabelecermos práticas mais sustentáveis nos campos da arquitetura, engenharia e construção civil.
Como as smart cities podem agravar a desigualdade
As metrópoles urbanas de nosso planeta são o lar de uma abundância de histórias. Elas são o lar de histórias de riqueza, de inovação e de maravilhas arquitetônicas, assim como de histórias de desigualdade, iniquidade e segregação urbana — lugares onde a renda determina a qualidade do ambiente espacial ao seu redor. Dentro destas histórias se desenvolveu uma crescente defesa para tornar as cidades "mais inteligentes", para usar dados e tecnologia digital para construir ambientes urbanos mais eficientes e convenientes.
Cidades e conflitos: projetos urbanos de reuso adaptativo
A COP26, Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, está programada para ser realizada na Escócia na última semana de outubro de 2021. No pano de fundo desta conferência está uma maior consciência global das mudanças climáticas, à medida que discussões ocorrem sobre como um futuro mais igualitário pode ser alcançado. O estado atual e futuro da arquitetura é um componente-chave desta conversa, já que, as críticas são dirigidas aos escritórios de arquitetura que fazem uso do "greenwash" (ou maquiagem verde) levantando questões sobre se o termo "sustentabilidade" está cada vez mais sendo usado apenas como a palavra da moda de hoje.
Expansão urbana e cidades fantasmas: o impacto da mineração no ambiente construído
Muitas das cidades que conhecemos hoje, não apenas foram fundadas a séculos mas cresceram e floresceram devido a uma série de diferentes razões. Alguns dos mais importantes assentamentos humanos e urbanos se desenvolveram devido à sua proximidade com a água, como no o caso de Dar es Salaam, atualmente uma das mais importantes cidades portuárias da África Oriental. Outras famosas capitais do mundo foram planejadas e construídas do zero muito mais recentemente, como no caso do Brasil e também da Nigéria. Existem ainda cidades e até regiões criadas para servir a um determinado setor da economia ou industria, como é o caso do Vale do Silício, no estado americano da Califórnia. Entre a infinidade de distintas razões que podem provocar o surgimento ou o desenvolvimento de uma determinada cidade, existe uma que no entanto, foi capaz não apenas de criá-las da noite para o dia, mas também de destruí-las em um curto espaço de tempo.
A outra face da arquitetura islâmica: mesquitas da África Subsaariana
A África Subsaariana é um lugar onde coexistem muitas religiões e, consequentemente, um grande número de fiéis. Edifícios icônicos, estandartes de diferentes culturas e crenças, podem ser encontrados espalhados pelos quatro cantos do continente, como a famosa Basílica da Sagrada Família no centro de Nairóbi ou o impressionante Templo Hare Krishna na África do Sul. Seja qual for o credo que estes edifícios representem, o que é evidente é que a arquitetura religiosa hoje constitui uma parte fundamental do tecido urbano das cidades da África Subsaariana. Em muitos casos, estas estruturas simbólicas e representativas operam ainda como um terreno fértil para a experimentação na arquitetura.
Hotelaria e a crise habitacional: recuperando a arquitetura abandonada
No mundo inteiro, os países estão enfrentando uma crise habitacional. As estatísticas das Nações Unidas estimam que o número de pessoas que vivem em moradias abaixo do padrão é de 1,6 bilhão, e 100 milhões de pessoas não tem acesso a uma casa. À medida que os conflitos e as mudanças climáticas forçam os refugiados a se deslocarem para novos países, e os preços das casas continuam a subir, as cidades estão tendo que buscar opções para fornecer moradia segura e acessível para seus habitantes.
Relações de poder e desigualdade em mapas: uma análise urbana através da cartografia
A humanidade como a conhecemos hoje é resultado de séculos e mais séculos de fenômenos naturais e migratórios complexos responsáveis por forjar a aparência geográfica e humana do planeta no qual habitamos. Humanos são seres sensoriais, e como tais, se relacionam com o mundo através de suas experiências vividas, mas, além disso, há outra forma pela qual podemos compreender o mundo no qual vivemos, isto é, através da uma representação bidimensional inventada pelo homem—os mapas. A cartografia, muitas vezes, é utilizada para delinear fronteiras e estabelecer limites, e desta forma têm sido utilizada historicamente como uma ferramenta de opressão e segregação.
Vestígios urbanos do passado colonial: Dar es Salaam e Nairobi
Observando rapidamente o continente africano, encontraremos uma enorme diversidade de padrões de assentamentos humanos, variando desde pequenos ambientes urbanos, enclaves rurais até extensas metrópoles. Sobrevoando este vasto território, podemos concluir também que muitas cidades africanas estão trabalhando para superar a lacuna histórica que as separa do resto do mundo—embora essa “evolução”, na maioria dos casos, esteja apenas acentuando as desigualdades estruturais que permeiam este continente de norte a sul. E esta dinâmica não é uma novidade, pois a aparência de muitas das cidades africanas ainda hoje é resultado de uma longa história de opressão e segregação.
Parques Nacionais: uma jornada arquitetônica
O mundo abriga milhares de parques nacionais, os quais podem ser definidos como espaços alocados para a conservação, hospedando terras geralmente deixadas em seu estado natural para as pessoas visitarem. O próprio termo “parque nacional” difere em todo o mundo. No Reino Unido, por exemplo, a frase simplesmente descreve uma área relativamente pouco desenvolvida que atrai turistas. Nos Estados Unidos, essa terminologia é muito mais rígida, descrevendo 63 áreas protegidas operadas pelo serviço de Parques Nacionais dos Estados Unidos.
De Chicago a Nápoles: o fracasso de dois grandes projetos de habitação social
A atual pandemia escancarou as muitas desigualdades enraizadas em nossa sociedade, especialmente no que se refere à distribuição extremamente desigual de recursos e infraestruturas públicas em territórios urbanos. Desde o início da corrente crise sanitária mundial, aqueles que podiam pagar, por exemplo, optaram por trocar a vida na cidade por suas confortáveis casas de final de semana em meio à natureza. No outro extremo, também testemunhamos como as pessoas mais pobres sofreram com a dificuldade de acesso à cidade, espaços públicos e áreas verdes—sendo forçados a continuar suas rotinas de trabalho e deslocamento apesar das muitas restrições e dos evidentes riscos de saúde pública. Para piorar, não podemos deixar de mencionar a questão do acesso (ou a falta de) à moradia digna e de que forma deveríamos abordá-la para responder aos muitos desafios do presente e do futuro.
Guia arquitetônico da África subsaariana: explorando a arquitetura de Bangui e Kinshasa
Quando olhamos para a arquitetura africana, vemos a diversidade arquitetônica de um continente moldado em sua forma atual, por uma combinação de fatores internos e externos. Ao analisar a arquitetura africana, há também uma tendência de certas regiões terem precedência sobre outras partes do continente. As obras modernistas tropicais de Maxwell Fry e Jane Drew em Gana e na Nigéria, por exemplo, são extremamente bem documentadas. Assim como a arquitetura da era colonial extremamente bem preservada da capital da Eritreia, Asmara. No entanto, parecem haver partes do continente que “escapam do radar” nas conversas sobre arquitetura africana — assim o livro Architectural Guide: Subsaharan Africa é uma adição bem-vinda aos estudos da arquitetura africana.
A arquitetura vernacular pode se tornar um fetiche?
Quando falamos de arquitetura vernacular, na maioria dos casos, estamos nos referindo a uma forma de se construir específica de uma determinada região—ou uma arquitetura que incorpora sistemas construtivos e materiais locais. As características que definem a arquitetura vernacular, portanto, variam enormemente de lugar para lugar, compreendendo exemplos que vão desde as Casas Colmeias de Harran, na Turquia, às tradicionais casas malaias encontradas em todo o sudeste da Ásia. Dito isso, a arquitetura vernácula continua sendo hoje uma das principais fontes de inspiração para muitos arquitetos e arquitetas ao redor do mundo.