O protesto é uma ferramenta poderosa para gerar mudanças e os espaços públicos sempre foram uma plataforma para o engajamento social nas sociedades. No dia 15 de setembro foi comemorado o Dia Internacional da Democracia e para celebrar a data examinamos a África, os protestos emergentes do último ano e como os cidadãos de vários países africanos contestam a justiça política, exigem melhores condições de vida aos governos e questionam a soberania de suas nações.
Com manifestações que vão desde grandes marchas organizadas até movimentos espontâneos menores, os habitantes desses países ocupam os espaços públicos de maneiras simbólicas e significativas para amplificar suas vozes. Esses espaços incluem praças públicas com significado cultural e histórico, edifícios políticos ou áreas de protesto improvisadas, como estradas e locais abertos. Por meio disso, as cidades africanas mostram como as pessoas tornam esses espaços seus e como o poder de sua confluência não pode ser ignorado ao revelar a essência democrática dos espaços públicos.
Espaços de significado histórico e cultural
Locais históricos e culturais, quando usados como espaços públicos, servem não apenas para unir as pessoas, mas também para fortalecer os valores que elas compartilham. Esses espaços têm significados poderosos para as comunidades circundantes, e suas histórias servem como âncoras para o engajamento social e protestos.
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Espaços públicos: lugares de protesto, manifestação e engajamento socialUm exemplo primordial é a Praça Tahrir no Cairo, Egito. Localizada no centro comercial da cidade, com mais de 20 milhões de residentes vivendo a menos de 15 km do local, ela desempenhou um papel central em todas as transformações políticas do Cairo. Sua história como espaço público inclui o primeiro protesto contra a presença britânica no Egito e arquitetura colonial em 1946, o Grande Incêndio do Cairo em 1952 e muito mais, tornando-se um símbolo de liberdade e rebeldia para o povo egípcio. Esse senso de praça pública atrai os residentes da cidade para se envolverem ativamente com ela, trazendo questões à tona e ajudando a ampliar as manifestações. Mais recentemente, foi o local de eventos contra o governo e as revoluções da Primavera Árabe em 2011.
Outro exemplo é a Praça Jemaa el-Fna, um importante espaço cultural em Marrakesh, Marrocos. Uma praça triangular cercada por restaurantes, barracas de feiras e prédios públicos, proporcionando atividades comerciais diárias e um ponto de encontro para a população local. Desde o século XI, é um espaço que concentra tradições culturais populares marroquinas, realizadas por meio de expressões musicais, religiosas e artísticas. A herança do espaço possibilita uma troca cultural aberta e um local para abordar questões de maneiras únicas. O movimento de 20 de fevereiro em Marrakesh em 2011 foi uma manifestação na praça que exigiu reformas democráticas para combater o terrorismo, enquanto a conferência climática COP22 da ONU em 2016 viu jovens ativistas protestarem por meio da dança.
Locais de estruturas políticas
As estruturas governamentais são símbolos e instrumentos da vida política. Elas moldam a cultura e o espaço onde os governos são responsabilizados. Sua arquitetura, história e espaços públicos transmitem normas de governança e são lugares de atrito para que as pessoas participem das decisões governamentais.
A Assembleia Nacional em Niamey, Níger, é um exemplo importante. O prédio e sua praça foram construídos pelos franceses no início dos anos 1950 e foram o centro das reformas coloniais até o país conquistar a independência em 1960. É um prédio que desempenha um papel significativo em todas as decisões governamentais e desperta humor celebratório ou provocativo nos residentes da cidade. Recentemente, com o golpe no Níger, contínuas manifestações têm sido vistas na praça, elogiando a perspectiva de soberania do país e a diminuição da influência francesa.
A Praça da Independência de Bamako é outro espaço público no continente que reflete um significado político como âncora para protestos e engajamento. Ela inclui o Monumento Central da Independência e é cercado por prédios governamentais na capital. Foi construído em 1995 e tem sido um símbolo da independência do Mali. O significado político do espaço inspira o engajamento e proporciona uma atmosfera de liberdade e rebelião. Ao longo dos anos, tem sido um local de reação para os cidadãos malianos questionarem as decisões do governo. De forma semelhante ao Níger, recentemente sediou protestos que questionaram a soberania do país em relação à influência francesa.
Espaços improvisados de protesto
Muitas cidades africanas não possuem grandes praças públicas projetadas, então os residentes frequentemente recorrem a espaços improvisados ou temporários como plataformas para protestos e manifestações. Esses espaços incluem manifestações em grandes ruas da cidade, parques abertos, prédios públicos alternativos ou mercados comunitários. Os manifestantes escolhem esses espaços especificamente em relação aos ideais do protesto, ajudando a amplificar essas indagações na cidade.
Os protestos de 2020 contra o pedágio de Lekki EndSars em Lagos, Nigéria, servem como um exemplo importante. O pedágio serve como um ponto de ancoragem veicular e socioeconômico que conecta a parte principal da cidade à ilha. Com 30.000 carros passando por ele diariamente, os residentes que protestavam contra a brutalidade policial entenderam sua importância como um marco da cidade. Ao se reunirem no pedágio e obstruir o tráfego veicular, eles transformaram a infraestrutura projetada para o fluxo de veículos em um espaço improvisado de protesto. A nova forma de protesto incomodou a cidade e chamou a atenção do governo para a situação de seus residentes. Os protestos do pedágio de Lekki demonstram como as pessoas podem apropriar-se dos espaços públicos e se envolver em questões sociais de maneira democrática.
O protesto contra o regime de Omar al-Bashir em Cartum, Sudão, em 2019, é outro exemplo. Embora a cidade de Cartum tivesse áreas abertas culturais, como Al Saha Al Ghadraa, e prédios de significado político, como o parlamento em Omdurman, conflitos causados pelo regime militar levaram os residentes da cidade a procurar um novo espaço improvisado de protesto que simbolizasse sua causa. O protesto contou com uma marcha de milhares de pessoas até a sede do Exército Sudão dentro do complexo do Ministério da Defesa, seguida de um acampamento de vários dias no espaço público do complexo. Esse espaço improvisado foi uma escolha simbólica do povo o qual pedia ao exército que protegesse os cidadãos e colaborasse com eles para criar um governo de transição.
No entanto, os espaços públicos usados como locais de protesto não se limitam às três categorias mencionadas acima. A Praça Meskel em Adis Abeba, Etiópia, por exemplo, é um espaço religioso que tem um significado importante para a cidade e atrai residentes para o engajamento social e protestos. Outros espaços construídos, como estádios, escolas ou igrejas, também servem como locais para manifestações. Estes exemplos destacam a importância dos espaços públicos no crescimento das sociedades e no desenvolvimento da democracia. Desempenham um papel crucial como locais de intercâmbio, promovendo mudanças culturais e questionando ideais políticos. Embora os espaços públicos possam ser construídos para representar governos ou desenvolvidos culturalmente, a sua apropriação como locais de protesto também é determinada pela sua relação com os cidadãos.