A intersecção entre inteligência artificial (IA) e planeamento urbano representa um grande potencial para a criação de cidades mais inteligentes, eficientes e sustentáveis. Trata-se da incorporação de tecnologias inovadoras que podem direcionar a tomada de decisões, otimizar a alocação de recursos, antecipar tendências, envolver os cidadãos, entre muitas outras. Nesse contexto em que se entende a IA como uma ferramenta para o desenvolvimento de diferentes aspectos urbanos, tem surgido uma proliferação de aplicativos, softwares e demais sistemas tecnológicos desenhados para auxiliar no planejamento urbano. Da morfologia ao envolvimento da comunidade, a seguir selecionamos alguns estudos e tecnologias que estão sendo aplicados ao redor do mundo.
Desenho e morfologia urbana
A máxima da “criatura que supera o criador” nunca esteve tão próxima da realidade do que quando se trata de desenho urbano e inteligência artificial. Recentemente, uma equipe de urbanistas e cientistas da Universidade de Tsinghua, na China, criou um sistema de planeamento urbano baseado em IA capaz de superar os urbanistas na criação de projetos. No seu estudo, publicado na revista Nature Computational Science, o grupo relata os fatores que foram utilizados na descrição do plano urbano ideal definido sob o conceito da “cidade de 15 minutos”. Os pesquisadores treinaram o sistema com projetos prévios elaborados por humanos, juntamente com fatores que se acredita serem boas características, como a inclusão de parques, ciclovias e locais de entretenimento. Ao testar o sistema em uma comunidade com quarteirões de malha 3x3, descobriram que os planos desenvolvidos pelo sistema eram tão bons ou até mais bem elaborados do que aqueles criados pelos especialistas, e tudo feito em uma fração de segundos.
Nessa mesma linha de pensamento, a empresa de tecnologia sediada em Singapura, Digital Blue Foam, criou o Urban Insights, uma ferramenta para prototipagem urbana rápida. Ela funciona absorvendo dados de várias fontes abertas e permite que equipes de projeto gerem cenários urbanos e comparem a qualidade de diferentes locais. A DBF colabora com especialistas como Carlos Moreno, o criador do conceito da "cidade de 15 minutos", e instituições como a Bern University of Applied Sciences para garantir uma análise rigorosa e científica dos projetos.
Utilizar a prototipagem urbana para estudar diferentes composições e estratégias, como o exemplo citado anteriormente, é – provavelmente - uma das aplicações mais promissoras da IA no planejamento urbano. Nesse sentido, é importante citar a tecnologia dos “gêmeos digitais”. Uma ferramenta de IA que consiste em três componentes principais: visualização, previsão e diagnóstico. Ela oferece uma oportunidade para que as modificações na paisagem urbana sejam simuladas e testadas digitalmente antes de serem postas em prática, podendo prever como as mudanças em uma estrutura podem afetar seu entorno. Em essência, é um método cuidadoso de planejamento urbano, reduzindo a estagnação e garantindo que a cidade continue evoluindo. Na “prática” alguns dos exemplos são a BuildMedia que está desenvolvendo um gêmeo digital de Wellington, Nova Zelândia, assim como a empresa chinesa 51World que criou um gêmeo digital da cidade de Xangai.
Resiliência e adaptação climática
A IA também pode ajudar as cidades a responderem aos impactos das alterações climáticas. A modelação preditiva, a avaliação de riscos e os sistemas de alerta precoce alimentados pela IA ajudam a melhorar a resiliência contra eventos climáticos extremos.
O Tree Canopy, anunciado pelo Google, por exemplo, é uma ferramenta que utiliza inteligência artificial para ajudar no planejamento urbano, reduzindo os efeitos das ondas de calor extremas. Ele está disponível dentro do Environmental Insights Explorer do Google e utiliza uma combinação de inteligência artificial com imagens aéreas de cidades. Isto permite que os governos tenham uma visão detalhada da cobertura florestal e planejem melhor onde plantar novas árvores.
Além desse aplicativo, vale citar os pesquisadores da IBM que desenvolveram um processo para identificar, mapear e medir com precisão a quantidade de carbono que as árvores em uma determinada zona podem armazenar. O estudo leva em consideração sua espécie, forma geométrica e volume de folhagem. Por exemplo, os pesquisadores puderam medir que as árvores de Manhattan estão retendo 52 mil toneladas de carbono, assim como identificar as características precisas da efetividade de certas espécies e onde certos tipos de árvore seriam mais benéficos, auxiliando na incorporação efetiva da vegetação dentro dos centros urbanos.
Planejamento de infraestrutura
O mapeamento aéreo, assim como visto no exemplo anterior, apresenta informações fundamentais para aprimorar diferentes aspectos urbanos, tornando-se uma ferramenta preciosa para a análise de dados.
Nesse sentido, em 2021, o Departamento Nacional de Planejamento (DNP) da Colômbia implementou um projeto piloto pioneiro que concilia o mapeamento aéreo com diagnóstico urbano para enfrentar o desafio dos assentamentos informais no país, o qual revelou que cerca de 85% das áreas identificadas pelos mapas dos algoritmos coincidiam com aquelas verificadas e delimitadas pelos especialistas locais. Esse alto índice de precisão foi suficiente para reconhecer e priorizar as áreas que requeriam políticas públicas para a melhoria dos espaços. Por meio dos resultados promissores do projeto inicial, criou-se o software chamado MAIIA (Mapeamento Automatizado de Assentamentos Informais com Inteligência Artificial). O MAIIA faz parte da Open Urban Planning Toolbox, um catálogo de ferramentas digitais de código aberto para o planejamento urbano. O objetivo é facilitar a detecção e mapeamento automatizado de assentamentos informais em diversas localidades, proporcionando soluções eficientes e acessíveis para os desafios habitacionais.
Envolvimento da comunidade
As ferramentas alimentadas por IA podem facilitar a comunicação entre os urbanistas e a comunidade. As aplicações de realidade virtual (VR) ou realidade aumentada (AR) podem ajudar os residentes a visualizar as mudanças propostas e fornecer feedback, promovendo um processo de planeamento mais participativo.
Com isso, vale citar as diferentes iniciativas que usam IA para aperfeiçoar o monitoramento e análise de dados oferecendo, por exemplo, auxílio em questões relacionadas a mobilidade como gerenciamento inteligente do tráfego, controle de semáforos ou monitoramento de câmeras. Há ainda aquelas que, utilizando também os dados alimentados pelos usuários, determinam rotas seguras e monitoram espaços públicos em busca de potenciais ameaças à segurança dos transeuntes. Nesse sentido, existem aplicativos focados na segurança urbana das mulheres que, por meio da inteligência artificial, recebem informações das próprias usuárias e sinalizam se determinada rota é considerada segura ou não.
Entre tantas nuances, entende-se que o planejamento urbano é um campo complexo e em constante mudança que requer uma consideração cuidadosa de vários fatores. Recentemente, o uso da inteligência artificial (IA) tem ganhado atenção como uma solução potencial para estes desafios. No entanto, vários obstáculos precisam de ser ultrapassados antes que a IA possa ser totalmente integrada ao planeamento urbano. Um grande desafio é a falta de dados. Para aplicar eficazmente a IA ao planeamento urbano, são necessários dados precisos e abrangentes sobre vários aspectos, como a densidade populacional, o fluxo de tráfego e a utilização do solo. Porém, a obtenção desses dados pode muitas vezes ser difícil devido a questões de privacidade ou a conjuntos de dados incompletos.
Mas, ao mesmo tempo em que IA lida com entraves relacionados à falta de dados, muito se tem discutido sobre o papel do cidadão, ou do “vendedor de dados não remunerado”, questionando um momento no qual contribuímos voluntariamente com informações para uma base de dados urbana que, muitas vezes, é monetizada por empresas privadas. De qualquer forma, entre acertos e contradições, não se pode negar que o potencial de contribuição da IA aliada ao planejamento urbano é enorme e deve ser cada vez mais explorado, desde que entenda a importância da colaboração de urbanistas, políticos, tecnólogos e da comunidade para garantir que as soluções de IA sejam implementadas de forma responsável e inclusiva.