Economia da biofilia: o sentido de projetar com a natureza

Este artigo foi originalmente publicado em Common Edge.

Um simples passeio no parque tranquilizará até mesmo o indivíduo mais tenso. Mas e quanto aos lugares onde as pessoas passam muito mais tempo, como escolas, escritórios e hospitais? Qual papel a arquitetura pode desempenhar na incorporação da natureza nesses ambientes? E qual o custo adicional disso? Bill Browning publicou um livro - The Economics of Biophilia: Why Designing With Nature in Mind Makes Financial Sense, 2nd Edition (escrito com Catie Ryan e Dakota Walker) - argumentando que o custo de trazer a natureza para ambientes construídos não é proibitivo, mas aditivo. Um estrategista ambiental com uma longa história em construção sustentável, Browning é um dos sócios (com os arquitetos Bob Fox e Rick Cook) da consultoria de design sustentável Terrapin Bright Green. Recentemente conversei com Browning sobre arquitetura biofílica – e, como ele foi membro fundador do conselho de administração do Green Building Council dos EUA, também sobre os pontos fortes e fracos do sistema de classificação LEED.

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BB: Bill Browning
MCP: Martin C. Pedersen


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MCP: Vejo a palavra “biofilia” tão difundida agora que corre o risco de perder o significado. Por que não começamos definindo o termo como você o entende?

BB: Eu costumo usar a definição de E.O. Wilson: “Biofilia é a afiliação emocional inata dos seres humanos a outros organismos vivos”. A pesquisa que nos interessa é como as experiências da natureza impactam as pessoas, psicológica e fisiologicamente. O design biofílico é o processo de traduzir isso para o ambiente construído.

MCP: O título do livro chamou minha atenção. O argumento econômico para a construção verde é bastante simples: desempenho energético. Qual é a métrica para a arquitetura biofílica?

BB: Depende do que você está medindo. Pode ser a permanência dos funcionários, a produtividade ou as taxas de aluguel de um escritório. Na educação, podem ser resultados de testes, taxas de graduação ou absenteísmo. No varejo, pode ser pressão por vendas, preços, permanência dos funcionários. Na área da saúde, é o tempo de cura do paciente e a permanência e rotatividade dos funcionários.

MCP: Como isso é vinculado cientificamente ao design biofílico?

BB: Tudo isso é baseado em estudos específicos. Um exemplo seria um estudo histórico realizado em uma central de atendimento - call center - do Distrito Municipal de Utilidades de Sacramento, em um edifício LEED Gold, com excelente qualidade de ar interno, boa iluminação natural e ventilação de deslocamento no piso elevado para que as pessoas pudessem controlar seu próprio fluxo de ar. No segundo andar havia uma vista para as árvores e um local de jogos. A empresa sabia quantas chamadas por hora as pessoas poderiam atender. Lisa Heshchong, que trabalhou para a Comissão de Energia da Califórnia focada em luz natural e produtividade, conduziu um experimento em que deslocou todas as mesas 11 graus fora da perpendicular. Isso fez com que os movimentos além da janela – um pássaro voando, as folhas esvoaçando, uma borboleta – fossem enquadrados na visão periférica, e o movimento na visão periférica chama nossa atenção mais rapidamente do que o movimento que acontece diretamente à nossa frente.

Sabemos que se você observar uma cena da natureza, mesmo por um curto período, o córtex pré-frontal se acalma, o cérebro gasta muito menos energia e, quando você retorna, você tem atenção e foco muito mais aguçados. Isso é chamado de Teoria da Restauração da Atenção. Quando olho para a tela do computador, meu olho está no foco visual próximo, então, todos os músculos do olho estão contraídos ao redor da lente. Você só pode fazer isso por um certo tempo até começar a sentir dor de cabeça. Se eu conseguir fazer com que você olhe para cima e para longe, para uma visão distante, particularmente para algo a mais de trinta metros de distância – esse é agora o foco visual infinito – todos os músculos do olho relaxam e o cristalino se achata. Essa visão distante da natureza acalma uma das partes do cérebro que consome mais energia e cria uma resposta de relaxamento físico que foi alcançada ao mover essas mesas ligeiramente fora da perpendicular. Ao fazer isso, se obteve um aumento de 6% na capacidade de movimentação dos funcionários, o que se traduziu em cerca de US$ 3.000 de retorno financeiro por mesa.

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Cortesia de The Economics of Biophilia

MCP: Muitas dessas mudanças são mais fáceis de serem implementadas em novas construções, mas veremos muita reutilização de edifícios existentes. Como o design biofílico pode contribuir para isso?

BB: Estávamos envolvidos em um estudo que analisava intervenções mínimas numa sala de aula de matemática do sexto ano em Baltimore. As intervenções envolveram papel de parede, carpete e persianas nas salas de aula. Todas essas medidas foram feitas usando padrões que eram formas biomórficas ou os chamados fractais estatísticos, que repetem padrões matemáticos os quais ocorrem com frequência na natureza. Quando os vemos em objetos, percebemos uma queda quase instantânea no estresse porque o cérebro está muito acostumado a vê-los na natureza. Foi um estudo de um ano que analisou os resultados de aprendizagem de 125 alunos em comparação com 122 alunos na mesma sala de aula, com o mesmo professor, ensinando o mesmo currículo no ano anterior, mas sem essas alterações espaciais. Vimos um aumento acentuado no desempenho acadêmico entre esses 125 alunos em sua progressão de aprendizagem ao longo do ano.

Também fizemos quatro meses de testes biométricos, nesse caso em uma configuração diferente envolvendo cerca de 20 alunos em cada sala experimental. No início da tarde, medimos a variabilidade da frequência cardíaca, que é um bom indicador das características de recuperação do estresse. Fazíamos as medições três vezes por semana: segunda, quarta e sexta, no início e no final da aula. Na sala de aula padrão, vimos poucas mudanças nos resultados, mas na sala de aula biofílica, [houve] uma recuperação significativa do estresse e a resposta melhorou com o tempo.

Estamos acompanhando outro experimento que ainda não foi publicado, analisando uma sala de descanso biofílica para funcionários do Hospital Mount Sinai no meio da crise de COVID-19 na cidade de Nova York. Foi uma experiência de imersão biofílica de 15 minutos criada pelo Studio Elsewhere. A equipe de neurociências do Mount Sinai mediu os resultados dos funcionários do hospital que utilizaram esta sala de descanso e descobriu que, com o tempo, a sua capacidade em lidar com o estresse e a sua capacidade de recuperação melhoraram.

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Cortesia de Studio Elsewhere | Sala de descompressão no Hospital Mt Sinai

MCP: O que foi feito explicitamente nessa sala de descanso?

BB: Foram posicionados alguns assentos confortáveis que abraçavam o usuário e criavam o que chamamos de experiência de refúgio. Havia algumas plantas no espaço e uma grande tela que exibia um vídeo de natureza com duração de 15 minutos. As pessoas sentavam naquele espaço e assistiam ao vídeo.

MCP: Essa sala de descanso ainda está em funcionamento hoje?

BB: Elas estão presentes agora em mais de 60 hospitais em todo o país. Os artigos sobre o estudo ainda estão em revisão por pares, mas sabemos que definitivamente ajudou nos índices de estresse e também na permanência dos funcionários, uma das maiores despesas da saúde.

Todo um movimento surgiu de um dos primeiros estudos sobre biofilia feito no início dos anos 1980 por Roger Ulrich na Texas A&M University. Ele examinou pacientes em recuperação de cirurgia da vesícula biliar. Havia uma enfermaria onde metade dos quartos dos pacientes estava voltada para uma parede de tijolos. A outra metade voltava-se para um pequeno grupo de árvores e arbustos. Eles examinaram centenas de pacientes e finalmente encontraram 78 que estavam alinhados em relação aos dados demográficos e até mesmo à percepção sobre a cor da pintura do quarto. A única variável era a vista da cama. Os pacientes que tinham vista para as árvores e arbustos saíram do hospital quase um dia antes dos pacientes que viam a parede de tijolos, tomaram menos analgésicos e fizeram muito menos ligações para a enfermagem.

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© B.J. Lee | Ng Ten Fong General Hospital,uma unidade de saúde pública em Singapura, projetada por HOK

Esse estudo ajudou a lançar o movimento dos “jardins de cura”. Os jardins de cura destinavam-se aos pacientes, mas os hospitais descobriram que também eram incrivelmente benéficos para os funcionários. Em Singapura, no Ng Teng Fong, um hospital urbano de grande altura projetado pela HOK, com CPG Consultants e Studio 505, eles queriam imergir cada paciente na natureza. Os pacientes, quatro a seis por enfermaria, ficam em quartos com ventilação e luz natural. Cada enfermaria tem formato de leque, de modo que há uma janela vertical na cabeceira de cada cama, com vista para os jardins panorâmicos que sobem na fachada do prédio por 20 andares. Há também uma área de jardim separada na cobertura e elementos relacionados à água para a equipe do hospital.

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© B.J. Lee | Ng Ten Fong General Hospital,uma unidade de saúde pública em Singapura, projetada por HOK

MCP: Os benefícios da biofilia para a saúde parecem aparentes. Quais são os benefícios planetários mais consideráveis?

BB: Um de nossos patrocinadores proeminentes no apoio a grande parte de nossas pesquisas ao longo dos anos tem sido o Google. Mary Davidge, ex-diretora de projeto do campus, disse que uma das coisas que ela esperava alcançar com esses elementos de design biofílico nos escritórios do Google e no design do campus — além de ajudar na forma como as pessoas se sentiam, aliviar o estresse e melhorar o desempenho cognitivo — era melhorar suas experiências com o meio ambiente e ajudar a aumentar sua consciência ambiental. Não temos medições sólidas sobre isso, mas temos algumas indicações de que as experiências biofílicas fazem as pessoas apreciarem ainda mais a natureza viva e real.

MCP: Você está envolvido com edifícios sustentáveis e com o USGBC desde que existe. Em que momento se encontra atualmente a certificação LEED?

BB: LEED está migrando para a versão 5 e aprimorando ainda mais o desempenho energético, mas também analisando o carbono incorporado e os materiais. À medida que os edifícios se tornam mais eficientes, as medições começam a mudar das implicações operacionais para a quantidade de carbono necessária para construí-los. Na versão 4, há créditos em torno da biofilia. Na verdade, fomos abordados por várias pessoas que nos perguntaram: Por que vocês não fazem um sistema de classificação relacionado à biofilia? A nossa resposta foi que a biofilia é agora um componente de vários sistemas de classificação importantes.

MCP: Os sistemas de classificação são mesmo o caminho a seguir agora? Eu os considerava há 25 anos, mas parece que agora deve haver uma maneira diferente de fazer isso.

BB: O valor do sistema não é a classificação em si. Seu valor está no rigor de passar por isso e garantir que você realmente implemente o que projetou. Anos atrás, fizemos um estudo para a Marinha dos EUA, onde analisamos vários edifícios construídos de acordo com a certificação LEED e, em seguida, vários outros edifícios certificados pelo LEED. Encontramos uma diferença marcante no nível de desempenho entre aqueles que foram certificados e aqueles que não foram. Então, para nós o valor não é a placa. O valor é o processo de garantir que você alcance o que projetou.

MCP: A placa não faz sentido em lugares da Califórnia, onde você pode obter a certificação LEED simplesmente seguindo o código.

BB: Certo, mas eu diria que os sistemas de classificação ajudaram a mudar os códigos. Parte do trabalho que estamos fazendo agora vai além de qualquer sistema de classificação. Estamos trabalhando com o Google e a Interface, empresa de carpetes, explorando métricas de desempenho com base nos serviços ecossistêmicos.

MCP: O que isso significa?

BB: Fazendo a pergunta biomimética: o que a natureza estaria fazendo aqui? Se houvesse um ecossistema funcional no local, como seria lidar com o carbono? Se for um ecossistema sequestrador de carbono, quanto dele é sequestrado, por m2 por ano? Como o local está lidando com a água? Qual é a taxa de transpiração evaporativa? Como está lidando com infiltração e escoamento? Como está a ciclagem de nutrientes? Quais são as contagens de biodiversidade? Todas essas são coisas que podemos medir e depois perguntar: como podemos replicá-las em nosso edifício?

MCP: Então, isso está além das métricas do Living Building?

BB: Sim. O Living Building tem como objetivo levar a zero emissões líquidas, o que é importante, mas queremos dar um passo além disso. Como diz a bióloga Janine Benyus: “A natureza não zera”, e por isso, queremos ir além do zero.

Este artigo é parte dos Temas do ArchDaily: Natureza e ambiente construído. Mensalmente, exploramos um tema em profundidade através de artigos, entrevistas, notícias e projetos de arquitetura. Convidamos você a conhecer mais sobre os temas do ArchDaily. E, como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossas leitoras e leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

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Sobre este autor
Cita: Pedersen, Martin . "Economia da biofilia: o sentido de projetar com a natureza" [Making the Economic Case for Biophilic Design] 05 Nov 2023. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1008269/economia-da-biofilia-o-sentido-de-projetar-com-a-natureza> ISSN 0719-8906

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