Em 1969 o zoólogo Desmond Morris publicou um livro intitulado The Human Zoo; nele, Morris argumenta que seres humanos, tribais por natureza, não são adaptados a viver nas grandes e densas cidades modernas nas quais nos encontramos hoje:
"Algumas pessoas chamam a cidade de 'selva de pedra' - mas selvas não são assim. Animais na selva não sofrem com a superlotação. E superlotação é o problema central da vida na cidade moderna. Se você quer ver animais amontoados, você tem que ir ao zoológico. E então me ocorreu: A cidade não é um selva de pedra - é um zoológico humano".
Humanos em uma cidade são como animais em um zoológico. É uma afirmação fascinante que me levou a um pensamento incomum.
Se tomarmos por certa a afirmação de Morris de que a cidade é essencialmente um zoológico humano, e que, como se sabe, é muito mais difícil para os animais acasalarem em cativeiro, então - poderiam as cidades limitar nossa capacidade de amar? Ao passo que nosso mundo se torna cada vez mais urbanizado, torna-se também mais solitário?
Há algum modo de impedir isso?
Vendo a infinidade de artigos sobre o Dia dos Namorados que inundou meu twitter, parece haver, ao menos na consciência coletiva, uma relação entre as grandes cidades e a solteirice.
Da suposta "tendência" de mulheres da cidade grande buscando o amor nos subúrbios, à lista do The Daily Beast das 50 melhores cidades para o amor e o artigo do Business Insider destacando onde - estatisticamente falando - você está mais susceptível a encontrar o amor (baseado na concentração de gênero), parece que muitas cidades simplesmente não favorecem o encontro entre as pessoas.
No artigo “Is Your City Making You Single?”,escrito para o The Atlantic Cities, Amanda Hess descreve sua luta pessoal para manter um relacionamento na espraiada Los Angeles, quando era tudo mais fácil em Washington D.C. Ela se pergunta: por que?
Bem, para começar, o tamanho. Em seu artigo, Hess procura em suas amigas de Nova Iorque uma possível resposta. Uma delas lhe diz: "as distâncias do metrô podem tornar as coisas esgotantes", ou seja, os romances podem facilmente morrer com num trem parado. (Quanto tempo de metrô você está disposto a investir em um encontro quando cada plataforma parece repleta de outras opções?) Outra amiga nota que, devido ao tamanho de Nova Iorque (e o anonimato que isso te proporciona), "a geografia da cidade é 'mais propícia para separações'".
Claro, você pode dizer que os nova-iorquinos são todos frios e simplesmente priorizam dinheiro e trabalho ao amor... e ainda assim há um um lugar em Nova Iorque que contradiz a tendência. Em seu TEDTalk, o cofundador do High Line Park, Robert Hammond, compartilha suas observações sobre como o parque elevado afeta as pessoas:
“Eu percebi assim que o inauguramos que havia todas essas pessoas de mãos dadas no High Line. E percebi que os nova-iorquinos não andam de mãos dadas; simplesmente não fazemos isso na rua. Mas podemos ver isso acontecendo no High Line, e acho que isso é o poder do espaço público de transformar o modo como as pessoas experienciam a cidade e interagem com os outros."
Curiosamente, as observações de Hess e Hammond fazem perfeito sentido sob a luz da teoria zoológica dos seres humanos.
Segundo Morris, os humanos evoluíram para viver em grupos tribais de não mais que 150 habitantes; o habitante da cidade moderna simplesmente não consegue conceitualizar, nem se relacionar emocionalmente, com mais pessoas, dissociando-se de seus companheiros, vendo-os como parte da paisagem em vez de parte da "tribo".
Antes de virar os olhos, você deveria considerar: por quantas pessoas em dificuldade - moradores de rua, pessoas machucadas etc. - você passa todos os dias nas ruas da cidade? Pessoas que você certamente ajudaria em uma situação diferente, mais íntima. O argumento de Morris é exatamente esse: a cidade é um ambiente não natural que dificulta a criação de laços sociais.
Morris continua e explica que como humanos, nos sentimos muito mais confortáveis em espaços menores onde podemos interagir com as pessoas. Ele afirma que fronteiras - sejam óbvias, como uma cerca, ou sutis, como uma toalha de picnic - permitem-nos relaxar e conectar com os outros. Também é importante, segundo a teoria de Morris, que não nos sentimos amontoados e estressados nesses espaços.
Visto dessa perspectiva, é alguma surpresa que Washington D.C., uma cidade compacta repleta de regiões demarcadas e espaços verdes, seja, nas palavras de Hess, "para se aninhar"? O que o espaço verde e definido do High Line, localizado em meio ao denso ambiente urbano, se torne um dos poucos lugares onde os nova-iorquinos podem realmente se conectar e dar as mãos?
O que é fascinante para mim, no entanto, é que a descrição de uma cidade projetada para o amor - compacta, caminhável, com espaços verdes e abertos e regiões distintas - é exatamente a definição de uma cidade "saudável", onde as comunidades podem prosperar.
Uma cidade projetada para o amor não é espalhada e desgovernada, mas compacta e acessível; não é superlotada e estressante, mas aberta e verde; não é anônima e fria, mas familiar e voltada para a comunidade. Uma cidade projetada para o amor não é um zoológico humano, mas um playground, onde podemos respirar livremente e nos relacionar com os demais de forma humana.
Enquanto nosso mundo se torna cada vez mais urbanizado e nossas cidades ainda maiores, devemos nos certificar de projetar não apenas cidades que amamos, mas cidades que nos permitam amar os demais. Ao fim, é tudo a mesma coisa.