Casas intergeracionais: diferentes necessidades sob um mesmo teto

Projetar uma casa é sempre um grande desafio. O domínio técnico e construtivo deve estar alinhado com as expectativas do seu futuro morador, abraçando gentilmente sua rotina e tarefas diárias. Dessa forma, mapear as necessidades e rituais que terão a casa como palco é fundamental para o êxito da tarefa. Na profusão de personalidades, de preferências e de manias, a arquitetura residencial precisa mediar as intenções e acolher as diversidades.

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Quando se trata das casas construídas para abrigar diferentes gerações em um mesmo teto, esse desafio se torna ainda mais complexo. A diferença geracional impacta não apenas na forma como compreender e lidar com mundo, mas também na experiência física do espaço. Nesses casos, a arquitetura parece carregar duplos sentidos, ela precisa acolher as individualidades de cada membro ao mesmo tempo que preza pela boa convivência entre todos.

Embora em alguns países as casas multigeracionais não sejam tão comuns, em lugares como a Índia, Coreia ou China, por exemplo, o teto compartilhado com diferentes membros da família é uma tradição cultural. Assim como foi abordado neste artigo sobre as casas intergeracionais na Índia, o sistema de família conjunta oferecia proteção e identidade na sociedade, permitindo conexões mais profundas entre as gerações. A tradição, neste caso, apresentava suporte em tempos de crise e interação social entre diversos grupos de pessoas. Hoje em dia, no entanto, como antídoto para o aumento dos preços das casas e o custo dos cuidados com crianças e idosos, a vida multigeracional permanece relevante para o indiano moderno.

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Never-Apart-ment / Spacefiction Studio. © Monika Sathe Photography

Mas isso tem ocorrido não apenas na Índia. Seja por questões financeiras ou escassez habitacional, cada vez mais nota-se famílias se adaptando e convivendo com diferentes gerações em um mesmo lar. Segundo a WGSN, empresa especializada em pesquisas de mercado, os Estados Unidos surpreenderam com um aumento de 7% em 2011 para 26% em 2021 no número de moradias multigeracionais. Já o Reino Unido prevê que 17% de seus lares serão multigeracionais até 2040.

No âmbito arquitetônico devemos estar, portanto, preparados para lidar com desafio multigeracional que implica não apenas diferentes tipologias – verticais, em volumes separados etc. – como apresentado neste artigo, mas também outros aspectos que envolvem materialidade, espacialidade e identificação.

Uma casa multigeracional deve ser capaz de acolher diferentes estilos de vida e características pessoais oferecendo mecanismos para que cada morador possa interagir com o espaço e personalizá-lo a sua maneira, nesse sentido, a Casa Três Gerações é um exemplo interessante. Nela, os dois núcleos familiares são separados fisicamente, o casal mais jovem tem seu apartamento e escritório acomodados no térreo, em conexão com o jardim para as crianças, enquanto os avós ocupam o nível superior, acessado pelo elevador e sem desníveis. Apesar das características materiais e espaciais internas se repetirem nas duas casas, as varandas presentes em todos os níveis ganham protagonismo como espaços personalizáveis que recebem as características individuais de cada casal.

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Casa Três Gerações / BETA office for architecture and the city. © Ossip van Duivenbode

Ainda sobre o esforço de gerar identidade e apropriação nos diferentes espaços, vale citar a Casa Vikki que nos apresenta uma resolução agradável, e às vezes até lúdica, na escolha das matérias-primas "inacabadas", as quais permitem aos habitantes flexibilidade e oportunidades para se expressar.

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Casa Vikki / Curious Practice. © Katherine Lu
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Casa Vikki / Curious Practice. © Katherine Lu

Falando sobre materialidade, este é outro quesito que deve ser levado em consideração no momento de projetar uma casa para várias gerações. Tendo em vista as diferentes perspectivas de uso do espaço, a priorização por materiais duráveis e atemporais é fundamental. Nesse sentido, o uso de matérias primas naturais, como madeira e pedra, se mostra uma boa solução. A Casa Yarrbat é um exemplo interessante pois, além dos materiais naturais refletirem o entorno vivo, uma paleta neutra em toda a casa permite que as vistas emolduradas das estações mudem para atuar como obras de arte, evoluindo ao longo dos anos com a casa e seus habitantes.

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Residência Yarrbat / K2LD Architects. © Jeremy Wright

Seguindo essa linha, na Casa Multigeracional os arquitetos também optaram por utilizar materiais atemporais como a madeira aparente, com isso, uma malha circunferencial feita de abeto natural garante a composição uniforme e a presença estética intacta da arquitetura por várias gerações.

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Casa multigeracional / MWArchitekten. © Adolf Bereuter

Por fim, mas não menos importante, estão os espaços de encontro e conexão. Segundo a WGSN, como parte da pesquisa citada anteriormente, 4 em cada 5 pessoas entrevistadas afirmaram que a experiência de morar com gerações diversas é positiva de um modo geral e um grande ponto a favor disso, sem dúvida, são os momentos de encontro e conexão. Ao mesmo tempo em que a arquitetura deve preservar a privacidade e individualidade de cada morador, ela também precisa estimular momentos em conjunto.

Na casa Stairway, por exemplo, o casal mais idoso foi acomodado no primeiro andar e o mais jovem e seu filho no segundo e terceiro. Entretanto, para evitar que as duas famílias estivessem completamente segradadas entre a parte superior e inferior, foi projetada uma estrutura “em forma de escada” no pátio sul, percorrendo do primeiro ao terceiro nível e oferecendo espaços de encontro e socialização entre eles.

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Residência Stairway / nendo. © Takumi Ota

Houve também o desejo de criar uma forte ligação visual entre as diferentes unidades para facilitar a conexão familiar na Stacked House. Nela, múltiplas varandas, pátios e passarelas conectam esses espaços de convivência, criando um escalonamento característico das placas de piso que articulam o pátio interno e favorecem o encontro entre os núcleos familiares.

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Stacked House / Studio Lotus. © Andre J Fanthome

O pátio, como visto no exemplo acima e citado neste artigo, é um artificio recorrente para criação de ambientes que possibilitam encontros e trocas nas casas intergeracionais. A Casa Never-Apart-ment, por exemplo, também oferece grandes pátios abertos, de natureza dupla, que criam conectividade entre os níveis, evitando o isolamento social da família. Assim como a Casa no 46 que possui um pátio aberto no primeiro andar funcionando como uma extensão da área de estar, servindo de ligação visual entre os pisos ao mesmo tempo que permite a regulação climática de toda a casa, garantindo um fluxo constante de ar fresco, principalmente nos verões quentes.

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Never-Apart-ment / Spacefiction Studio. © Monika Sathe Photography
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House on 46 / Kumar La Noce. © Vivek Muthuramalingam

Possibilitar a personalização dos espaços, escolher materiais atemporais e resistentes ou favorecer os ambientes de encontro dentro das casas intergeracionais, são algumas das estratégias sensíveis que podem ser aplicadas à arquitetura a fim de mediar as diferentes expectativas dos moradores e enfatizar os bons momentos compartilhados em família.

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Sobre este autor
Cita: Camilla Ghisleni. "Casas intergeracionais: diferentes necessidades sob um mesmo teto" 10 Dez 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1009824/casas-intergeracionais-diferentes-necessidades-sob-um-mesmo-teto> ISSN 0719-8906

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