Dentro de uma cidade, existem preocupações múltiplas quando se trata de moradia: a localização, distâncias em relação a serviços básicos, mobilidade, acesso a iluminação natural, a vista, o nível de ruído. São pontos importantes – ainda mais em áreas adensadas –, mas que normalmente dizem respeito a apartamentos em edificações em altura. Quando se trata de uma casa, parte dessa lista acaba “resolvida” apenas pelo programa. Subentende-se que uma residência unifamiliar é mais afastada de centros movimentados (o que pressupõe maiores deslocamentos a serviços), que a iluminação natural é farta a depender da relação entre área construída e terreno, e que o ruído é diminuído, já que, em geral, áreas residenciais não estão inseridas em contextos urbanos agitados.
Ainda assim, existe a possibilidade de que essas premissas não estejam dadas. Tudo depende da cidade e seu contexto específico. No caso do ruído, geralmente a prevenção é focada em barrar o som externo à edificação de entrar nos ambientes, mas a dissipação sonora de dentro para fora é igualmente uma inquietação. Em edifícios verticais, a influência do som entre apartamentos costuma ser uma vantagem ou desvantagem para muitos moradores. Numa casa, essa questão também é colocada, embora com menor frequência. Contudo, não se deve esquecer que salas de TV muito equipadas, ou estilo de vida podem incomodar casas vizinhas, ou até mesmo moradores de uma mesma residência.
Existem minúcias da propagação sonora que podem ser atenuadas em alguns contextos, portanto, é importante diferenciar os materiais e suas propriedades em relação ao som para que cumpram o desempenho esperado. Se se trata de isolamento acústico – barrando a propagação do som –, trata-se de volume de massa e mais densidade. Entretanto, além da não propagação sonora, o que se espera de um ambiente é que o som tampouco reverbere de maneira a atrapalhar a atividade exercida nele, ou seja, trata-se também da absorção adequada. Isso significa menos densidade e volume. Para um desempenho acústico excelente e controlado, o projeto de arquitetura deve estar associado a um bom projeto de engenharia acústica. Em outros casos, é ideal que profissionais de arquitetura tenham alguma noção técnica de como conseguir o resultado acústico que se espera dos ambientes.
Reformas ou construções residenciais talvez não tenham a demanda do controle acústico fino de uma casa de espetáculos, por exemplo. O que não quer dizer que não exigem alguns cuidados acústicos, e para isso, existem estratégias projetuais básicas que podem contribuir para o conforto sonoro dentro das casas, quer isoladas, em meio à cidade, ou entre cômodos. Antes de decidir os materiais isolantes ou absorventes, é preciso definir qual é o efeito sonoro desejado: diminuir o ruído ou maior propagação do som. A depender do conceito do projeto, a propagação sonora pode ser desejada. Por exemplo, a casa Butantã, de Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro, possui paredes que não tocam a laje, na intenção de que o som das áreas comuns da casa invadissem a área íntima e vice-versa. Em contextos mais convencionais, algumas escolhas de aplicação e material podem ser usadas para melhorar o conforto acústico em residências.
Madeira
O uso da madeira é predominante com finalidade (também) acústica. Afinal, é esteticamente agradável e facilmente encontrado no mercado da construção civil. Usada como forro, nos pisos ou revestimento de paredes, ajuda a absorver parte das ondas sonoras ao mesmo tempo que realça o efeito visual do ambiente. Painéis ripados ou com reentrâncias também podem diminuir a reflexão do som em relação ao mesmo material aplicado como uma superfície lisa. Caso a madeira não seja aplicada diretamente ao substrato, é possível se aproveitar do vão entre eles para inserir uma camada de lã de rocha ou outro material isolante, melhorando o desempenho acústico do ambiente.
Casa Unifamiliar em Bonlez / LRARCHITECTES
Casa para um Violoncelista / Unagru Architecture Urbanism
Residência Oxidada / OK PLAN ARCHITECTS
Casa perto de Demachiyanagi / atelier Luke
Cortiça
Derivada da madeira, a cortiça é obtida a partir da casca do sobreiro (Quercus suber), portanto, compartilha de suas propriedades termo-acústicas, e pode ser usada como revestimento ou enchimento. Por ser um material orgânico, apresenta-se como uma boa opção em termos ambientais. Todavia, o processo de extração da matéria-prima para sua produção ocorre em plantas de 25 a 30 anos, o que indica um tempo contrário à voracidade construtiva. De toda forma, a cortiça utilizada na construção pode vir de processos de reciclagem ou refugo do próprio material.
Casa no Castanheiro / João Mendes Ribeiro
Casa na Praia Grande / Atelier Data
Casa de Madeira, Palha e Cortiça / LCA architetti
Paredes espessas ou compostas
Parte do isolamento sonoro depende de vedações robustas o suficiente para impedir o “vazamento” de som. Paredes com grande massa e espessura, além da grande inércia térmica, impedem a propagação de ruído de um ambiente (ou edificação) a outro. Quer entre cômodos, quer entre uma residência e sua vizinhança, vedações densas ou compostas – chamadas sanduíche: uma combinação de duas chapas externas com o miolo em material isolante térmico, acústico ou ambos – barram a saída de ruído. Contudo, o isolamento não significa que a qualidade sonora está assegurada no ambiente em que o som se produz, portanto, é ideal que além de boas vedações, o tratamento sonoro seja adequado dentro do ambiente em questão.
Estúdio 4x4 / Teresa Mascaro
Casa de Campo / zaa
Casa gjG / BLAF Architecten
Coberturas compostas
Da mesma maneira que as vedações verticais, as coberturas podem ser forradas, tratadas ou associadas para que o desempenho acústico no ambiente seja melhor. As telhas sanduíche facilitam a aplicação porque é um produto industrializado, mas é possível combinar materiais para alcançar um efeito semelhante. Novamente, a madeira pode ser usada, ou é possível utilizar materiais isolantes entre o forro e a laje. A possibilidade de associação de materiais faz sentido quando se trata de processos que permitem autoconstrução, como no caso da cobertura Domotej, utilizada na casa Manancial.
Casa Mantiqueira / ARKITITO Arquitetura
Casa Lua Nova / Vivian Hunnicutt arquitetas e associadas
Casa Manancial / Apaloosa Estudio de Arquitectura y Diseño
As premissas básicas para melhorar o desempenho acústico de um projeto são diversas e podem ser combinadas e exploradas: entre materiais, técnicas, formato da construção. A noção básica da interação sonora com qualquer superfície é o início de um bom projeto acústico. O desenvolvimento dele vai responder às demandas do programa e do contexto, para o silêncio ou para o volume.