Na arquitetura moderna, a promenade architecturale destacou-se como uma estratégia projetual essencial para concretizar os princípios de funcionalidade, estética e integração ao contexto urbano. Projetos icônicos de Le Corbusier, como a Villa Savoye (1929), ilustram esse conceito ao guiar o visitante por um percurso ascendente que culmina na contemplação do terraço-jardim, um espaço aberto onde a edificação dialoga harmoniosamente com a natureza. Passados cem anos, o conceito continua influenciando projetos contemporâneos, explorando a relação entre movimento e espaço em diferentes tipologias arquitetônicas como casas, museus, bibliotecas e parques.
Le Corbusier defendia a relação entre o tempo e a arquitetura, e é com base nisso que o arquiteto franco-suíço cria o termo promenade architecturale, um conceito que se refere ao itinerário de um ambiente construído. A ideia era permitir que o usuário compreendesse a arquitetura por meio de um percurso em movimento, multiplicando os pontos de vista e valorizando todos os elementos arquitetônicos, quase como um conjunto de instruções para ler a obra. Nesse sentido, a promenade começa na porta de entrada da edificação e se apresenta como um percurso a ser explorado pelo corpo, revelando gradualmente a diversidade arquitetônica da obra. Com isso, ela oferece uma experiência espacial dinâmica e sinestésica, em que o impacto da sequência completa supera a soma das percepções individuais geradas pelas partes isoladas da construção.
"A arquitetura se caminha, se percorre e não é, como preconizam certos princípios, uma ilusão inteiramente gráfica organizada em torno de um ponto central abstrato onde o homem pretende estar – um homem quimérico – munido de um olho de mosca, cuja visão seria circular." - Le Corbusier, 1961
Na prática, a Villa Savoye exemplifica a aplicação da promenade architecturale com sua rampa como elemento central que simboliza uma transição vertical suave e contínua, conectando de forma fluida os três pavimentos da casa. Além de reduzir o esforço físico, a rampa proporciona linearidade ao percurso, guiando o corpo simultaneamente nos eixos horizontal e vertical. Composta por duas partes espelhadas e opostas, ela estabelece um movimento cíclico que permite ao visitante retornar ao ponto de partida, porém em um nível superior, oferecendo diferentes perspectivas e pontos de vista. Vale ressaltar que essa estratégia projetual foi posteriormente expandida quando Le Corbusier a incorporou também em grandes projetos públicos, como o Edifício Centrosoyus (1936) em Moscou, que apresenta rampas helicoidais. Nesse contexto, o arquiteto reafirmou sua visão categórica, embora controversa entre os russos da época: "a arquitetura é circulação".
Ao enfatizar o tempo e o movimento na arquitetura, Le Corbusier inaugura uma nova perspectiva para o espectador, promovendo a interação ativa entre indivíduo e espaço. Esse conceito não apenas valoriza a experiência sensorial e emocional do usuário, mas também fomenta sua criatividade, concedendo-lhe o direito de interpretar e criar seu próprio percurso dentro da narrativa arquitetônica.
Quase um século após a criação do conceito, suas características continuam influenciando projetos de diferentes escalas, muitas vezes sob novas denominações, mas mantendo sua essência. Trata-se de uma estrutura compositiva fundamental que se manifesta no sequenciamento espacial, promovendo uma jornada que cativa o usuário; na integração entre interior e exterior com grandes aberturas, terraços e áreas de transição que estabelecem uma continuidade visual e física entre o espaço construído e a paisagem ao redor; nas rampas e escadas que se tornam protagonistas no percurso, permitindo não apenas a circulação, mas também diferentes ângulos de observação e interação com o espaço, e por fim, na luz natural, cuidadosamente orquestrada, que guia os movimentos, destaca elementos arquitetônicos e cria atmosferas únicas ao longo do trajeto.
Na correlação entre o moderno e contemporâneo sob a ótica da promenade architecturale, inevitavelmente surgem comparações entre a própria Villa Savoye e a clássica Casa Bordeaux, completada em 1998 por Rem Koolhaas. A analogia quase instantânea se dá principalmente por conta do elemento que para ambas funciona como prioridade de projeto: a circulação vertical. Contudo, se na Villa Savoye o usuário experimenta um percurso contínuo, na Casa de Bordeux, Koolhas subverte o método racional da construção modernista inserido o elevador como estrutura mecanizada que marca o percurso vertical, sequenciando percepções e produzindo uma experiência agora possível também para o proprietário com mobilidade reduzida.
No entanto, esse sequenciamento espacial, amplamente utilizado para criar uma narrativa arquitetônica, também está presente em projetos residenciais mais contemporâneos como a Casa EA, do escritório brasileiro Jacobsen Arquitetura. Nela, o conceito de promenade architecturale (passeio arquitetônico) gera uma experiência entre a paisagem construída e a natural entrelaçadas a partir da ideia do percurso. A Casa Canal, do Studio MK27 também resgata o conceito a partir de uma sinuosa rampa que convida a uma caminhada tridimensional marcada por surpresas à medida que o usuário se eleva. Uma definição que poderia muito bem se confundir com a própria descrição da Villa Savoye.
"Nesta casa, temos uma verdadeira promenade architecturale, oferecendo constantemente aspectos variados, inesperados e por vezes surpreendentes. É interessante obter tanta diversidade quando temos, por exemplo, do ponto de vista da construção, um esquema de pilares e vigas de um rigor absoluto... É através do movimento... que o homem enxerga as ordens da arquitetura se desenvolverem no espaço." - Le Corbusier, 1995
Para além da aplicação nas casas, o conceito também é visto em projetos de maior escala, servindo perfeitamente à edifícios culturais e educacionais como o caso da Escola Comunitária Internacional construída em Baghdad, no Iraque. Nela, sua principal via de movimento é a promenade architecturale, um caminho envolvente que começa com um anfiteatro no nível do solo e serpenteia através das diversas zonas da escola, culminando na quadra de tênis no telhado. Esta promenade é projetada não apenas para o trânsito, mas como uma jornada experiencial que ativa as diversas funções da escola.
Nos museus, sobretudo, o conceito se expande e desdobra em visitas coreografadas que induzem ao movimento contínuo dos seus usuários levando a descoberta e ao destaque de elementos específicos como é o caso do Museu MAXXI de Zaha Hadid Architects, construído em 2009, a Casa da Música do OMA, 2005 e seu percursos verticais e horizontais que permitem uma compreensão gradual da estrutura ou, como um exemplo ainda mais contemporâneo, o Museu Soumaya, erguido em 2011 na Cidade do México e seu promenade contínuo que espirala em rampa através de seis níveis levando ao topo da sala de exposições.
Para finalizar, ressalta-se ainda a aplicação do conceito em parques e espaços públicos, como o Jardim Botânico de Taiyan e seus círculos concêntricos os quais criam uma promenade percorrida pelos visitantes refletindo o princípio de uma paisagem natural domesticada.
Nessa vastidão de aplicações, a promenade architecturale não apenas persiste como um princípio funcional, mas também se adapta às demandas da arquitetura e do urbanismo sustentáveis e inclusivos. Projetos contemporâneos se valem do conceito para criar trajetos acessíveis para todas as pessoas, além de integrar paisagens urbanas e naturais, refletindo preocupações de cunho ambiental e social. Em um mundo onde a experiência do espaço é constantemente reinterpretada, a promenade architecturale continua sendo uma referência essencial, demonstrando como o movimento e a percepção podem enriquecer as interações humanas com a arquitetura. Somado às urgências contemporâneas, esses projetos mostram como – mesmo indiretamente - o legado modernista de Le Corbusier permanece vivo, renovando-se para atender às exigências e possibilidades do século XXI.
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