Permanecer temporariamente em um local ao ar livre, instalar-se de maneira provisória, assentar-se em um campo. As definições do verbo acampar presentes nos dicionários indicam duas características fundamentais para a prática: natureza e temporalidade. Na arquitetura, as tendas materializam essas qualidades configurando uma tipologia que atravessa séculos e culturas sendo, sobretudo, associada a precariedade e fragilidade.
Diante dessa constatação comum, no início dos anos 2000 surgiu a palavra glamping como uma junção entre camping e glamour, sugerindo aliar a prática do acampamento com comodidades luxuosas. No entanto, apesar da popularização, a ideia está longe de ser original. Nem sempre o ato de acampar foi entendido como o oposto do luxo.
Os mongóis, por exemplo, eram famosos por suas yurts. Passagens históricas contam que a tenda de Genghis Khan era tão grande e elaborada que foi montada sobre uma plataforma com rodas de 9 metros de diâmetro e puxada por uma carroça com 22 bois. Séculos depois, a própria família real britânica, ao participar de safaris de caça na Índia e na África, acampava em estruturas luxuosas que incluíam banheiros e móveis confortáveis, prática que deu origem ao mobiliário de campanha - também conhecido como mobiliário Bivouac, com design compacto e minimalista, sendo muitas vezes dobrável ou empilhável.
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Tendas: uma linguagem arquitetônicaNesse contexto, ressalta-se, contudo, que o glamping como vemos hoje em dia, apesar de não ser uma ideia nova, se diferencia em muitos aspectos dos acampamentos luxuosos de outrora. Trata-se de estruturas meticulosamente projetadas que priorizam a sustentabilidade, a estética e a experiência do usuário. Desde painéis solares a sistemas de coleta de águas pluviais, ou materiais naturais, estas estruturas são concebidas para ter uma pegada de carbono mínima, ressoando com o espírito de muitos glampers, que buscam uma experiência confortável, mas ambientalmente consciente.
Para ser fiel ao nome, o glamping contemporâneo ocorre principalmente em tendas, embora cúpulas ou estruturas cobertas de lona também sejam adequadas. A ideia original parte de elementos móveis, de fácil instalação e desmontagem, marcando a temporalidade e o nomadismo. Por isso, nesse caso, não se consideraria aqui outras estruturas como cápsulas, cabanas, casas na árvore que, apesar de oferecem uma inserção na natureza, definem-se como arquiteturas permanentes.
Nesse contexto, o SJCC Glamping Resort, localizado em uma área montanhosa a 200 km de Seul, Coreia do Sul, oferece três unidades para hospedagem chamadas "Mountain", "Cutent" e "Firefly", cada uma com planta e paleta de cores distintas. Apesar da sede do complexo ser uma arquitetura "permanente", as tendas são feitas de aço e cobertas com tecido resistente às intempéries e ao fogo. Essa tecnologia usa camadas duplas de tecido com isolamento que mantém as unidades sustentáveis e viáveis em um local onde as temperaturas podem variar de 20 graus negativos a 40 graus. O projeto está sendo, inclusive, analisado como protótipo para estruturas que atendam à crescente necessidade global de unidades habitacionais de baixo custo e rápida construção.
Já o Glamping for Glampers, também na Coreia do Sul, oferece duas tipologias de tendas inseridas na natureza envoltas por uma membrana com proteção UV, à prova d'água e resistente ao fogo. Os móveis do seu interior, possivelmente inspirados no mobiliário Bivouac, são dobráveis e transformam-se em sofá durante o dia ou cama à noite.
O complexo Glamping on the Rock segue essa tendência e traz, além das cabanas convencionais, tendas inseridas com a mínima alteração na natureza. O conceito básico de "Rock Flower" foi inspirado nas rochas do local e os volumes foram criados a partir de uma membrana translúcida que se torna uma lanterna em meio a natureza durante à noite.
Especialmente após a pandemia de COVID-19, dentro de determinadas classes, a procura por refúgios isolados na natureza cresceu exponencialmente e, para aqueles que preferem se esquivar da responsabilidade e do trabalho de montar sua própria tenda, as estruturas glamping oferecem o mesmo isolamento e contato com a natureza, mas são gerenciadas por uma equipe hoteleira.
Há quem diga, no entanto, que o glamping comercializa a experiência de acampar e elimina a conexão autêntica com a natureza, que enquanto o acampamento tradicional enfatiza a autossuficiência e o minimalismo, o glamping ressalta a conveniência e desvia o foco desses valores fundamentais do camping. De qualquer forma, independente das controvérsias que o termo carrega, a arquitetura dos acampamentos "glamourizados" deve se preocupar, acima de tudo, com o impacto ambiental de suas estruturas. Dados do recentemente divulgado Relatório sobre o Estado da Indústria do Glamping Americas 2023 revelam que 73% dos complexos estão localizados perto de algum tipo de recurso ou atração natural, enquanto 51% estão perto de parques estaduais, 33% perto de parques nacionais e 16% perto de praias. Números que validam a ideia da conexão com a natureza ao mesmo tempo em que alertam para o cuidado ambiental, já que, sem devido planejamento, essas estruturas levariam à perturbação do habitat e à degradação ecológica.
Com consciência ambiental, a arquitetura glamping pode oferecer experiências marcantes que incitam, inclusive, a responsabilidade ecológica nos próprios visitantes. O desafio imposto é equilibrar o luxo com a sustentabilidade, o respeito pelas culturas locais e a acessibilidade, para garantir que o glamping possa ser desfrutado sem comprometer a integridade dos ambientes naturais e os valores tradicionais do campismo.
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