Como alguns bairros estão usando o grafite para protestar contra a gentrificação

O grafite, como forma de arte, tem uma relação complexa com a gentrificação. Por um lado, ele envolve as ruas e o tecido urbano como uma tela para as pessoas se expressarem cultural, social e politicamente. Essa expressão pode ser uma forma de rebelião por minorias étnicas e grupos desfavorecidos em certos bairros, ou pode construir um senso de singularidade cultural e expressão social, conferindo a um bairro um caráter positivo e atraindo novos moradores. No entanto, ao longo dos anos, ele tem sido um agente de gentrificação, aumentando os valores imobiliários para acomodar residentes mais ricos e alienando as comunidades mais antigas.

Em certos casos, os artistas reconhecem seu papel nesse esquema urbano e modificam sua forma de arte por meio de seu estilo, mensagem, localização e ação como formas diretas de protesto contra a gentrificação. De Brixton, Shoreditch e Hackney em Londres, Williamsburg e Bushwick em Nova York, até o Canal Saint-Denis e Belleville em Paris, o uso do grafite nas paisagens urbanas desses bairros pode protestar ou inspirar diferentes formas de desenvolvimento.

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Grafite em Shoreditch, Londres. Imagem © Toa Heftiba/ Unsplash

O objetivo tradicional do grafite era se opor à gentrificação usando os bairros como espaço de expressão. Isso permitia que os artistas usassem a arquitetura como uma tela pública para expressar ideias, iniciar conversas entre os moradores, se rebelar contra estruturas sócio-políticas e celebrar ideais compartilhados. No entanto, observou-se que o grafite, embora não intencionalmente projetado para isso, pode desempenhar um papel na gentrificação. Calum Quirke, em seu artigo "Urban Art as a Gentrifier", argumenta que quando as comunidades dotam seus bairros com arte urbana única, ela atrai grupos criativos e faz com que o grafite entre no mainstream artístico, o que pode contribuir ainda mais para a desigualdade sócio-política. O grafite cria uma cultura artística que rapidamente se torna moderna e popular como um sinal de uma cultura vanguardista vibrante, e essa força criativa, contra sua vontade, tende a atrair novos moradores com rendas mais altas.


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Janelas grafitadas de Shoreditch, Londres. Imagem © Rick Barrett/ Unsplash

A relação entre grafite e gentrificação existe em um espectro, dependendo de como é percebida: como uma forma de arte ou vandalismo, ou como algo esteticamente edificante. No entanto, a percepção do grafite como arte ou vandalismo é construída pela própria forma artística. Calum Quirke observa que o grafite pode variar de "rabiscos ilegíveis e bagunçados" a "conjuntos esteticamente sobrepostos de imagens visuais". O primeiro muitas vezes identifica bairros com altos níveis de criminalidade, desemprego e baixa educação, enquanto o último é atraente para o desenvolvimento cultural, turismo e outras experiências de rua. A crença é que o grafite "bagunçado", em termos de estilo, mensagem, atos de vandalismo e localização no bairro, pode criar uma percepção negativa do ambiente e afastar possíveis investidores, ao contrário do grafite esteticamente sobreposto.

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Grafite artisticamente justaposto em Shoreditch, Londres. Imagem © Angie Kordic

A percepção do grafite estético define a história de Williamsburg, Brooklyn. Originalmente uma área onde fábricas eram empurradas para fora da vista da cidade, abrigava uma população diversa em busca de moradias acessíveis em Nova York, incluindo trabalhadores de bairros próximos e imigrantes. Artistas criaram residências em depósitos urbanos, dando origem a lofts, galerias e imprimindo arte nas fachadas dos prédios. Inicialmente, essa forma de arte criou tensões entre os moradores locais e os novos residentes devido ao seu "caráter inacabado". O grafite era visto como um ato de vandalismo, considerado feio, bagunçado e um sinal de um bairro deplorável. No entanto, na década de 90, os investidores aceitaram o caráter artístico de Williamsburg, passando de "limpar o bairro" para utilizar o grafite esteticamente agradável nas fachadas dos prédios. Isso aumentou o apelo dos empreendimentos, dando aos potenciais moradores a sensação de que não estavam participando da transformação da paisagem local, ao mesmo tempo em que excluíam os moradores atuais de seus prédios e essencialmente gentrificavam o bairro.

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Mensagem grafitada esteticamente sobreposta em Williamsburg, Nova York. Imagem © Chalo Gallardo/ Unspash

Shoreditch, em Londres, é um exemplo de bairro onde os artistas reconheceram o papel de sua expressão em atrair a gentrificação e passaram a utilizar formas de arte que protestam diretamente contra esse movimento. Na década de 1990, a área se tornou popular para artistas de rua em ascensão e agora é considerada o epicentro da cena de arte de rua de Londres. À medida que os preços dos imóveis da área aumentaram e os investidores planejavam construir novas estruturas de luxo, os artistas utilizaram formas de arte em grafite para protestar diretamente contra eles. Grafites continuamente surgem no bairro, destacando a situação dos moradores locais e como os novos desenvolvimentos tendem a aliená-los. Alguns artistas até se envolvem em vandalismo artístico de propriedades privadas, criando tensão com os novos moradores e chamando a atenção das autoridades para o bairro. A arte de rua no Reino Unido ainda é tecnicamente ilegal e considerada uma atividade criminosa. Embora as autoridades tentem eliminar essas obras de arte assim que aparecem, a tensão tende a limitar o apelo do bairro em relação aos futuros moradores.

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Grafite em Shoreditch, Londres. Imagem© Angie Kordic

Outro exemplo primordial que personifica o grafite como agente de gentrificação e agora luta contra isso para proteger sua longa história é Brixton, em Londres. Durante décadas, Brixton era conhecido por sua numerosa população afro-caribenha, que cresceu à medida que a geração Windrush se estabeleceu lá a partir do final dos anos 1940. Embora sua proximidade com o centro de Londres tenha atraído novos moradores, sua cultura artística vibrante expressa por meio de grafite, música, comida e várias formas de arte de rua foi a principal atração. Por meio disso, o mercado de aluguel disparou com a chegada de novos moradores, e a comunidade afro-caribenha diminuiu. De acordo com o Escritório de Estatísticas Nacionais, em apenas 20 anos (1991-2011), ela passou de 12,58% para 8% da população. Nesse contexto, o grafite em Brixton evoluiu como uma forma de protesto contra políticas do conselho que falharam em proteger os moradores locais.

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Grafite em Brixton, Londres. Imagem © Sabine Schwab

Andando pelo bairro, é possível ver exemplos vívidos de personagens caricatos imitando políticos, mensagens diretas sobre gentrificação, obras de arte com uma natureza "inacabada" e "bagunçada" nas fachadas de prédios e novas formas de vandalismo artístico nas ruas. Artistas usam as portas dos negócios fechados em Brixton como uma tela coberta de murais anti-gentrificação: retratando um esqueleto de terno carregando avisos de despejo, um logotipo da Starbucks com sangue escorrendo pelos olhos e boca, e outras mensagens poderosas celebrando a diversidade histórica da região. Através dessas obras de arte, a mensagem contra a gentrificação é divulgada, e empreendimentos futuros que alienam os moradores são combatidos.

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Grafite em Brixton, Londres. Imagem © Martha Love/Flickr

Esses exemplos demonstram que a relação entre grafite e gentrificação depende de como essa forma de arte é percebida. A maneira como a arte é criada e sua mensagem pretendida determinam se ela atua como agente de gentrificação ou como forma de protesto contra ela. O uso de mensagens diretas, formas de arte inacabadas, estilos bagunçados e vandalismo são maneiras pelas quais o grafite pode ser adaptado para lutar contra empreendimentos que expulsam os moradores locais. Algumas das principais cidades que protestam contra a gentrificação na Europa incluem Londres, Berlim, Nápoles e Marselha, entre muitas outras em todo o mundo. As explorações atuais do grafite como ferramenta para combater a gentrificação fornecem um ideia de como a forma de arte pode ser modificada para expressar seus ideais tradicionais de rebelião e ajudar as comunidades a protegerem seus bairros.

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Grafite em Brixton, Londres. Imagem © Fred Romero

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Sobre este autor
Cita: Yakubu, Paul. "Como alguns bairros estão usando o grafite para protestar contra a gentrificação" [How Neighborhoods Rely on Graffiti to Protest Gentrification] 10 Ago 2023. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1005009/como-alguns-bairros-estao-usando-o-grafite-para-protestar-contra-a-gentrificacao> ISSN 0719-8906

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