A habitação sempre foi uma grande questão dentro das metrópoles. Tanto para acomodar a população da cidade como o impacto que a habitação pode ter em outras questões urbanas, como o deslocamento necessário para cumprir com a rotina individual – a distância entre residência e trabalho ou escola, por exemplo.
O adensamento citadino costuma ser uma premissa bem-aceita em geral dentro do campo do urbanismo, e na realidade contemporânea, a equação adensamento-habitação se resolve com metragens mais compactas em edifícios em altura. Os apartamentos resultantes podem ser reduzidos quase ao mínimo de funções, o que no Brasil se chama comumente quitinete. Como toda tipologia, essa mini-residência possui seus prós e contras, e pode ser vista como exemplo de praticidade ou representante de precarização habitacional.
A quitinete é um tipo de habitação essencialmente moderna, e possui um histórico relativamente recente: data do início do século XX. O crescimento acelerado das cidades a partir da sua industrialização trouxe consigo um êxodo rural, e logo fez-se necessária a acomodação daqueles que chegavam aos aglomerados urbanos. Simultaneamente, o movimento moderno se consolidava, e buscava alinhar a tecnologia construtiva a uma nova maneira de morar, juntamente a um pretenso bem-estar social. É claro que as problematizações em relação às intenções modernas são cabíveis, e os resultados, altamente questionáveis, mas o cerne do pensamento moderno envolvia se aproveitar da verticalização da cidade e da maquinização dos processos para “facilitar” o trabalho e a habitação.
Por volta dos anos 1930 nos Estados Unidos, as cidades passaram a adaptar os edifícios existentes para acomodar mais famílias. Casas tradicionais passaram a ser subdivididas internamente, configurando uma espécie de pensão, e hotéis tiveram seus programas alterados para funcionar como um condomínio. Quitinete (ou kitnet) é uma adaptação da palavra inglesa kitchenette, que se traduz livremente como “pequena cozinha”, para designar a configuração espacial dessa nova residência: um quarto-sala (que pode ter esses cômodos integrados ou não), e uma cozinha compacta. À época, o banheiro poderia ser compartilhado com outras unidades, enquanto atualmente, esse cômodo é privativo, e, naturalmente, de pequenas dimensões.
A redução da cozinha também foi explorada e posta a teste na Alemanha. A atuação de Ernst May como arquiteto municipal de Frankfurt envolvia soluções econômicas e eficientes em seu plano habitacional, tanto em termos projetuais quanto construtivos. Essa abordagem reforçava a Existenzminimum (existência mínima) e a padronização em relação aos conjuntos habitacionais, tema recorrente para os alemães envolvidos nos CIAMs. A eficiência pretendida explorava mecanismos de armazenagem embutidos, camas dobráveis, e o “protótipo” mais completo dessa pesquisa: a Frankfurter Küche (cozinha de Frankfurt), da arquiteta Margarete Schütte-Lihotzky, inspirada na literatura estadunidense do século XIX.
Essas reduções tinham um público-alvo prioritário: a classe média e baixa das cidades do início do século XX. Embora a redução (aliada à automação) exaltada pelo Modernismo visasse a uma facilidade cotidiana para emancipar a sociedade, os proprietários de imóveis passaram a se beneficiar da maior ocupação por metro quadrado. Isso levou a situações extremas e opressoras, como era de se esperar. Em Chicago, as quitinetes eram ocupadas majoritariamente pela população negra por volta dos anos 1920, reforçando a segregação racial entre as porções norte e sul da cidade – vigente até os dias atuais, ainda que de forma mais insidiosa –, e acomodavam recém-casados e famílias inteiras em metragens mínimas – imagem comum nas grandes cidades até hoje –, e que já à época, foi retratada pela poeta Gwendolyn Brooks.
Afastando-se das ocupações extremas das quitinetes, em geral, seu surgimento representa a nova forma de morar e habitar a metrópole industrial, cujos serviços e lazer “desobrigam” as residências de certas funções e cômodos. Se a cidade oferece serviços como lavanderia, restaurantes, parques e casas noturnas, a residência prescinde de sala de jogos, área de serviço, uma cozinha ampla. Assim como se anunciava na Europa e nos Estados Unidos, a proliferação da quitinete ocorreu no Brasil por volta de 1940. O mercado imobiliário passava a contemplar mais possibilidades de compra e venda, e novamente a quitinete oferecia mais unidades habitacionais por área de solo urbano.
Apesar das questionáveis intenções do mercado, o fato é que a quitinete oferece um espaço compacto para um estilo de vida bastante metropolitano, ou até minimalista, dependendo do caso. Não é a pequena metragem que impede projetos adequados, eficientes e confortáveis. O exemplo paulista é o Edifício Atlanta, projetado por Franz Heep, que chegou ao Brasil imbuído das experiências racionalistas alemãs, cuja cozinha poderia ser uma transposição da Frankfurter Küche em terras brasileiras.
Espaços mínimos também exigem um pensamento projetual diferente. Em termos de prática arquitetônica, a restrição espacial pode incentivar um exercício criativo que altera, subverte e expande funções da residência que estavam reforçados por mera força do hábito. Longe de ser a “vilã” da habitação, a quitinete é uma tipologia que atende a uma parcela da população com um estilo de vida próprio. Estudantes vindos de cidades distantes, pessoas que vivem sozinhas e não sentem necessidade de um ambiente doméstico completo, nômades etc. Portanto, não deve ser desconsiderada.
A quitinete se afirma como uma residência válida como qualquer outra dentro da cidade, e não pode ser rechaçada por seu mau uso. Em vez disso, deve-se cobrar dos responsáveis pelo imóvel – governo ou construtoras e incorporadoras – para que a oferta habitacional seja compatível com a qualidade de vida digna que a sociedade merece. Isso significa casas unifamiliares, multifamiliares, edifícios em altura, apartamentos grandes, médios e pequeninos. Afinal, existem muitos jeitos de morar. A quitinete representa um deles, dentro de uma diversidade tão grande quanto a cidade em si.