A casa é constantemente associada a um espaço sagrado, um lugar que acolhe e respeita diferentes sentimentos e sensações. Assim como Bachelard afirma, ela é o nosso refúgio no mundo, nosso primeiro universo, um cosmos real em cada acepção da palavra. Uma simbologia complexa a qual faz dela um espaço que não pode ser definido apenas pelos aspectos funcionais, como número de quartos ou tamanho dos banheiros. Nas entrelinhas das suas paredes, universos inteiros são acomodados.
O conceito de casa como espaço sagrado está enraizado em várias crenças culturais, espirituais e pessoais. Em alguns exemplos, entretanto, podemos perceber a vocação sagrada da casa ainda mais explícita, incluindo em seu programa de necessidades espaços especialmente destinados a momentos de culto e adoração. Muito comuns em países com a maioria religiosa budista ou muçulmana, como Vietnã e Indonésia, as salas de oração dentro das casas são locais tradicionalmente incorporados na arquitetura, possibilitando a criação de um refúgio tranquilo em meio a agitada dinâmica familiar moderna.
Quando se imagina espaços de culto, na maioria das vezes, vem à mente locais marcados pela manipulação da luz e da sombra, geralmente amplos e em contato direto com espaços externos ou elementos naturais. Nas casas, entretanto, esses lugares costumam ser mais discretos, inseridos delicadamente em meio às atividades residenciais cotidianas. Na lógica doméstica, as salas de oração podem ocupar tanto um quarto devidamente separado do restante da casa quanto ambientes mais híbridos, como um mezanino. De qualquer forma, independente do grau de privacidade, são lugares arejados, geralmente conectados com o exterior, por meio de portas ou janelas, e com poucos móveis.
Em se tratando especificamente das casas tradicionais vietnamitas, pela necessidade de acomodar diferentes gerações em um mesmo local, a tarefa arquitetônica se torna rica e complexa ao mesmo tempo. No caso da Quang Nam, por exemplo, o entendimento de uma casa para quatro gerações fez com que o programa residencial usual fosse expandido, abrigando não apenas a tradicional sala de culto, mas um espaço que pode acolher diferentes celebrações, desde cerimônias de nascimento, aniversários de falecimento e até funerais.
Já na Casa de Encontro, a dinâmica é diferente, com a peregrinação iniciando ao subir os vários lances de escada que levam até o espaço de adoração. Esta sala, localizada no terceiro pavimento, configura-se com um retiro de oração familiar, possuindo uma janela com vista para a igreja e um terraço com árvores que favorece a sensação de acolhimento e relaxamento. Além disso, vale ressaltar o uso da iluminação natural, um artifício projetual frequentemente presente nos espaços de culto justamente por seu caráter dinâmico que enfatiza a conexão com que o pode ser considerado divino.
Ao analisarmos diversas casas com espaços de oração, percebe-se que a grande maioria acomoda essa função em ambientes amplos e abertos como o mezanino. A Casa Tole é um exemplo disso quando apresenta a sala de oração conectada diretamente aos vazios repletos de plantas que envolvem o lugar, assim como na Casa Minimalista e na Casa Cao Xanh que, apesar da grande diferença em termos de linguagem estética e material, a sala de oração também foi posicionada no mezanino. Estratégia semelhante foi utilizada também na Casa Nhà Bè, onde a sala de adoração está situada no espaço intersticial da inclinação do telhado, voltada não apenas para o vazio central da casa, mas também para a vista da rua.
Na contramão dos exemplos anteriormente citados, vale comentar sobre a Casa nas Árvores que aproveita sua forma alongada e o empilhamento de cômodos para reservar uma sala generosa especialmente dedicada ao momento de culto da família, com uma ampla abertura para o exterior.
Quando se fala em espaços sagrados, entretanto, é importante lembrar que se trata de uma concepção profundamente pessoal. Dentro de casa, todos nós temos nossos próprios rituais, uma série de atividades que são importantes para o nosso dia-a-dia. Por isso, nem sempre os espaços de culto estão relacionados diretamente à uma religião em específico. A busca por respostas, autocuidado ou a conexão com algo maior pode se dar em diferentes momentos, abarcando diferentes possibilidades. Seja em um espaço reservado para ouvir música, em uma biblioteca com um canto aconchegante para leitura, em um terraço para se contemplar as estrelas ou em um jardim para se conectar com a natureza.
Para além da atividade exercida ou seu peso simbólico e ritualístico dentro de um programa residencial, entender a complexidade da vida desenrolada em uma casa significa estar atento a diferentes apropriações que poderão tê-la como palco. Nesse sentido, faz parte do papel da arquitetura criar ambientes seguros para que seus usuários se expressem e se reconheçam como indivíduos dentro da sociedade, independente da regra que rege seu cosmos particular.