A ideia de transformar água em terra tem fascinado a humanidade há séculos. Os Países Baixos, por exemplo, como um dos pioneiros no assunto, possuem cerca de 20% do território recuperado do mar ou de lagos utilizando os diques como métodos para estancar a água e secar as superfícies. O desenvolvimento tecnológico ao longo do tempo, no entanto, tem tornado essa prática cada vez mais popular. Hoje, a China é um dos países que lidera o ranking, assim como os centros urbanos no sul global, destacando cidades na África Ocidental, Leste Asiático e Oriente Médio.
Esses aterros megalomaníacos são criados principalmente em locais onde há uma costa bastante extensa, mas não há continente suficiente para satisfazer suas necessidades. Nesse sentido, os usos acomodados na nova área são os mais diversos, variando desde a criação de residenciais luxuosos até um arquipélago de entretenimento com hotéis, restaurantes, teatros e lojas.
Apesar dos ganhos no setor comercial e turístico serem muito significativos, a degradação ambiental dessa escala de intervenção está sendo constantemente colocada em pauta, com prejuízos que incluem desde a gentrificação, expulsão de comunidades nativas e anulação dos seus meios de subsistência, até a destruição de ecossistemas inteiros. Uma situação que tem guiado as cidades na busca por soluções menos agressivas para sua necessidade de expansão como o desenvolvimento do que hoje em dia é chamado “urbanismo aquático”. Nele, são integrando sistemas circulares e de desperdício zero, bem como, sistemas de água em circuito fechado, energia net-zero, mobilidade inovadora e regeneração dos habitats costeiros.
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O impacto dos aterros e do manejo da terra em cidades costeirasEnquanto a tecnologia avança na mesma proporção que a preocupação ambiental e as mudanças climáticas aumentam, aterros icônicos construídos nas últimas décadas são exemplos importantes os quais podem guiar estratégias do que fazer e, sobretudo, do que não fazer nas novas expansões terrestres sobre o mar. Tendo isso em mente, confira a seguir alguns exemplos mais marcantes.
Palm Jumeirah, Dubai
Falar sobre projetos de aterros megalomaníacos e não citar a “palmeira” de Dubai é impossível. Na lista das extravagâncias arquitetônicas da região dos Emirados Árabes, este projeto levou nove anos para ser construído, iniciando em 2001. Ao todo, sua área cobre 31 km2 incluindo o tronco principal, 17 ramificações e um muro em semicírculo com aberturas laterais. A extensão abriga residências luxuosas nas “folhas” e um hotel na extremidade do mar, tudo conectado por um trem de superfície gerando uma paisagem digna de um filme de ficção científica. O projeto custou aproximadamente US$ 12 bilhões e com a quantidade de pedra e areia usada nele seria possível erguer um muro de 2 metros que daria 3 voltas na Terra. Entre muitos impactos no ecossistema, o mais comentado é o quanto o projeto dificultou a circulação da água do mar, alterando o ecossistema marinho e gerando mau cheiro.
Eko Atlantic City, Nigéria
Ao que tudo indica, a Nigéria vai superar a África do Sul e se tornar a maior economia do continente graças ao petróleo. No entanto, o país enfrenta muitos problemas comuns em nossa era: aumento do nível do mar, ressacas e inundações devastadoras. Nesse contexto, a Eko Atlantic é um projeto multibilionário o qual promete proteger contra a erosão marinha. Com 10 km2, a ideia do projeto, que ainda está em construção, é oferecer habitação para 250 mil pessoas e emprego para mais de 150 mil distribuídos entre parques e outros serviços. O projeto avança repleto de críticas, com estudiosos afirmando que o paredão de quase 3km, apelidado de “Grande Muralha de Lagos“, servirá pra conter o avanço da água na mesma proporção em que segregará o espaço, gerando uma cidade fechada e financeiramente acessível que só irá “salvar “das inundações que mora nela.
Marina Bay, Singapura
O histórico de Singapura é marcado por inúmeras intervenções de expansão territorial as quais procuram lidar com um interessante paradoxo: dinheiro de sobra e país de menos. Por conta desse malabarismo tecnológico, ao todo, o país de atualmente 700 km2, já conseguiu aumentar 25% do seu território. Nele, há uma a política pública de "reclamação de terra", que faz a ilha avançar 40 cm por ano no mar, segundo jornalistas locais (o número é contestado pelo governo, que cita a média anual de 2 cm). Isso levou Indonésia e Malásia, os países mais afetados, a proibir temporariamente a importação de areia para Singapura. Dentro desse contexto polêmico, a Marina Bay, iniciada em 1969, é um ícone do país. Construída sobre um aterro de 3,6 km2 a região se tornou um dos principais destinos do país em termos de restaurantes, hotéis e atrações, materializando um investimento de S$ 4,5 bilhões. O ousado desenho urbano foi combinado com arquiteturas icônicas, como o Marina Bay Sands e maior piscina de borda infinita do mundo, elevada a 200 metros de altura, projetado por Safdie Architects. Vale ressaltar, no entanto, que os planos de aumento territorial sobre o mar ainda continuam.
Parque do Flamengo, Brasil
Inaugurado em 1965, na cidade do Rio de Janeiro, o popularmente conhecido Aterro do Flamengo, com 1,3km2, foi construído sobre o mar com material proveniente do desmonte de um morro próximo ao local. Tanto o parque quanto a intervenção no morro em questão faziam parte de um plano municipal para resolver o problema viário da cidade, evitando o alto custo das desapropriações necessárias para alargamento das principais vias da região. Sua construção marcou, portanto, a modernização carioca e representa até um hoje um interessante exemplo de aterro em grande escala que assume a vocação pública e cultural. Além das pistas que cruzam sua extensão, a área é marcada também por grandes massas vegetadas – projeto do paisagista Roberto Burle Marx - cortadas por passarelas curvas que levam até o mar. Entre elas, espalham-se edifícios culturais e equipamentos esportivos. Em 2012, o parque recebeu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade na categoria “Paisagem Cultural Urbana”, concedido pela UNESCO.