De Bogotá a Mumbai: Como os assentamentos informais facilitam a mudança das cidades

Por trás da névoa que cobre as montanhas de Bogotá pela manhã está a residência de William Oquendo. É um labirinto de portas e janelas onde um dormitório abre-se para a cozinha e o banheiro possui aberturas diretamente para a sala.

A 5 mil quilômetros de distância, no Rio de Janeiro, Gilson Fumaça vive no terraço da residência construída por seu avô, depois pelo seu pai e agora por ele mesmo. Ela é bastante resistente: feita de tijolo e argamassa no primeiro pavimento, concreto reforçado no segundo, e uma combinação caótica de telhas de zinco e tijolos soltos no terceiro. Esta última é a contribuição de Gilson, que ele irá melhorar à medida que aumenta no número de moradores na casa.

Do outro lado do mundo, em Mumbai, existem moradias que invadem os trilhos do trem suburbano, construídas e reconstruídas após inúmeras tentativas de demolição. "O entorno físico da cidade está em movimento perpétuo", observa Suketu Mehta em Maximum City"[1]. Existem moradias feitas de bambu e bolsas plásticas e famílias que vivem em calçadas ou debaixo de pontes, em locais precários feitos com as próprias mãos. Enquanto Dharavi - conhecido como o maior favela da Ásia - conta com uma moradia de melhor qualidade, água tratada e eletricidade, este não é o caso da maioria dos novos habitantes da cidade.

Vista da casa de William Oquendo, Bairro El Dorado - Bogotá, Colômbia. Imagem © Laura Amaya

Mumbai tem passado por uma recente onda de urbanização massiva à medida que a população da Índia muda paulatinamente de rural para urbana. Os assentamentos em Mumbai parecem destinados a seguir o mesmo curso das favelas latino-americanas que vêm crescendo há gerações. No entanto, a densidade da cidade - 20.000 habitantes por quilômetro quadrado, comparado com os 4.600 de Bogotá ou os 5.200 do Rio de Janeiro - requer uma forma inovadora de desenvolvimento progressivo. Como aponta Mehta, "não existe espaço suficiente para que todo mundo possa estar [em uma casa] ao mesmo tempo, exceto quando se dorme [e] e os movimentos corporais se reduzem ao mínimo."

Em um país com menos de 30% da população vivendo em zonas urbanas, Mumbai oferece um lar para os habitantes do campo que migram para a cidade e recriam seus assentamentos [4]. É inevitável então, que o sentido de comunidade seja o maior potencial ativo dos assentamentos informais, pois promove uma rede de segurança para os grupos mais vulneráveis que não depende da disposição do governo, mas de um mecanismo autorregulado de apoio mútuo. Além disso, dado que os novos habitantes não acompanharam a velocidade da transformação urbana, esta forma de vida é o vínculo mais próximo do campo - o bairro converte-se em uma aldeia dentro da cidade.

Casa de Gilson Fumaça, Favela Santa Marta - Rio de Janeiro, Brasil. Imagem © Laura Amaya

Bogotá, como a maioria das cidades latino-americanas, experimentou um crescimento no qual a maioria dos imigrantes rurais ocuparam o que eram, até então, assentamentos precários emergentes. A grande quantidade de novos habitantes em tão pouco tempo impôs o desafio de proporcionar serviços adequados. Os assentamentos informais aliviaram temporariamente a crise de moradia, mas ainda hoje um a cada cinco imigrantes na América Latina vive em favelas ou invasões [5]. Inicialmente ilegais e bastante precários, muitos destes estão se tornando comunidades consolidadas que se incorporaram com êxito ao tecido urbano existente.

Decorrentes da natureza informal do desenvolvimento das cidades, a transformação urbana na América do Sul e na Ásia é um processo inteiramente dependente do tempo e de recursos financeiros. Passando por todo o espectro, desde invasões até grandes projetos imobiliários, as cidades crescem progressivamente, respondendo e ajustando-se às necessidades imediatas de suas comunidades. 

Mangal Kunj, edifício residencial antes da construção dos andares superiores. Bandra (W) - Mumbai, India. Imagem © Laura Amaya

Quando aterrizei em Mumbai fui morar no último andar do Mangal Kunj, um edifício localizado no sofisticado subúrbio de Bandra, ao norte da cidade. Havíamos alugado a cobertura de um edifício relativamente novo, que não tinha mais do que dez anos. O elevador possuía botões até o número 12 e acreditávamos que ele deveria ter sido comprado por um preço mais baixo, já que o edifício possuía somente 8 andares. Uma manhã, enquanto eu saía correndo de casa para dar início à longa jornada de trabalho, o ecrã do elevador apresentava o número "9". Em pouco tempo havia construtores martelando o teto, subindo sacos de cimento e carregamentos de tijolos pelas escadas. Três meses depois, a antiga cobertura do Mangal Kunj encontrou-se aprisionada em meio ao edifício original que está abaixo e a construção dos pavimentos nove, dez, onze e doze.

Mangal Kunj, edifício residencial após a construção dos andares superiores. Bandra (W) - Mumbai, Índia. Imagem © Laura Amaya

Um caso similar de desenvolvimento progressivo acontece na Universidade Ashoka, uma instituição privada de alto nível aos arredores de Nova Déli. A construção por fases requer que os edifícios sejam planejados em diferentes etapas. Eles não somente devem adaptar-se perfeitamente para alterar usos acadêmicos para usos administrativos, mas também deverão aumentar sua altura com o tempo; um edifício que hoje possui seis pavimentos, terá doze cinco anos depois.

Na cultura das "cidades aldeias", a rápida urbanização e a economia compartilhada fazem com que inevitavelmente exista um sentido de constante adaptação. A casa de William logo terá um quarto pavimento e Gilson Fumaça consolidará o terceiro nível de sua casa na favela, criando espaço para um novo terraço. Os habitantes em Mumbai substituirão os tetos de plástico por telhas firmes e trocarão as estruturas de bambu por muros de tijolo. Outros edifícios como o Mangal Kunj construirão seus pavimentos de número quatorze e quinze, enquanto que em Bogotá continuarão brotando hastes de aço nos tetos das casas que já estão prontas para receber mais um pavimento com o nascimento de mais um filho ou após a promoção de um membro da família.

Mangal Kunj, edifício residencial, Bandra (W) - Mumbai, Índia. Imagem © Laura Amaya

Enquanto Nova Iorque e Londres recebem pessoas que se mudam de uma cidade a outra, familiarizadas com o protocolo da vida urbana, Bogotá e Mumbai, ao contrário, são cidades que acolhem campesinos rumo a urbanização. Servem como passo inicial na transição entre o campo e a metrópole, sem dúvida o salto mais abismal. Famílias inteiras migram dos campos aos barracos e de lá para bairros de classe média; de Jogeshwari a Mira Road (Mumbai) e de Cazucá a Nuevo Usme (Bogotá), as pessoas em lados opostos do planeta gradualmente adotam um novo estilo de vida.

À medida em que as "cidades-aldeia" evoluem para tornarem-se cidades globais, a arquitetura deve responder à necessidade de reinvenção contínua. O projeto é o entendimento mais amplo de um contexto que vai além das considerações estéticas e de conexões espaciais imediatas. Ele é a relação íntima entre pessoas e lugar; uma resposta sem pretensões aos problemas urbanos mais complexos. A natureza do desenvolvimento progressivo em cidades como Bogotá e Mumbai deixa uma lição vital: é essencial reconhecer a mudança intrínseca e não resistir à ela, mas complementá-la.

Referências

[1] Mehta, Suketu. Maximum City : Bombay Lost and Found. New York: Alfred A. Knopf, 2004: 137.
[2] (a) Anuário Estatístico Do Estado Do Rio De Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: O Centro, 2010. DVD; (b) Alcaldía Mayor de Bogotá DC, Mapa de Bogotá - Atlas, http://mapas.bogota. gov.co/atlas/visor/index.html (acessado em abril de 2012); (c) Ministry of Home Affairs – Office of the Registrar General and Census Commissioner, India, Census of India 2011, http://www.censusindia.gov.in/pca/default.aspx (acessado em agosto de 2014).
[3] Mehta, Suketu. Maximum City : Bombay Lost and Found, 488.
[4] Mehta, Suketu. Maximum City : Bombay Lost and Found, 549.
[5] UN-HABITAT, State of the World’s Cities 2010/2011: Bridging the Urban Divide (London: Earthscan, 2010): 44.

Uma versão desse artigo foi publicada anteriormente em Urbz.

Laura Amaya é uma arquiteta e urbanista de origem espanhola, criada na Colômbia e educada nos Estados Unidos. Viveu na Itália e realizou uma ampla pesquisa sobre o urbanismo latino-americano como estudante da Universidade e Cornell. Atualmente vive e trabalha na Índia e o que a motiva é a possibilidade de melhorar as relações entre as pessoas e o lugar através da transformação do meio físico.

Sobre este autor
Cita: Laura Amaya. "De Bogotá a Mumbai: Como os assentamentos informais facilitam a mudança das cidades" [From Bogotá to Bombay: How the World's 'Village-Cities' Facilitate Change] 31 Out 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/756230/de-bogota-a-mumbai-como-as-praticas-de-moradias-informais-facilitam-o-desenvolvimento> ISSN 0719-8906

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