Os Países Baixos são conhecidos internacionamente como uma nação que busca inovação em larga escala, desenvolvendo sistemas estatais para proteger suas terras e aprimorar a qualidade de vida de seus cidadãos. As propostas ousadas de arquitetos e urbanistas como Gerrit Rietveld, Piet Blom, Rem Koolhaas e o Office for Metropolitan Architecture (OMA) têm impacto global, desafiando as formas tradicionais de prática.
Ainda assim, o país enfrenta desafios tanto esperados quanto inesperados, desde uma grave escassez de habitação até a crescente preocupação em relação às alterações climáticas e à evolução das ideias sobre ecologia. Nas palavras da curadora Suzanne Mulder, o país está "mais uma vez na prancheta", à medida que arquitetos, urbanistas e designers retomam as conversas sobre o futuro, olhando para as lições do passado. Para auxiliá-los nesse processo, o Nieuwe Instituut de Roterdã está organizando a exposição "Projetando os Países Baixos: 100 anos de Futuros Passados e Presentes".
Com curadoria em colaboração com o Conselho de Assessores Governamentais, o evento abre o arquivo do instituto para apresentar importantes precedentes históricos e novas propostas de design. Organizada em torno de temas abrangentes, e não cronologicamente, a exposição busca contextualizar o desenvolvimento da arquitetura e do planejamento urbano, oferecendo inspiração para novas visões. A pesquisa e curadoria da exposição foram conduzidas por Dirk van den Heuvel, Suzanne Mulder, Setareh Noorani e Stefanie Korrel do Nieuwe Instituut, em colaboração com os conselheiros governamentais Saskia Naafs e Jafeth Hagoort.
Visões passadas do futuro dos Países Baixos
Devido às suas condições naturais únicas e às rigorosas restrições físicas, os Países Baixos dependem de sistemas de engenharia para regular questões como o controle da água e a agricultura. Consequentemente, essa dependência levou a uma maior confiança no poder de tais sistemas e à abertura para criar abordagens top-down para gerir todos os aspectos da vida. No início do século XX, os designers começaram a imaginar cenários para o futuro do país, respondendo a questões urgentes como as crises climáticas, habitacionais e energéticas.
Este estilo de planejamento fundamentou-se em instrumentos legislativos e financeiros top-down. A abordagem orientada para o longo prazo mostrou vantagens na proteção da paisagem, sensibilização dos cidadãos e facilitação na implementação de projetos de grande escala, de importância regional e supra-regional. Isso transformou os Países Baixos em um exemplo internacional de experimentação e pensamento sistêmico.
Os Países Baixos sempre se destacaram, na minha opinião, pela sua capacidade de experimentar novas ideias e de repensar pressupostos de uma forma quase destemida, porém rigorosa. Esse espírito ainda existe e, em muitos aspectos, tornou o país um campo de testes para o resto do mundo. - Aric Chen, Diretor Geral e Artístico, Nieuwe Instituut
No final do século XX, essa abordagem passou por uma mudança significativa. Embora tenha mantido a maioria das características da governança hierárquica, o planejamento espacial tornou-se mais sensível às dinâmicas sociais e começou a incluir a participação dos cidadãos durante a década de 1980. Gradualmente, a abordagem tornou-se mais descentralizada, depositando confiança em forças de mercado auto-reguladoras. Agora, os designers se inspiram em modelos anteriores, não para recriar sistemas top-down rígidos, mas para reimaginar plataformas que promovam um debate público eficiente.
Transformações e paisagens projetadas
Os Países Baixos são predominantemente um país engenheirado. Com mais de um quarto de sua superfície abaixo do nível do mar, sua relação com a paisagem natural e o cenário aquático tem sido marcada por negociações e confrontos. Para manter sua superfície terrestre, os holandeses contam com tecnologias antigas e modernas, como barragens, diques, diques e comportas, para impedir a entrada de água. À medida que as mudanças climáticas apresentam novos riscos, a relação entre as paisagens natural e urbana requer ajustes constantes. Projetos como o dique de 32 quilômetros em Afsluitdijk representam feitos emblemáticos da engenharia holandesa, protegendo comunidades inteiras contra inundações, mas também funcionam como uma barreira no ecossistema natural, dificultando a migração de peixes. Agora, debates sobre a possibilidade de renaturalização começam a desafiar a dependência de sistemas feitos pelo homem e centrados no homem, buscando provocar novas soluções.
Questões e políticas habitacionais
Nos últimos anos, a grave escassez de opções de habitação acessível tornou-se uma das questões mais urgentes enfrentadas pelos Países Baixos. As políticas governamentais resultaram na proliferação de contratos de aluguel temporário inadequados e ilegais, ao mesmo tempo em que deixaram a construção de habitação sujeita às forças do mercado. Isso, combinado com a venda de habitação social pelo governo, contribuiu para o aumento dos preços, deixando mais de 300.000 pessoas com dificuldades para encontrar um lugar para morar.
Os desafios que enfrentamos agora exigem olhar para o futuro. Não para pintar belas paisagens, mas para descobrir o que precisa ser feito agora. Os designers desempenham um papel crucial na previsão do futuro, e a mudança começa com a imaginação. Tudo o que pensamos, dizemos e fazemos influencia como será esse futuro. O que não podemos imaginar, não podemos realizar. - Francesco Veenstra, arquiteto-chefe do governo
No entanto, este nem sempre foi o caso. A habitação social tem uma história rica no país. No início do século XX, o Estado alterou sua postura e assumiu um papel mais ativo na questão da construção de moradias. Iniciando com a Lei de Habitação de 1901, o Estado proibiu habitações precárias e insalubres e incentivou a construção de aluguéis acessíveis em cooperação com o setor privado. Um sistema semi-público evoluiu a partir dessas condições, no qual associações habitacionais subsidiadas pelo Estado eram incentivadas a construir.
O interesse na qualidade de vida proporcionada pelo ambiente construído inspirou arquitetos e designers a experimentar com ideias emergentes do modernismo. Michel de Klerk, um dos pioneiros da Escola de Amsterdã e do modernismo inicial, destacou-se ao projetar casas para trabalhadores, como o conjunto "Het Schip". Ao longo das décadas, gerações de arquitetos continuaram focando na habitação, propondo desde soluções comedidas para reutilização de estruturas existentes até a adoção de modularidade, propostas futuristas e estudos sobre espaços urbanos de convivência. Entretanto, no final do século XX, a privatização das associações habitacionais e o enfraquecimento do foco no bem comum e políticas de habitação acessível levantaram questões sobre inclusividade e o equilíbrio entre forças de mercado, políticas governamentais e a necessidade de convivência comunitária.
Protesto e participação
Oferecendo uma contrapartida às vantagens de uma abordagem sistêmica ao planejamento espacial, as cidades podem ser compreendidas como estruturas abertas, complexas e incompletas. Conforme apontado por Saskia Sassen, essas qualidades, únicas nos ambientes urbanos, possibilitam que aqueles sem poder expressem sua presença e efetuem mudanças reais. O envolvimento público pode manifestar-se de várias formas, desde a participação direta ou concursos abertos até movimentos mais radicais.
Um exemplo dessa última categoria é o movimento de posseiros modernos. Iniciado na década de 1960, o movimento foi auto-organizado e autorregulado, seguindo protocolos específicos para ajudar aqueles que necessitavam de moradia a ocupar espaços não utilizados na cidade e negociar com a polícia e proprietários. Impulsionado por uma legislação relativamente flexível, rapidamente se transformou em uma atividade política em escala urbana. Embora a prática tenha sido criminalizada em 2010, ela continua de forma reduzida. Com a persistência da escassez habitacional, o movimento questiona as formas de utilização do espaço na cidade.
A partir do passado, a exposição pretende oferecer lições para um presente que parece ter perdido o rumo. É claro que não se trata de recriar o que aconteceu antes, mas sim de nos lembrar que não temos de depender tanto do mercado, como fazemos agora, para moldar as nossas vidas e paisagens. Na verdade, talvez a principal lição aqui seja que enfrentar os muitos desafios que enfrentamos requer uma abordagem de toda a sociedade que inclua o setor privado, sim, mas também um governo inclusivo que utilize uma gama de conhecimentos especializados, ao mesmo tempo que representa os interesses e as vozes dos cidadãos, bem como da natureza. - Aric Chen, Diretor Geral e Artístico, Nieuwe Instituut
Reunindo todas estas visões do passado e do presente, a exposição "Projetando os Países Baixos: 100 anos de Futuros Passados e Presentes" também celebra o 100º aniversário da Coleção Nacional de Arquitetura e Urbanismo Holandês, que é mantida e administrada pela Nieuwe Instituto. A coleção, que antecede o próprio instituto, reúne desenhos, maquetes e documentos de arquitetura e planejamento urbano de todas as regiões dos Países Baixos, representando um dos maiores arquivos de arquitetura do mundo. O Het Nieuwe Instituut gerencia o arquivo de aproximadamente 4,5 milhões de documentos e fornece acesso para pesquisadores, curadores, estudantes e escritores. Com sede em Rotterdã, o Nieuwe Instituut é o museu nacional e instituto de arquitetura, design e cultura digital dos Países Baixos.