August Kekulé descobriu a estrutura do anel de benzeno depois de ter um sonho com um Ouroboros, uma famosa serpente mitológica retratada mordendo a própria cauda. Francis Crick descobriu o sistema de replicação complementar do DNA quando se lembrou do processo de reprodução de esculturas através de uma cópia em gesso, utilizada como molde. Johannes Keppler atribui suas leis do movimento planetário a uma inspiração pela religião: o sol, as estrelas e o espaço negro ao redor delas representam Pai, Filho e Espirito Santo respectivamente
Qual é o sentido? De acordo com Arthur Koestler, "todos os eventos decisivos na história do pensamento científico podem ser descritos como 'fertilização cruzada' mental entre disciplinas diferentes." Grandes descobertas surgem não do trabalho eremita isolado, sem interferência, mas de trabalhos incansáveis, esclarecidos por colisões involuntárias com um assunto não familiar. Para Kekulé foi mitologia antiga, para Crick, escultura, e para Keppler, religião.
Criatividade e inovação, portanto, prosperam onde disciplinas se chocam. E isso é verdadeiro não apenas para a ciência, mas para todos os assuntos. Todos temos algo a aprender com o outro, e que lugar melhor para incentivar esse enriquecimento mútuo do que a escola?
Continue lendo para saber mais sobre como arquitetura interdisciplinar pode alimentar criatividade e colaboração nas escolas.
Como observei na Parte I desta série, criatividade é um fenômeno verdadeiramente social: se desenvolve quando pessoas trabalham em proximidade e conversam umas com as outras. Uma arquitetura de criatividade, portanto, une as pessoas e força a interação. Por exemplo, o MIT Building 20, localização de algumas das maiores invenções de sua era, fez exatamente isso. A característica única do Building 20 era não ser só um prédio de ciências onde apenas físicos e químicos conviviam. Linguistas, especialistas em acústica, cientistas da computação, etc. trabalharam a poucos metros uns dos outros, dividindo corredores, instalações, e até banheiros. O resultado? Um dos lugares mais criativos da história recente.
Building 20 é um exemplo convincente de que quando se colocam pessoas de diferentes disciplinas sob o mesmo teto, fatos inesperados acontecem. Então qual o melhor teto?
Edifícios que abrigam disciplinas múltiplas não são um fenômeno incomum. Em muitas universidades, departamentos de ciências ou humanidades compartilham instalações em sua divisão – por exemplo matemática e física, ou história e ciências políticas, dividem um prédio. Ainda assim, enquanto essas combinações podem ser logisticamente e burocraticamente efetivas, não procuram criar nada novo em sua mistura. Onde esse modelo encontra seu potencial, portanto, é na junção incomum de disciplinas diferentes.
O que poderia acontecer, por exemplo, se arte e engenharia compartilhassem um edifício? Música e biologia? Ciências políticas e ambientais? Não é difícil imaginar que a proximidade do trabalho dessas disciplinas poderiam levar a colaborações inovadoras entre elas.
Infelizmente, essas combinações raras enfrentam obstáculos burocráticos, e dificilmente acontecem. Só existem quando não há outra opção, como foi o caso do Building 20.
Mas a ausência dessas instalações combinatórias não significa que as universidades não estejam interessadas em colaborações criativas entre disciplinas. Elas simplesmente acontecem de forma diferente.
Muito apropriadamente, o MIT é uma dessas escolas. Enquanto ninguém nos anos 1950 pensou em colocar lá um grupo interdisciplinar eclético de acadêmicos em um espaço para que pudessem interagir, algumas pessoas estão pensando dessa maneira agora. Esse espaço se chama MIT Media Lab, um programa de pós-graduação orientado à pesquisa em artes midiáticas e ciências. Ao promover o que eles chamam de cultura anti disciplinar, " MIT Media Lab vai além dos limites conhecidos e das disciplinas, incentivando as misturas mais improváveis e combinações de áreas de pesquisa aparentemente díspares." Do Media Lab vieram tecnologias como computação vestível e interfaces tangíveis.
A Parsons New School MFA in Transdisciplinary Design, um programa de pós-graduação baseado em projeto, visa resolver problemas do mundo real através do design, e promove uma filosofia similar de colaboração interdisciplinar. Com apenas três anos, o programa produziu projetos como MobileMark, um agente de mapeamento direcionado ao usuário para aglomerados informais.
Estes programas contornam as complicações logísticas da junção de departamentos criando um departamento próprio. Com seu próprio espaço, cada programa pode facilitar a interação das disciplinas através dos estudantes que vêm de diferentes formações acadêmicas.
Enquanto os programas do Media Lab e do Trandisciplinary Design agem como instituições de concessão de grau autônomas, separadas de suas respectivas escolas, a escola de design de Stanford age como interdisciplinar dentro do seu sistema de pós-graduação. Como todos os estudantes que participam dela devem estar matriculados em um dos sete programas de Stanford, o programa de design funciona como o local de encontro de todas as disciplinas. É onde médicos, engenheiros, advogados e empresários se unem em colaboração.
Cada um desses programas tenta quebrar limites disciplinares ao unir estudantes e pesquisadores de todas as áreas em um espaço. Eles dividem uma arquitetura criativa impulsionada pela colaboração radical entre pessoas de todas as disciplinas.
Mas por que deve ser radical? Por que programas desse tipo existem apenas no nível da pós graduação? Raramente há uma escola de graduação dedicada à colaboração entre as disciplinas. Escolas de Artes Liberais certamente defendem uma educação interdisciplinar, mas frequentemente isso significa apenas fazer uma série de aulas variadas, e não trabalhar colaborativamente cruzando limites.
Alguns podem dizer que colaborações desse tipo dependem de especialização, ou seja, que os participantes devam ser altamente qualificados (ter uma pós-graduação) para contribuir adequadamente. Eu discordo. Estudantes começam a colaborar no momento em que entram na escola. Crianças no jardim de infância são notoriamente os melhores colaboradores entre nós. E são tão bons porque não têm medo de errar. É na verdade sua falta de instrução que os torna capazes disso.
Como Barry Svigals diz em seu artigo sobre colaboração, "os colaboradores estaticamente mais bem sucedidos - no jardim de infância - não focam em falhas. Suas tentativas e erros são, ao contrário, uma parte contínua da descoberta (também conhecida como brincadeira). Este trabalho se sobressai por pouco tempo até que nossos pais, ou sistema educacional, e sociedade em geral nos doutrina com definições de certo e errado." Uma vez ensinados a temer estarem errados, perdem sua faísca da colaboração.
Os espaços de aprendizado, também, podem lhes permitir isso. Se nos lembrarmos de nossas salas de aula no jardim de infância, elas tendiam a ser abertas e flexíveis. Alunos não têm mesas individuais, nem há divisões de espaço. Elem podem mover os móveis, reunir-se em cantos ou encontrar uns aos outros no meio. A sala se destina a permitir liberdade para interagir, com objetos e uns com os outros. Por que isso desaparece quando crescemos? Embora Foucault possa ter uma resposta, não há razão para que não possamos aprender com esses especialistas em colaboração: nós mesmos com cinco anos de idade.
Podem alunos de alguma maneira conseguir a faísca de volta após vinte anos de educação? Não. Mas podem consegui-la em atmosferas que forneçam aquela aceitação juvenil de experimentação, sem os obstáculos incômodos da burocracia, em espaços que adotam o trabalho em conjunto.
E essa é a beleza da arquitetura. Ela pode promover interação e criar a possibilidade de colaboração sem precisar de aprovação administrativa. Apesar de departamentos acadêmicos serem frequentemente isolados, tanto fisicamente em seu edifício e na prática em seu ensino, estudantes ainda são livres para se movimentar em um campus, no fim das contas.
Tudo o que exige são pessoas. Precisa ser construído, claro. Mas depois disso, deve simplesmente unir as pessoas - deve ser um espaço - e lhes dar uma direção - algo em que possam colaborar.
Posso imaginar dois tipos desses espaços. O primeiro é um em que pessoas de diferentes disciplinas realizam trabalhos independentes em proximidade uns com os outros, como um prédio de graduação como Building 20. Basicamente, colocar pessoas em um espaço e deixar que a proximidade faça o trabalho. O segundo é um espaço como a escola de design, onde alunos se reúnem para trabalhar juntos em tarefas inspiradas pelo mundo, não por uma disciplina. Um mistura os alunos, o outro os convida.
Estes espaços podem aprender com aqueles que passaram anos priorizando criatividade e colaboração, como os escritórios da Parte II ou as salas de aula do jardim de infância. Podem ser espaços completamente abertos capazes de serem manipulados de várias maneiras diferentes, de acordo com necessidades diferentes. Podem ser espaços compartimentados que facilitam visibilidade entre diferentes grupos ou pessoas. Podem ser espaços divertidos que envolvem e engajam. Podem ser todos esses. Mas, finalmente, devem empregar uma arquitetura de criatividade que faça com que as pessoas interajam e que lhes permita alterá-lo.
No fim das contas, a esperança de uma arquitetura interdisciplinar é dar aos estudantes uma plataforma para colaboração criativa
Criatividade prospera onde pessoas, disciplinas, ideias colidem. Sua mistura cria combinações originais que frequentemente conhecemos como inovação. Essa combinação pode ser uma pessoa e uma ideia, três pessoas e um problema, duas ideias, etc. Mas não pode ser prescrita. Tudo o que sabemos é que quando interagimos há uma grande chance de que algo bom aconteça.
Se imaginarmos ideias, pessoas e disciplinas como partículas, a arquitetura pode ser a partícula aceleradora. Talvez seja isso que Jonah Lehrer quis dizer quando afirmou, "os espaços mais criativos são aqueles que nos misturam. É o atrito humano que causa as faíscas." Crick, Kekulé, e Keppler, Building 20 e Google nos mostram com que essas faíscas podem se parecer.