Em dois dias específicos do ano, 21 de junho e 21 de dezembro, se você olhar para o céu vai perceber que o sol parece estagnado em seu limite sul ou norte, antes de completar seu caminho diário e interver a direção. Essa impressão de que o astro rei está parado no espaço fez com que o evento fosse denominado de solstício, derivado das palavras em latim 'sol' e 'sistere' que significa parado. Ele ocorre quando o sol atinge seu arco diurno mais ao norte ou sul em relação ao Equador, portanto, há dois solstícios que acontecem anualmente e marcam o início do inverno e o início do verão nos hemisférios.
Historicamente, este momento é muito importante para diferentes culturas, indicando feriados, rituais, festivais e cerimônias que, por sua vez, envolvem a religião, a agricultura e simbolizam a fertilidade. Ao reconhecer a importância desses rituais para o patrimônio cultural e suas tradições milenares, a ONU instituiu dia 21 de junho como Dia Internacional da Celebração do Solstício procurando assim incentivar o respeito mútuo entre as diferentes culturas.
Mas você poderá estar se perguntando o que esse fenômeno astronômico tem a ver com a arquitetura. Pois a verdade é que, se pararmos para pensar, a arquitetura está intimamente relacionada com o sol, e isso é fácil de perceber. A fim de garantir salubridade e conforto térmico aos espaços, condicionamos a implantação do projeto por conta da rota solar e posicionamos os ambientes em relação à luz. Ou seja, entender como o sol irá incidir na edificação é um dos primeiros estudos que fazemos ao projetar, se tornando uma diretriz primordial para as decisões que serão tomadas posteriormente. Entretanto, quando se trata de um dia/fenômeno específico, como no caso do solstício, sua incorporação dentro da arquitetura assume também uma dimensão espiritual, fazendo com que a própria obra participe desse ritual de observação, celebração e adoração ao sol.
Ao longo dos séculos, essa relação mística entre a arquitetura e sol pode ser apreciada em diferentes obras, a começar pelos monumentos arqueológicos como o famoso Stonehenge, na Inglaterra. Nesse cemitério construído entre 3000 e 2000 a.C., os raios do sol se alinham entre determinadas pedras no solstício de inverno. Um evento acompanhado por centenas de turistas o qual faz com que o círculo de rochas de 50 toneladas assuma uma dimensão mística e espiritual em um passe de mágica. Desse mesmo período é possível citar também o Newgrange, na Irlanda, construído em aproximadamente 3200 a.C. A colina feita em pedra, totalmente coberta por grama, abriga uma série de túneis e passagens e durante o nascer do sol no dia do solstício de inverno, a luz atinge todas as câmaras principais por cerca de 20 minutos. Esse é o único momento do ano em que as câmaras são completamente iluminadas pelo sol. O Círculo de Goseck, na Alemanha, de 4900 a.C., é outro monumento que sugere uma relação íntima como o fenômeno. Segundo pesquisadores, o local era um centro que recebia rituais religiosos e nele percebeu-se que os dois portões que cortam os aros se alinhavam com o nascer e o por do sol no dia do solstício.
Além desses três exemplos históricos, outros ainda poderiam ser citados aqui como a cidade maia de Tulum, no México ou a remota Ilha de Páscoa e suas esculturas. Entretanto, quem pensa que incorporar na arquitetura a peculiar posição do sol durante os solstícios é uma prática que ficou perdida na antiguidade está enganado. A misticidade do fenômeno ainda pode ser vista nas edificações contemporâneas, e não apenas em arquiteturas de cunho religioso ou espiritual, mas em museus, escolas e até mesmo residências. Uma gama de obras que utilizam o solstício tanto como forma de marcar um momento específico no espaço, quanto como um determinante volumétrico da edificação.
A configuração volumétrica do Pavilhão de Arte M, nos Países Baixos, inaugurado em 2021, parece até remeter aos antigos monumentos como o Círculo de Goseck. Sua forma é determinada por um círculo com suas quatro pequenas janelas voltadas para o eixo do amanhecer e do entardecer nos solstícios de inverno e verão marcando esse momento do ano por meio da entrada mais profunda do sol na estrutura.
Já no projeto para o Monastério de Nossa Senhora da Vitória o solstício e o equinócio também determinaram a composição volumétrica, fomentando o caráter espiritual da edificação. Nela brises na parede leste recebem luz no solstício e nas manhãs de equinócio, nesses momentos, uma rosácea projeta um ponto circular de luz direta dentro da igreja durante os cultos. Tal incorporação mística do sol, entretanto, pode ser vista não apenas em edifícios religiosos, mas também em equipamentos urbanos como a Casa do Banheiro, construída no Japão em 2013. Neste banheiro público, às 9 horas do dia em que se realizam três cerimônias tradicionais na região e do dia do solstício de verão e do solstício de inverno, a luz natural passa pelas frestas estrategicamente posicionadas como forma de remeter à identidade e cultura da cidade.
No âmbito dos projetos residenciais também existem exemplos interessantes que incorporam o solstício na arquitetura como o caso da Casa Rota do Sol, em Miami. Tal qual o próprio nome diz a casa possui na sua parte superior um terraço, o coração da residência, onde o muro curvo registra a rota do sol no solstício. Durante este período, os raios de sol refletem na parede sobre a superfície do pavimento.
Além da utilização do solstício de inverno para marcar luzes e sombras em formatos específicos, esse fenômeno também pode condicionar o próprio volume da edificação, como o Edifício de Apartamentos em Akasaka-Fukuoka, Japão, que tem suas diagonais condicionadas pelo ângulo de radiação solar do solstício de inverno às 8 e às 11 horas da manhã.
Mas nem só edificações são influenciadas por este fenômeno astronômico, Steven Holl Architects, por exemplo, projetaram essa escultura em madeira laminada cruzada com base nos solstícios e equinócios Segundo a equipe, três subtrações foram feitas a partir da geometria esférica inicial, marcando assim a localização exata do vetor do sol com base em sua localização no vale do Hudson, ao meio-dia nos solstícios de verão e inverno e às 14 horas durante o equinócio.
Para finalizar, vale citar o evento Manhattanhenge, fusão entre Manhattan e Stonehenge, que descreve o fenômeno de quando o sol se alinha perfeitamente entre as ruas leste-oeste de Manhattan. Manhattanhenge surge porque o arco do sol ainda não atingiu os limites do solstício e está a caminho deles. Nesse momento temos um breve vislumbre do sol poente ao longo dos desfiladeiros de concreto nas ruas estreitas, mostrando que a misticidade em torno do sol, ou sua simples contemplação, é uma celebração que segue presente, dos monumentos feitos com pedras brutas empilhadas aos grandes e tecnológicos arranha-céus de concreto e vidro, a humanidade segue admirada com esse mistério da natureza.