Pode-se pensar que, de todos os gêneros de filmes, a ficção científica seria o menos provável a apresentar edifícios reais. É evidente que os diretores de arte sempre buscam evitar conexões com elementos tão ligados à realidade, no entanto, existe, de certo modo, uma tradição em utilizar a arquitetura moderna como base para a criação de mundos cinematográficos fictícios.
A ficção científica apresenta uma peculiaridade: sua audiência acredita nos mundos que lhe são apresentados. Movimentos de câmera bem pensados, perspectivas e os materiais certos contribuem para isso. Além disso, a escolha de edifícios modernos reais - ao invés de cenários inteiramente construídos - contribui para a autenticidade e atmosfera destes filmes.
Saiba mais sobre o uso da arquitetura moderna em filmes de ficção científica como Blade Runner, Gattaca, Aeon Flux e outros, após o intervalo...
No passado, os cenógrafos tinham que optar entre construir um cenário temporário ou encontrar um local existente adequado às exigências do roteiro. Em todos os casos, sempre houve contradições: um cenário bem feito é, em geral, muito caro e a escala costuma ser limitada, por outro lado, filmar em locação é sempre problemático devido às limitações de tempo e necessidade de permissões. Além disso, pensar como construir um ambiente futurístico é sempre um problema a ser resolvido.
Felizmente, os profissionais do campo da arquitetura se encarregam deste problema diariamente e, ocasionalmente, aparecem com uma solução tão radical e pouco convencional que é, na realidade, adequada para Hollywood. Este foi o caso da comédia de ficção científica de Woody Allen, O Dorminhoco, que apresentava uma solução estrutural revolucionária criada por Charles Deaton.
Esta casa experimental (ele chamava de casa "esculpida") apresenta uma atmosfera minimalista que é associada à edifícios do futuro. A forma branca esculpida da casa sugere um nível de racionalidade estrutural, integração programática e avanços em termos de materiais que não haviam ainda sido alcançados pela indústria, e isso tornava inviável construir uma cópia dela em estúdio. A solidez de sua estrutura permanente proporcionava credibilidade ao cenário, algo que seria dificilmente alcançado com miniaturas em escala.
Em 1982, Ridley Scott lançou Blade Runner - um filme cuja densidade opressiva das construções iniciou uma nova era na direção de arte e abriu caminho para toda uma geração de novos gráficos para jogos de computador - que se baseava na distinta linguagem arquitetônica da Casa Ennis de Frank Lloyd Wright (um edifício apresentado tantas vezes na televisão e no cinema quanto qualquer uma destas estrelas da calçada da fama de Hollywood), e usava a textura criada pelos blocos da casa (de inspiração Maia) para transmitir a atmosfera de uma civilização decadente. Já o filme Gattaca, muito popular, também faz uso de uma obra de Wright - desta vez o Marin County Civic Centre - apresentado como a sede de uma corporação aeroespacial futurista. Uma escolha surpreendente, visto que tal obra fora concluída em 1957.
Evidentemente, o (relativamente) recente aparecimento das tecnologias de animação significa que há agora uma série de alternativas digitais disponíveis aos diretores de arte para a criação de mundos fictícios - o que possibilita a redução da dependência das estruturas físicas nos filmes. Apesar do vento soprar neste sentido, ainda se vê a predominância da arquitetura moderna nos filmes de ficção científica.
Aeon Flux, lançado em 2006, utilizou o Baumschulenweg Crematorium, em Berlin (também visto em Cloud Atlas de 2012) e o Tierheim Animal Shelter para criar um lar para uma sociedade utópica futurista - bela e calma vista de fora, porém muito problemática por baixo da superfície. A simplicidade da característica destes edifícios foi enfatizada pela equipe de produção, buscando criar uma sensação de calma artificial nesta sociedade cuidadosamente fabricada. A ausência de agitação e desordem cria uma inquietação desconcertante. Novamente, a autenticidade proporcionada por estas estruturas construídas dá credibilidade ao mundo de Aeon Flux.
A arquitetura contemporânea pode ainda ser vista em filmes de grande orçamento que fazem pleno uso de tecnologias de computação gráfica. O lançamento de Michael Bay de 2011, Transformers 3, apresenta o belo Art Museum de Milwalkee, de Santiago Calatrava cercado por animações colossais de cenas de ação. O elegante espaço escultórico proporciona um balanço estético em relação à horrível parafernália mecânica dos Autobots e, sem dúvida, os brises soleil móveis dão uma aula de elegância a Optimus Prime.
Estas obras únicas da arquitetura contemporânea se alinham facilmente à visão do futuro pois é precisamente para ele que estas foram projetadas. Elas são o resultado do incessante questionamento daquilo que é convencional e da expansão dos limites da arquitetura. Além disso, proporcionam aos filmes em que aparecem um nível de autenticidade e realismo que convence e engaja a audiência. Embora na maioria dos casos estas obras estejam ligadas a um futuro não promissor - dos ambientes sombrios de Blade Runner ao mundo estéril e ameaçador de Aeon Flux - a regular referência à arquitetura moderna na ficção científica também pode ser vista como uma homenagem. Isto mostra que o design contemporâneo é visto como parte do futuro que e a profissão da arquitetura tem um papel reconhecido na construção do futuro.
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