Escrito no Future Cape Town, este artigo de Julia Tahyne - originalmente intitulado The Skycycle: A Plan for the People? (The Skycycle: Um plano para as pessoas?) - analisa a proposta do escritório Foster + Partners para construir uma ciclovia elevada acima de Londres, explicando porque ela não passa de um sonho otimista.
As manchetes em Londres do último mês de novembro foram sombrias. Seis ciclistas mortos em menos de quinze dias. Quase todos mortos em acidentes envolvendo caminhões, ônibus ou carros. As pessoas estavam compreensivelmente preocupadas. De 5.000 km de distância, minha mãe me enviou um colete fluorescente e outro conjunto de luzes para a bicicleta, e eu, como uma ciclista habitual, evitei as rotatórias e notei que os carros pareciam estar andando mais devagar e os outros ciclistas pensando duas vezes antes de desrespeitar as leis de trânsito.
Em resposta às mortes, tanto o setor público quanto o privado anunciaram um "estado de emergência do ciclismo". Os policiais patrulhavam as ruas para multar os veículos que estivessem trafegando em condições perigosas e os ciclistas que desobedeciam as leis. Milhares de cidadãos reuniram-se para uma vigília à luz de velas na rotatória onde as vidas dos três ciclistas foram interrompidas. Outros milhares protestaram em frente a sede de Transportes de Londres, onde os participantes deitaram sobre a rua usando suas bicicletas para bloquear o tráfego. Colunas de jornal, artigos de revista e blogs examinavam e re-examinavam a segurança das ciclovias em Londres. As Cycle Superhighways do Prefeito Boris Johnson (pintadas de azul, as faixas supostamente reforçavam a segurança das ciclovias de Londres) tornaram-se um tema particularmente controverso da discussão, já que três das seis mortes durante essas duas semanas (e das 14 até agora em 2013) ocorreram nesses caminhos ou perto deles.
Foi a partir das discussões sobre ciclismo e segurança que o Skycycle surgiu.
Leia sobre os problemas do projeto Skycycle.
Eu sei o que você está pensando. O Skycycle é um nome surpreendente. Ele faz alusão à um desejo de infância de entrar nos mundos de Star Wars, evocando imagens de Darth Vader ensinando ao jovem Luke Skywalker a pedalar na gravidade zero da galáxia muito, muito distante. Essa imagem não está tão longe da ideia desenvolvida pelas três empresas com sede em Londres (a empresa do Sr. Norman Foster, Foster + Partners, a Exterior Architecture e a Space Syntax) em 2012, que ressurgiu nos meios de comunicação durante as férias desse ano, em resposta a grande quantidade de acidentes.
O Skycycle é uma proposta de redes de ciclovias elevadas acima das linhas ferroviárias de Londres. Percorrendo 220 km por toda a cidade, o Skycycle pode ser acessado em mais de 200 pontos de entrada, plataformas hidráulicas verticais, localizadas ao lado das estações ferroviárias existentes. Seis milhões de pessoas estariam dentro da área de abrangência do Skycycle, dos quais três milhões vivem e trabalham a 10 minutos do ponto de entrada. Além disso, as 10 rotas do Skycycle acomodariam 12 mil ciclistas por hora - um fator importante, considerando as 1,5 milhões de viagens de bicicleta por dia em Londres estimadas para 2020. É importante ressaltar que o Skycycle daria uma resposta definitiva para as questões de segurança, fazendo a coisa mais segura de todas: a remoção, por completo, dos ciclistas nas ruas de Londres.
Embora eu não possa discutir o nome (é realmente uma obra-prima por conta própria) ou o uso simulado das rotas (eu não vi os detalhes), a ideia desse artigo é discutir a abordagem do Skycycle de segregar os ciclistas do resto da cidade, através das ruas seguras - fazendo-a em dois pontos principais, que recorrem à teoria e à prática do projeto urbano.
1) O Skycycle desvia energia e recursos de projetos mais importantes em matéria de transportes e de ciclismo em Londres - e de outros projetos mais importantes, ponto final.
Na minha descrição inicial do Skycycle, eu mencionei o seu conceito básico: um percurso elevado livre de carros, que se baseia na infraestrutura ferroviária existente para criar um novo conjunto de rotas de transporte ecológico. O que eu esqueci de mencionar foi o seu custo potencial. A equipe de design londrina propôs - e a Network Rail e a Transport for London supostamente apoiaram - uma rota experimental do Skycycle. O caminho teste de 6,5 km se estenderia de Stratford até a Liverpool Street Station, pousado sobre a linha de metrô que conecta o leste ao centro de Londres. [Nota: Para aqueles de vocês que não são familiarizados com Londres, essa rota seria essencialmente conectar a área Olímpica no leste de Londres a uma estação ferroviária muito central e muito ativa perto do coração do distrito financeiro da cidade]. O custo estimado da rota experimental é de £ 220 milhões (cerca de £ 34 milhões por quilômetro).
Para colocar este valor em perspectiva, alguns números..
- O Cycling Vision do prefeito Boris Johnson desde março de 2013 tem um orçamento de £ 913 milhões para melhorar as condições dos ciclistas nos próximos 10 anos, incluindo projetos para ruas seguras, vias segregadas, educação, promoção e formação, entre outras inciativas. O custo estimado da rota experimental do Skycycle é de quase 25% desse orçamento.
- Por outro lado, o Cycle Superhighways (caminhos pintados de azul que reforçam a segurança do ciclista, o qual eu já havia mencionado anteriormente) têm o propósito de custar entre £ 1 e £ 3 milhões por quilômetro, o que significa que pode-se colocar entre 75 e 200 quilômetros de Cycle Superhighways pelo mesmo preço da rota experimental do Skycycle.
- Crossrail, um dos maiores projetos de transporte na Europa, está orçado em cerca de £15 bilhões de 118 quilômetros de vias, ou seja, quatro vezes o custo do Skycycle. Dito isso, o Crossrail transportará uma projeção de 200 milhões de pessoas por ano, com capacidade, apenas nas linhas do centro de Londres, de 36 mil pessoas por hora nos horários de pico - três vezes o número de pessoas acomodadas pelo Skycycle em rotas de um quinto do seu comprimento. Além disso, o Crossrail deverá gerar £52 bilhões em impactos econômicos no Reino Unido, enquanto um relatório recente feito pela London School of Economics demonstra que a economia do ciclismo no Reino Unido gera apenas £ 3 bilhões.
- Em um tema um pouco diferente, mas ainda essencial, devido ao crescimento populacional sem precedentes, Londres está enfrentando uma escassez de mais de 90.000 vagas nas escolas primárias e secundárias nos próximos três anos. Esse déficit é estimado para custar £ 2,3 bilhões, ou £ 25.000 por aluno / vaga. Mesmo se a rota experimental do Skycycle operar em capacidade máxima (12 mil ciclistas por hora), 24h por dia, 365 dias por ano, ainda custaria cerca de £2 milhões por ciclista para construí-la. Vinte e cinco mil libras para garantir a educação de uma criança contra £2 milhões para reduzir o tempo de deslocamento de um ciclista em 29 minutos - agora há algo em que se pensar, especialmente quando cada uma dessas crianças poderia, não só ser educada, mas também ganhar um bicicleta por uma fração do custo a ser gasto em apenas um quilômetro do Skycycle.
Quando o dinheiro público está em jogo, decisões difíceis devem ser feitas. Quando o congestionamento ameaça a eficiência, as iniciativas de transporte podem triunfar, quando as pessoas são excluídas da cidade, a habitação pode ter prioridade na agenda política; e quando a economia urbana está desfalecendo, faixas de inauguração são cortadas nas novas escolas para treinar a próxima geração de trabalhadores qualificados. Talvez eu seja muito idealista, mas geralmente acredito que os responsáveis políticos, pelo menos, deveriam tentar fazer com que a solução para essas decisões difíceis estivesse baseada nos projetos que iriam servir o maior número (e potencialmente as mais vulneráveis) pessoas.
O Skycycle não é um desses projetos. Em Londres, passeios de bicicleta representam um impressionante 16% do transporte nas ruas e 25% dos passageiros da manhã, de acordo com estatísticas recentes. No entanto, em Londres, como em outras cidades, os ciclistas são principalmente brancos, profissionais e do sexo masculino. As mulheres, os idosos e os jovens são sub-representados na cena do ciclismo. Apesar das ciclovias poderem apelar para esse tipo de passageiro, eu não consigo imaginar que as mães que buscam seus filhos na escola preferem entrar em um elevador hidráulico para uma rota de ciclismo embalada com profissionais Spandex nas suas bicicletas sofisticadas acelerando para trabalhar, pedalando em uma ciclovia segregada em ruas de tráfego calmo. Por mais que eu seja uma defensora das bicicletas nas cidades, eu não acho que a cultura do ciclismo em Londres atingiu o ponto em que qualquer pessoa fosse frequentar o Skycycle. E com essa imagem da mãe levando suas crianças para a escola de bicicleta, o meu voto seria o de gastar o dinheiro público com o público - nas medidas mais susceptíveis de ser utilizadas pela maioria das pessoas.
Para ser justa, os projetistas do Skycycle reconheceram que o uso do dinheiro público deve ser limitado na construção e implementação da ciclovia. Eles propuseram que o Skycycle operasse com taxas de utilização. No entanto, dado o custo estimado da construção, sou forçada a acreditar que alguns fundos públicos não seriam aproveitados, pelo menos inicialmente, pelo Skycycle. Uma vez construído, o meu palpite é que seriam necessários subsídios públicos adicionais para os custos operacionais - para não mencionar os gastos em incentivar os grupos sub-representados a utilizarem o Skycycle. Mais uma vez, o meu voto é para a utilização dos fundos públicos para o público.
2) O Skycycle pode ter inesperadas conseqüências negativas.
Eu vivi em Londres por um ano e meio, como estudante e como profissional, no centro de Londres e ao norte da cidade. Devido, em parte, à minha formação em (e amor pelo) planejamento urbano, eu passei a maior parte do último ano e meio, explorando diferentes bairros de Londres. Tenho comparado a Mare Street com a Marylebone, Chatsworth Road Market com a Portobello, Mount Street Deli como a De Beauvoir - a lista continua.
Apesar dessa análise constante de Londres, eu não me senti em casa aqui até o dia em que peguei emprestada a bicicleta de um amigo. Finalmente, em vez de ver as ruas principais de Londres do alto de um ônibus de dois andares, comecei a vê-la do nível da rua. Era uma cidade inteiramente diferente. Em minha mente, Londres já não estava representada pelo choque do ônibus com os pedestres na Oxford Street. Tratava-se, de uma série de ruas tranquilas, mas povoadas, divididas entre bares, pequenas lojas, kebab's, bibliotecas, propriedades da prefeitura, casas, parques, playgrounds e escolas. Enquanto pedalava, eu encontrei novos lugares para frequentar: restaurantes para experimentar, lojas para fazer compras, peças para ver, parques para explorar. E eu nunca me sentia insegura devido às outras pessoas. As ciclovias eram tão povoadas que outros transeuntes, a pé ou em bicicleta, poderiam facilmente me ajudar se fosse necessário.
Esses dois fatos anedóticos me levaram a entender que: a presença de ciclistas nas ruas é bom para a cidade. Os ciclistas são prováveis consumidores, como o arquiteto Jan Gehl aponta em muitas de suas publicações e projetos (e como minha própria estante, cheia de compras feita em vélo, pode atestar). Eles geram economias locais, em lugares relacionados ou não aos empreendimentos de ciclismo. Além disso, ter mais “olhos nas ruas” como uma das chaves para a segurança da cidade é bem documentada (leia o “The Uses of Sidewalks” ou Os Usos das Calçadas capítulo do livro Morte e Vida de Grandes Cidades para provar isso, se você já não o tiver feito). Remover os ciclistas da rua, como as ciclovias elevadas do Skycycle pode ameaçar alguns benefícios que o ciclismo oferece simplesmente porque os ciclistas estarão menos expostos ao que está acontecendo no chão.
Eu estou de acordo com as intenções do Skycycle: ciclismo é uma das soluções mais defensáveis e sustentáveis para problemas urbanos com saúde e transporte e, portanto, deve ser uma prioridade na política e nos investimentos em infra-estrutura. Mas eu discordo dos seus métodos. Eu não acho que o investimento em segurança do ciclismo deva custar mais de £7 bilhões (um cálculo utilizando os custos estimados para os 6,5 km de percurso), especialmente quando resulta em infra-estrutura, o que pode levar anos para integrar-se no sistema de transporte existente. E eu também não acho que o ciclismo deve ser uma atividade isolada, separada do resto da cidade através de elevadores hidráulicos.
Em vez disso, eu acredito que o dinheiro proposto para ser usado no Skycycle deve financiar a implementação de outros métodos de segurança para o ciclismo. Eu incluí uma seleção destes métodos abaixo de modo que este artigo não se torne apenas mais uma crítica de uma ideia urbana sem pelo menos trazer uma proposta do que poderia ser melhor.
- Reduzir os limites de velocidade e instalação de redutores de velocidade (com aberturas para permitir a passagem da bicicleta, mas não carros, para evitá-los) nas ruas da cidade promovendo uma condução segura e, assim, um ciclismo mais seguro.
- Proporcionar formas segregadas de ciclovias em ruas movimentadas, utilizando calçadas de diferentes níveis, ilhas, ou pilaretes, que diferenciam as pistas de carros das ciclovias, fazendo com que os ciclistas se sintam mais seguros, como os estudos sobre ciclismo urbano têm mostrado.
- Investir na orientação espacial, a instalação de sinais e, sim, até mesmo pintar ruas podem ajudar os ciclistas a encontrar seu caminho através do território desconhecido.
- Incrementar programas de incentivo às bicicletas já existentes, incluindo os programas como o Cycle-to-Work benefícios para os trabalhadores e o London Cycle Hire Scheme, baseado em iniciativas de sucesso para o ciclismo em Londres.
- Reprimir roubo de bicicletas pode encorajar mais pessoas a andar de bicicleta - e a deixar suas bicicletas em - lugares desconhecidos (porque ninguém gosta de ver sua bicicleta roubada sendo utilizada por alguém que a comprou por 50 libras na Brick Lane.)
Essas soluções não são high-tech e certamente não têm um nome legal como o Skycycle. Mas elas têm sido comprovadamente úteis. É importante ressaltar que elas também reconhecem que o ciclismo deve ser para todos, sejam eles de 4, 14 ou 40 anos, indo ao trabalho, ao supermercado ou ao apartamento de um amigo. Como Charles Montgomery escreveu em editorial para o The Guardian, "Suas ruas dizem muito sobre o que você valoriza como uma cidade... É a hora de Londres dedicar-se a criar espaços para todos os ciclistas - não apenas para os kamikazes."