A modernidade e a globalização diminuíram as distâncias entre lugares, alteraram as formas de se relacionar, aceleraram a troca de informações entre países, e, de certa maneira, fizeram o mundo conhecido para todo mundo. Mas a verdade é que “todo mundo” é muita gente, e a dupla modernidade-globalização trouxe consigo a evidente disparidade social e tecnológica, e países privilegiados acabaram protagonizando certos modos de lazer, cultura e consumo. A hegemonia de determinadas culturas acabou incutindo a ideia de que existe um jeito “certo” de se viver e construir cidades, e o desenvolvimento indômito tem custado aos biomas do planeta Terra.
Esse tema não é novidade, e a questão premente que se coloca para o campo da arquitetura é: existem meios de conciliar a urbanização com o meio ambiente? Soluções diversas se anunciam. O que parece o início da mudança de perspectiva é compreender a posição humana dentro de um todo: não existe a natureza externa ao humano, esse último é feito dela, e a atuação de um influencia no outro.
Além do pensamento sistêmico e circular – nos quais as coisas no mundo existem em relação –, o território se coloca como um fator imprescindível na redução de danos e sobrevivência de espécies diversas (incluindo humanos). Para Donna Haraway, a ideia de parentesco (kinship) deve ser assimilada e assumida a partir de agora, se a ideia for manter-se no planeta. O território aliado ao parentesco entre espécies é um dos aspectos da biodiversidade. Esse aspecto, especificamente, é um meio de conciliação entre urbe e ambiente.
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O chamado do Chthuluceno para a arquiteturaSe a metrópole carece de natureza, e a natureza carece de mais cuidado, parques urbanos podem fazer a mediação entre as partes, e funcionar como experimentações que competem à arquitetura e a todas as disciplinas que se relacionam com ela. A implementação de um parque urbano requer financiamento, trâmites legais e governamentais, rearranjos e relocações, que extrapolam em muito a mera inovação do projeto de arquitetura. Ora, se as disciplinas estruturadas pelo conhecimento humano fazem parentes, por que essa ideia ainda soa tão estranha à espécie em si?
Parques urbanos podem testar novas técnicas de aproveitamento de materiais ou formas mais sustentáveis de lidar com insumos hídricos, por exemplo. Podem ainda amenizar a transição costa-cidade, apresentar outras formas de ocupação e deslocamento na cidade para seus habitantes, ou requalificar áreas degradadas em bairros preteridos dentro da metrópole. Propostas bem-sucedidas reiteram as relações de agentes díspares em prol de espécies múltiplas. O ponto comum que evidencia a biodiversidade – entendida aqui como a associação território-parentesco – é o plantio de espécies nativas em condições climáticas adequadas, de maneira a retomar uma conjuntura autóctone e anterior à modernidade globalizada, sem que isso signifique negá-la.
Centro de Cultura Ambiental Chapultepec / ERREqERRE Arquitectura y Urbanismo + Taller ID
“O Centro de Cultura Ambiental contempla um Pavilhão cercado por um conjunto de Jardins com um desenho naturalista e uma perspectiva etnobotânica. Estes Jardins fazem referência aos diversos ecossistemas e paisagens naturais da Bacia do Vale do México (Florestas Temperadas, Prados, Zonas Úmidas e vegetação de Pedregal) e foram cuidadosamente integrados com a vegetação, topografia e equipamentos existentes em Chapultepec, otimizando e aumentando assim seu grande potencial enquanto uma floresta urbana.
Para a acessibilidade e o desfrute destes Jardins, uma série de Passeios Bioculturais foi incorporada ao projeto, o que melhora significativamente a conectividade dos pedestres nessa parte da Floresta. Os Passeios oferecem uma experiência imersiva na natureza e uma redescoberta educacional da importância dos elementos naturais dentro de uma floresta urbana, assim como nossa relação com eles, transcendendo sua funcionalidade meramente conectiva e estética.”
Køge South Harbor / SLA
“A vegetação da promenade é inspirada no prado de sal e na plantação costeira - que podem resistir ao sol, vento e sal - enquanto o projeto da natureza para as áreas comuns é inspirado nas bordas da floresta que você encontra ao longo da costa leste da Dinamarca. A mistura de plantas cria a composição, arbustos, árvores e áreas com gramados configuram rotas variadas e cheias de eventos entre espécies escolhidas para fornecer habitats para a vida selvagem e experiências sazonais. No geral, as plantas são robustas, de longa vida útil e requerem baixa manutenção.”
ARCA, jardim portátil / Takk + Mireia Luzárraga + Alejandro Muiño
“As cidades são o foco desse processo, devido principalmente à concentração de emissões de CO2, ao efeito das ilhas de calor e à escassa superfície de áreas verdes, cujas espécies são selecionadas muitas vezes com critérios meramente estéticos ou funcionais, provocando uma homogeneização das espécies urbanas e uma maior insegurança para os ecossistemas. […]
Assim, espécies capazes de absorver dez vezes mais CO2 do que o habitual, espécies silvestres comestíveis que abrem novas possibilidades em nossa soberania alimentar, ou ainda espécies capazes de convocar outros agentes por meio do estabelecimento de relações de mutualismo, comensalismo ou simbiose serão alguns dos convidados que se reunirão na instalação.”
Parque Red Ribbon / Turenscape
“O parque está localizado no rio Tanghe na margem urbana oriental de Qinhuangdao. As seguintes condições do local apresentam oportunidades e desafios para o projeto:
● Boas circunstâncias ecológicas: O local foi coberto por vegetações nativas, proporcionando habitats variados para diversas espécies;
● Mal cuidado e deserto: Localizado à beira de uma cidade de praia, o local era um depósito de lixo, com uma favela deserta e instalações de irrigação obsoletas, como valas e torres de água;
● Problemas em potencial de segurança e acessibilidade: Coberto com arbustos e gramíneas sem cuidado, o local era praticamente inacessível e, portanto, perigoso para as pessoas usarem;
● Exigências funcionais: Com a expansão urbana invadindo, o local foi usado pelas novas comunidades para recreação, incluindo a pesca, natação e corrida;
● Pressão do desenvolvimento: o corredor natural do rio, provavelmente seria substituído por diques de concreto e flores ornamentais.
O grande desafio do projeto foi o de preservar os habitats naturais ao longo do rio, ao mesmo tempo em que tinha a meta da criação de novas oportunidades de lazer e educação ambiental. O Red Ribbon foi concebido como um elemento vivo dentro de um ambiente de vegetação verde e água azul, curvando-se com o terreno. Ele integra um calçadão, iluminação e assentos. Feito de fibra de vidro, é iluminado por dentro, num vermelho brilhante à noite.”
Parque Central de Koper / Enota
“Devido à proximidade do mar, as zonas do programa são designadas com numerosos elementos de água. Uma lagoa, sistemas de irrigação, um gêiser, jatos de água parabólicos, cascatas e uma plataforma de água em combinação com os elementos urbanos variados encorajam o uso ativo do espaço e uma expansão da futura praia em direção ao interior do parque. […]
O layout inovador do parque da cidade é um novo e ótimo recurso para os cidadãos de Koper, pois permite o desenvolvimento de programas que a cidade atualmente não pode oferecer. O novo parque é uma atração e, com sua forma única e sua organização espacial, transcende uma regulação meramente funcional de parque. Ele representa um protótipo para o futuro desenho da área mais ampla, bem como a motivação para atitudes orientadas para o desenvolvimento em relação a outras partes do litoral esloveno, atualmente em estado de decadência.”
Parque Floresta Benjakitti / Arsomslip Community and Environmental Architect
“Com o clima de monções da Tailândia, inundações e secas são problemas significativos e constantes. Por isso, o projeto atua como uma grande ‘esponja’ que retém a água na estação chuvosa e libera água na estação seca com uma capacidade de 128.000 metros cúbicos. A água do canal Phai Sing To, localizado ao lado do terreno, que está contaminada pelo escoamento urbano e esgoto, é purificada com biorremediação utilizando plantas de áreas úmidas, produzindo 1.600 metros cúbicos de água limpa por dia. O terreno é plano e baixo, com uma elevação média de apenas 0,5 metros. Grande parte de sua extensão era originalmente zona de pântanos com níveis elevados de água subterrânea. O método tradicional tailandês de agricultura foi utilizado para manter as raízes das árvores mais altas e, assim, evitar inundações. Além disso, foram feitas valas para ajudar a drenar a água e os canais de irrigação.
Este projeto transformou o solo de superfície de argila dura em um habitat úmido e esponjoso, permitindo que uma rica comunidade de plantas nativas se estabelecesse com uma irrigação mínima. Foram plantadas 5600 mudas de 360 espécies, que vão de árvores indígenas raras da bacia central do rio a plantas de pequeno e médio porte que fornecem sombra para ajudar no crescimento das mudas. Todas as árvores existentes no terreno foram preservadas e integradas ao desenho do parque.”