Cinema e Arquitetura: "A Ilha"

Antes que o diretor Michael Bay ficasse estereotipado com a saga campeã de bilheteria, "Transformers", suas obras se caracterizavam por serem filmes que combinavam ação eletrizante com roteiros dinâmicos e atuações que se tornavam icônicas graças a um contexto sólido e coerente. "A Ilha" é um exemplo contundente disso, nos transportando até uma realidade fria, mecanizada e cruel onde o humano tornou-se um produto a mais no mercado.

Se alguém assiste o filme sem conhecer a fundo os detalhes da obra, ele nos apresenta primeiramente uma sociedade humana, a qual sobreviveu aos estragos de um desastre biológico. Refugiados dentro de uma enorme instalação composta por grandes torres de apartamentos, a população humana sobrevive a esta realidade com a promessa de um futuro reconstruído. Eles contam com todos os serviços e comodidades, mas todos os aspectos da vida estão sendo monitorados e estritamente controlados por uma só autoridade, que dita quais ações são mais favoráveis para cada um.

Conforme o filme se desenrola, e ao lado do protagonista, lentamente presenciamos a degradação desta realidade, não tanto na qualidade de vida de seus habitantes, mas sim no que se esconde por trás de tal sociedade altamente controlada. O fato do protagonista se questionar faz com que o espectador também comece a questionar tal situação e ver entre linhas, que aquilo não é mais do que uma cortina escondendo algo maior. 

A obra tem um ar de filme de prisão e quando olhamos em retrospectiva as rotinas da população, podemos encontrar nelas referências claras às atividades próprias de um campo de concentração ou qualquer prisão moderna. Não encontramos uma crueldade explícita, o abuso dos guardas ou uma morte anunciada...  todos os elementos estão tão bem disfarçados que a própria prisão se disfarça em um elegante minimalismo tecnológico. 

A arquitetura se torna cúmplice do aprisionamento, institucionalizando a disciplina e a obediência. O uso do concreto nos remete a todo o momento à estética de um bunker, enquanto que o uso abundante do branco cria um ambiente asséptico, quase clínico onde foram erradicadas as possíveis variantes que podem provocar um estímulo na população. A mesma luz branca que irradia de maneira zenital em todas as instalações não é mais do que uma recriação artificial, evitando a todo o momento alterar a passividade dos habitantes. 

Sem que ninguém entre os prisioneiros suspeite, a própria instalação se oculta do olhar público sob a terra, afastada de qualquer rasto de civilização. Mantendo a ilusão, um grande muro circular rodeia as grandes torres onde a paisagem muda o tempo todo através de um holograma. Sua própria estrutura metálica e as grandes passarelas para chegar a ela, lembram a configuração de um teatro do qual as mãos dos marionetistas controlam a população. 

A aparição e a escolha do ator Djimon Hounsou como um dos antagonistas principais não é casualidade. Sua própria presença e posterior discurso sobre sua infância, são um claro lembrete da terrível história humana sobre a população africana que ainda hoje persiste como um elemento retrógrado na nossa cultura. No filme, ele atua primeiramente como um mercenário que vê a guerra como um negócio, mas que posteriormente se questiona sobre as atrocidades que acontecem dentro do campo de clones. Qual é o valor da vida humana? Por acaso, não todos ao enfrentar a morte deixam para trás a moralidade? E quando os clones são liberados a falsa utopia é revelada. Como reagirá a humanidade diante da sua aparição?

Perfil do Diretor

Michael Benjamin Bay é um diretor e produtor estadunidense nascido no dia 17 de fevereiro de 1965 na cidade de Los Angeles. Filho adotado que desde pequeno demostrou interesse pelos filmes de ação. Iniciou na indústria cinematográfica muito jovem, já que aos 15 anos, a pedido de George Lucas, foi encarregado dos Storyboards  de "Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida".

Formou-se na Universidade de Wesleyan no cursos de Língua Inglesa e Cinematografia. Seus primeiros trabalhos foram dirigir comerciais e videos musicais, os quais chamaram atenção dos produtores em Hollywood, que o selecionaram para dirigir o filme "Bad Boys". A obra foi um grande êxito de bilheteria, arrecadando quase dez vezes mais do que a quantidade investida na sua produção. 

Nos anos seguintes, dirigiu diversos filmes que o consagraram como uma uma clara referência dentro do gênero de ação, como "The Rock", "Armageddon", "Bad Boys 2" e "Pearl Harbor", com o qual obteve quatro nomeações ao Oscar.

Desde 2007 até hoje, produziu e dirigiu várias adaptações ao cinema da série animada "Transformers", sendo criticado e recebendo nomeações negativas como o pior filme do ano.

CENAS CHAVE

1. Disfarce Minimalista de uma Prisão Moderna

A população vive em habitações assépticas e com todas as comodidades. Entretanto, aquele ambiente minimalista esconde uma prisão além da sua compreensão.

2. Ambiente Monótono e Uniforme

A falta de cor e os ambientes repetitivos procuram reprimir qualquer estímulo que possa provocar um despertar emocional na população, que permanece em um limbo criativo.

3. Um Mundo abaixo da Superficie

Afastados de todo o conhecimento público, a prisão se refugia sob um grande deserto. Grandes refletores emulam a luz solar que ilumina as imensas torres de desenho panóptico. 

4. Uma Prisão de Paredes de Vidro

Mostrando um lugar desolado, os prisioneiros a todo o momento reforçam sua condição de sobreviventes. Grandes elevadores os levam das suas habitações até áreas públicas, nos pavimentos inferiores. 

5. O Espaço Público da Solidão

Evitando o contato físico a população de homens e mulheres vivem separadas. Mesmo quando "promove-se" a amizade, a população está desarticulada para evitar uma rebelião. 

6. Uma Cidade unificada pela Luz

O interior de concreto enfatiza a sensação de refúgio mas, ao mesmo tempo, de prisão. Seu aspecto frio e clínico desprovido de humanidade procura justificar as ações terríveis que ali sucedem.

7. O Trabalho os libertará / Arbeit Macht Frei

Para afastar a mente de toda suspeita, ensina-se um trabalho a população, que o adota como propósito de vida. Sem saber, eles alimentam mais linhas de clones que estão por vir. 

8. Educação Sistemática / População Sistemática

A população é educada com ensinamentos próprios para crianças pequenas, que não permitem desenvolver suas capacidades. Uniformizando sua educação, uniformizam seu comportamento. 

9. Comodidades de uma Vida Exemplar

Com dietas balanceadas, programas de exercício e relaxamento os refugiados vivem uma realidade utópica. Entretanto, sua qualidade mostra que são vistos como produtos e não como humanos.

10. O Papel do Inconsciente

Sofrendo constantes pesadelos, Lincoln experimenta lembranças não vividas. Apesar do seu caráter traumático são seus sonhos que lhe permitem desenvolver seu intelecto e despertar sua criatividade.

11. A Utopia Inalcançável / Your Time Will Come

Para que a população não perdesse a esperança no seu enclausuramento, nasce a promessa da "ilha", um paraíso com o qual sonhar. Seu lema esconde a grande crueldade que espera à todos neste lugar.

12. A Influência da Prisão de Gênero

Apesar do seu caráter de ficção científica, o tom da obra é de um filme de prisão. Lincoln faz seu caminho frente as instalações graças a sua criatividade e natureza curiosa.

13. Os Novos Meios de Transporte

Uma grande trem magnético transporta os protagonista até a cidade em grande velocidade. Sobre as ruas que borbulham de atividades, grandes linhas de metrô cruzam os arranha-céus. 

14. Los Angeles do Século XXI

Aproveitando o caráter atemporal da arquitetura de Detroit, foram adicionados, através do computador, elementos futuristas criando um ambiente próximo e possível.

15. Exteriores saturados de Cor

Contrapondo-se ao ambiente monótono do seu refúgio, os protagonistas saem a um mundo cheio de cor e estímulo. É um mundo que avança com pressa onde eles não conseguem se encaixar.

16. A Modernidade como Ruína do Futuro

As ruínas emblemáticas de Detroit enfatizam o sentimento de um futuro vertiginoso que não olha para trás. O passado é nebuloso como as lembranças dos protagonistas.

17. O Lar de um Designer

Todo o filme está repleto de elementos de grande design. Quando Lincoln chega a casa do seu clone, dentro de um lixão industrial, não deixa de sentir uma familiaridade e estranheza. 

18. Falso "retorno" a Casa

Mesmo Lincoln sendo um clone, ao voltar ao seu ambiente de trabalho ele se enche de vitalidade e motivação. A criatividade é sua natureza e o verdadeiro motivo do seu ser. 

19. Precursores da Tecnologia Tátil 

O filme utiliza grandes e belos detalhes tecnológicos que posteriormente influenciaram o desenvolvimento e a criação de novas invenções na realidade.

20. Clonagem e o tráfico de Órgãos

Apesar da clonagem humana ainda ser uma utopia, o filme oferece uma crítica ao atual negócio e tráfico de órgãos. Quando a saúde se torna um negócio, a ética humana desaparece.

21. Tecnologias Futuras / Máquinas Diminutas

A prisão está cheia de tecnologias inovadoras, que conseguem disfarçar o seu contexto futuro. Pequenas máquinas entram no cérebro de Lincoln a fim de analisar sua mente.

22. Perda de privacidade no Espaço Público

Mesmo quando são libertos da prisão, os protagonistas continuam sendo vigiados a todo o momento. As ruas da cidade estão desprovidas de anonimato em uma prisão em outra escala. 

23. Holocausto Cenográfico

Ao redor da prisão, uma enorme tela projeta a ilusão de um mundo devastado. Sua estrutura remete a estrutura de um teatro que enfatiza seu caráter cenográfico no filme. 

24. Lembranças da Arquitetura Panóptica

Composta por grandes torres de apartamentos, a prisão acomoda sua vigilância na parte central. Suas paredes envidraçadas permitem uma grande eficiência no controle e segurança. 

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 22 de julho de 2005
Duração: 136 min.
Gênero: Ação / Ficção Científica
Diretor: Michael Bay
Roteiro: Owen Caspian Tredwell
Fotografia: Mauro Fiore

SINOPSE

Lincoln Eco Six é um homem que reside em uma pequena e aparente utópica comunidade que sobreviveu a uma catástrofe ecológica que extinguiu quase por completo a humanidade. Refugiados abaixo da terra, eles residem em pequenos espaços onde desfrutam de todos os serviços mas com todos os aspectos da vida restringidos, controlados e monitorados. 

A única esperança que todos compartilham é poder ser escolhido para viajar até "a ilha", lugar paradisíaco onde a vida continua na superfície. Entretanto, a personalidade curiosa de Lincoln o conduz a questionar se aquele promessa é real ou somente uma mentira.

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Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "A Ilha"" [Cine y Arquitectura: "La Isla"] 12 Dez 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/758566/cinema-e-arquitetura-a-ilha> ISSN 0719-8906

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