Pavilhão do Brasil na Bienal de Artes de Veneza 2024: resistência e ressurgimento dos povos originários

Hãhãwpuá é o nome usado pelo povo indígena brasileiro Pataxó para se referir à terra, ao solo ou, mais precisamente, ao território que depois da colonização ficou conhecido como Brasil, mas que já teve e ainda tem muitos outros nomes. Dentro de todos esses “brasis”, o Brasil como terra indígena é o foco do pavilhão do país na Bienal de Artes de Veneza 2024, sendo renomeado, portanto, como Pavilhão Hãhãwpuá.

Por meio da exposição intitulada Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, com curadoria de Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana, o pavilhão traz a força e resistência dos povos indígenas brasileiros como elo central para a exposição. Seu nome deriva da instalação homônima da artista Glicéria Tupinambá, por meio da qual ela narra a sua missão de recuperar cultural e materialmente a tradição dos mantos Tupinambá que foram levados e hoje são expostos em diferentes museus europeus - ao todo existem espalhados pelo mundo 11 mantos. Não por coincidência, a exposição é realizada no ano em que um deles retorna ao Brasil depois de mais de três séculos na Europa.

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Curadores Denilson Baniwa, Arissana Pataxo e Gustavo Caboco Wapichana. Foto: CABREL Escritório de Imagem. Fundação Bienal de São Paulo

Ka’a Pûera ou “capoeira”, antes de ser popularmente conhecida pelo esporte, era uma palavra empregada no tupi para se referir às zonas de mata que foram derrubadas - pela ação humana ou natural - e estão em processo de auto regeneração (ka’a “mata” e pûer “que foi”). Além dessa definição, vale citar o significado da palavra para os povos Tupinambá, definida como uma ave que vive camuflada em florestas densas.

A complexidade e o peso etimológico do vocábulo já anunciam a potência do pavilhão brasileiro, trazendo à tona as estratégias dos povos originários para se defender, se camuflar e, por fim, ressurgir. Algo que o próprio povo Tupinambá sofreu quando foi erroneamente declarado como extinto em 2001. Hoje em dia, no entanto, sua resistência foi provada, conquistando direitos civis e atingindo espaços internacionais de fala como a Bienal de Veneza.

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Olinda Tupinambá. Equilíbrio, 2020. Video instalação composta por terra e sementes. Cortesia da artista

Por meio de obras como a Okará Assojaba, de Glicéria Tupinambá, o pavilhão Hãhãwpuá narra a história dos povos originários do Brasil, revelando a força presente nas retomadas de território e as adaptações frente às urgências climáticas. Nessa instalação, a artista apresenta um manto – como um corpo provocante - produzido de modo coletivo por sua família e comunidade, complementado por onze cartas escritas por Glicéria e enviadas aos museus que possuem esses mantos em seus acervos. A desafiadora tarefa expográfica da mostra está a cargo da arquiteta Juliana Godoy.

Como pássaros que andam sobre florestas ressurgidas, os povos originários que ganham voz no Pavilhão do Brasil celebram a visibilidade e o reconhecimento de sua história em um dos eventos de arte mais prestigiados do mundo, levantando um tema de profunda latência nos dias de hoje. Uma era na qual os impactos das mudanças climáticas trazem à tona discussões sobre a importância de dar voz aos que têm resistido, regenerado e protegido os nossos biomas durante séculos.

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Glicéria Tupinambá. Fundação Bienal de São Paulo

A Bienal, que acontecerá de 20 de abril a 24 de novembro, é histórica em diversos aspectos oferecendo, entretanto, um gosto a mais para o povo sul-americano pois é a primeira vez, em quase 130 anos, que foi escolhido um curador dessa região do globo, o brasileiro Adriano Pedrosa. Sob o tema Foreigners Everywhere (estrangeiros em todos os lugares), o curador abordará questões como desterritorialização, marginalização e violação de direitos.

Dando voz aos povos originários brasileiros, principalmente os litorâneos - primeiros a serem transformados em estrangeiros no seu próprio território - o Pavilhão do Brasil promete ser um dos destaques da Bienal de Artes, e oxalá, repetir os feitos do Pavilhão do país na Bienal de Arquitetura de Veneza do ano passado, que acumulou elogios, culminando no prestigiado Leão de Ouro.

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Vista externa do Pavilhão Brasil durante a 17a Mostra Internacional de Arquitetura deVeneza. 20/05/2021 © Riccardo Tosetto. Fundação Bienal de São Paulo

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Sobre este autor
Cita: Camilla Ghisleni. "Pavilhão do Brasil na Bienal de Artes de Veneza 2024: resistência e ressurgimento dos povos originários" 12 Fev 2024. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1013144/pavilhao-do-brasil-na-bienal-de-artes-de-veneza-2024-resistencia-e-ressurgimento-dos-povos-originarios> ISSN 0719-8906

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