Pigmentos naturais na arquitetura: fontes, aplicações e por que usar

Frente às urgências climáticas do planeta, campos diversos estão pressionados a reformular seus funcionamentos e atuações, e a arquitetura não está de fora. Afinal, o ambiente construído e a indústria da construção civil são responsáveis por uma porcentagem considerável da emissão de gás carbono na atmosfera. Repensar e reestruturar a cadeia construtiva – do projeto à execução – é a ordem do dia para os profissionais envolvidos com construção.

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Em meio a pesquisas, tentativas e questionamentos sobre os processos e materiais que envolvem a indústria da construção, soluções interessantes e promissoras se desenvolvem ou são retomadas. Voltar-se para sistemas construtivos ancestrais não é uma atitude recente, e é uma das vertentes teóricas dos anos 1960. Observar e retomar algumas práticas vernaculares certamente beneficiará a arquitetura contemporânea.

Há muito o que se aprender com arquitetura antes de se tornar a arte de um especialista. Os construtores sem tutela no espaço e no tempo – os protagonistas desse show – demonstram um talento admirável em ajustar seus edifícios no ambiente natural. Ao invés de tentar ‘conquistar’ a natureza, como nós fazemos, eles acolhem a vagareza do clima e o desafio da topografia. — Bernard Rudofsky

Extrapolando questões de desempenho sustentável do edifício, a matéria constitutiva da arquitetura também deve ser repensada. Os materiais que compõem a construção também devem ser renováveis, produzidos, transportados e descartados com menor impacto ambiental. Exemplos de vedações são conhecidos: paredes, coberturas. Em termos de acabamento, embora a técnica não seja estranha aos registros históricos, não existe divulgação ampla sobre os pigmentos naturais e seu uso nas construções.

Pigmentos naturais têm sido amplamente utilizados desde tempos antigos para diversos fins, incluindo coloração de alimentos, tintas, cosméticos, tecidos e arte. A feitura da tinta com base natural depende da combinação de dois itens: o pigmento e um aglutinante. Os pigmentos podem ser obtidos a partir de matéria orgânica, como açafrão, urucum, cascas de cebola, feijão macerado ou verduras. Os aglutinantes (ou mordentes) servem para garantir a aderência da tintura ao suporte, e também podem ser orgânicos, como vinagre, sal e erva-mate, entre outros.

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Instalação Natural Construído / Colectivo Warehouse. Foto © Clau Pereira

O tingimento com pigmentos naturais é mais conhecido dentro da indústria têxtil e apresenta seus benefícios: a variedade de cores não deixa a desejar, além da redução do risco de alergias em comparação com corantes químicos. O processo de produção de tintas industrializadas requer uma quantidade significativa de estabilizantes e componentes químicos e sintéticos para garantir a vivacidade e durabilidade da cor. Esses são misturados à água na qual o tecido é imerso, e, ao final da tintura, são descartados nas redes de infraestrutura da cidade sem o tratamento devido. No caso do tingimento natural, a água utilizada não contém a mesma quantidade de resíduos, o que a torna menos prejudicial para a rede de esgoto e eventual retorno ao meio ambiente.

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Fachada renovada da Carreras Cigarette Factory, supostamente uma das primeiras construções a usar cimento pigmentado. Foto © Tony Hisgett, via Flickr

No caso da construção civil, a base do processo é a mesma. O pigmento e o mordente são misturados com água e aplicados diretamente no substrato. Em geral, os pigmentos são de origem mineral como argila, que resulta em paleta quente, dos amarelos aos marrons, dependendo do tipo de terra. Estes podem ser – por sua vez – tingidos com outros corantes naturais de base vegetal, para mais variedade de cores. Os aglutinantes mais comuns não costumam ser naturais, devido à necessidade de rendimento para um cômodo ou edifício. É possível utilizar a cola branca à base d’água, soro de leite (caseína), ou cal – que também é base para a tinta branca.

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Galeria Superfície / MNMA studio. Foto © Naira Mattia

Além da possibilidade de uso como tinta de acabamento, a outra alternativa para coloração nos materiais dos edifícios é o concreto pigmentado. O pigmento é adicionado à mistura de areia, agregados miúdos e graúdos – brita, em geral – cimento e água. Os pigmentos não influenciam no desempenho estrutural do concreto, e, ao contrário das tintas – nas quais o pigmento é diluído em água –, no caso do concreto pigmentado, o corante é misturado ao material, e confere-lhe cor por meio da dispersão mecânica. Devido ao processo de coloração, os pigmentos devem ser inorgânicos, como óxido de ferro (vermelhos e marrons), óxido de cromo (verdes), hidróxido de ferro (amarelos), óxido de cobalto (azuis) e dióxido de titânio (branco), todos de base mineral. A extração desses pigmentos é o que deve ser avaliada para garantir o uso adequado e sustentável. O desempenho, estabilidade e durabilidade desses pigmentos no concreto são o que garantem a vantagem em relação aos pigmentos orgânicos, cuja capacidade de coloração e durabilidade não atendem às expectativas de desempenho deste tipo de material.

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Apartamento Lapa / Studio Gameiro. Foto © Tiago Casanova

A resistência ao uso de pigmentos naturais se dá em parte pela durabilidade e manutenção da cor. Pigmentos de origem vegetal são fotossensíveis, o que significa que alteram a tonalidade, esmaecem e, por vezes, desaparecem completamente quando expostos à luz por longos períodos de tempo. Por esse motivo, uma parte importante do desenvolvimento e uso desses pigmentos é garantir que a cor dure em sua aplicação. No caso de pigmentos minerais, a durabilidade em relação às intempéries possui um desempenho equivalente às tintas industriais, o que é um incentivo para a difusão de sua aplicação na indústria da construção civil. É possível que esses pigmentos sejam estabilizados e potencializados industrialmente, mas de maneira responsável?

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Casa UNTITLED / Atelier JQTS. Foto © Diana Quintela

A resposta sempre parece ser “não”. Contudo, o interesse de alguns pesquisadores, professores e profissionais dão início a um emparelhamento entre técnicas ancestrais e métodos científicos modernos para provar que existe a possibilidade de alterar a resposta para “sim”. Outro aspecto a se considerar na reformulação do pensamento construtivo é a temporalidade (sempre ela). A manutenção de edificações acontece periodicamente precisamente devido ao desgaste dos materiais. Há muito se sabe que a arquitetura não é eterna. Por que a durabilidade seria um problema no caso dos pigmentos naturais? Ao que tudo indica, não diferem tanto assim do desempenho adquirido “sinteticamente”, mas sem dúvida são menos agressivos, e oferecem mais um caminho para o campo arquitetônico existir de maneira mais simbiótica e benéfica ao meio ambiente. 

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Referências

  • ARQUITETAS nômades. Tinta natural à base de terra, como assim? Minas Gerais, 2018. Disponível em: https://www.arquitetasnomades.com.br/tinta-natural-a-base-de-terra-como-assim/ Acesso em julho de 2023.
  • CONSANI, Camila Pinheiro. Concreto pigmentado: Técnica, cromática e durabilidade. São Paulo, 2022.
  • DAMASCENO, Silvia Mara Bortoloto; SILVA, Fernanda Trevisam Floriano da; FRANCISCO, Antonio Carlos de. Sustentabilidade do processo de tingimento do tecido de algodão orgânico. São Carlos, 2010.
  • DINIZ, Juliana Furian; FRANCISCATTI, Patricia; SILVA, Tais Larissa. Tingimento de tecidos de algodão com corantes naturais açafrão (cúrcuma) e urucum. Maringá, 2011.
  • FARIA, Fernanda Cardoso de; SCHMID, Aloísio Leoni. Avaliação do comportamento de tintas naturais para construção civil frente ao intemperismo através de ensaio de envelhecimento acelerado. Campinas, 2015.
  • GONÇALVES, Deborah P. Fontoura. Concreto pigmentado aparente: Recomendações para o processo de projeto arquitetônico. São Paulo, 2019.
  • RUDOFSKY, Bernard. Architecture without architects. Nova York: Doubleday & Company, Inc., 1964.

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Sobre este autor
Cita: Helena Tourinho. "Pigmentos naturais na arquitetura: fontes, aplicações e por que usar" 13 Ago 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1004703/pigmentos-naturais-na-arquitetura-fontes-aplicacoes-e-por-que-usar> ISSN 0719-8906

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