Elementos e Teoria da Arquitetura: Princípios Diretores / Julien Guadet

Eu poderia resumir em um mote minha lição de abertura: procurei fazer-lhes ver toda a elevação de seus estudos. Se vocês houverem saído dessa sessão com o coração mais alto, o pensamento mais ambicioso, eu não haverei perdido meu tempo.

Hoje me propus expor-lhes – tanto que possível – os princípios gerais que deverão sempre presidir seus estudos. Quero que percebam vocês mesmos a unidade desses estudos em aparência tão diversos. Vocês exercitarão hoje uma igreja, amanhã um teatro; seus programas são ora severos, ora mundanos; seus terrenos, restritos e fechados numa vila, ou livres e aerados à campanha: essa diversidade é necessária para criar em vocês a versatilidade e a engenhosidade; mas além desses estudos do dia e da hora presente, há o estudo superior e permanente: o de sua arte, em todas as ocasiões, o de vocês mesmos. Esse estudo é a meta verdadeira, e é a unidade de seus trabalhos; é o domínio desses princípios dos quais falei, que serão suas guias, sua salvaguarda, sua luz.

E de início, para abrir a nossa rota, comecemos por um pouco de desmonte.

Certamente – eu não preciso dizer-lhes – não sou um inimigo das ordens antigas, existam aliás três, ou cinco, ou mesmo quatro. Mas eu sempre me choquei ao ver meterem essas ordens antigas no ponto de partida dos estudos, quando o aluno é ainda incapaz de compreendê-las, e isso sobretudo pelos autores que não buscavam e não encontravam mais que uma forma: uma forma, isto é, uma expressão, e não uma concepção. Mostrar-lhes-ei, espero eu, que as ordens valem mais que seus comentaristas e – passem-me a palavra – o molho ao qual as acomodamos. Mas eu não posso vê-las como o pivô único da arquitetura nem a primeira etapa de seus estudos.

§

E contudo, durante mais de dois séculos, os estudos da arquitetura estiveram submissos a esse despotismo. Quando a Renascença nesse grande movimento do espírito humano que renovava a filosofia, as letras, as ciências, as artes, direcionou sua admiração e seu entusiasmo aos grandes monumentos da antiguidade, ela os admirou sem limites, com certeza, e contudo sem abdicação dela mesma. Ela neles inspirou-se, mas soube permanecer a Renascença, essa primavera da história, a Renascença tão cheia de seiva e tão ardente à liberdade que, mesmo quando acreditava copiar, imprimia às suas obras-primas o selo de sua arte própria e de sua vivaz independência. Mas ela teve seus educadores, seus escrivães, que quiseram retomar a teoria das maravilhas que admiravam: eles interrogavam as ruínas, mas infelizmente – os digo bem nitidamente – nelas encontravam o nefasto Vitrúvio.

Vitrúvio, escrivão seguramente medíocre, arquiteto provavelmente medíocre, se tanto que fosse arquiteto, havia deixado um livro muito discutível, coletânea mais ou menos aproximada das regras da arquitetura grega; muito longínquo às origens dessa arte, ele foi aos criadores da arquitetura o que foram os retóricos aos grandes oradores, os sofistas aos grandes filósofos. Mas, como escrivão antigo da arquitetura, ele sobrevivia só, e a crítica não havia ainda nascido; o século XVI creu na palavra, como se acreditava então em tudo que estava escrito em latim; e os autores da Renascença, Alberti, Vignole, Palladio, Philibert Delorme, todos grandes artistas, seguiram pelo caminho da arquitetura cifrada; somente o gênio da Renascença resta livre apesar de tudo, e a arte foi superior ao ensino que recebia.

Porém mais tarde, sob Louis XIV envelhecido, embora os grandes pensadores da primeira metade do século XVII houvessem desaparecido, o espírito francês havia transformado-se; à fervorosa independência havia sucedido a superstição da autoridade, a devoção estrita da regra, o culto dos despotismos. E em arquitetura também, era preciso agora obedecer mais que compreender. Subsiste uma curiosa deliberação da Academia real de arquitetura, recém-criada, que proclama a magistratura de Vitrúvio, e de fato uma sorte de pai da Igreja artística. Desde então, suas teorias deviram-se quase reais, e o triunfo do módulo foi quase um artigo de fé. O módulo, ou as controvérsias sobre o módulo, abre grande lugar no ensino, e, coisa inverossímil, a cifra foi soberana no domínio da arte. E, apesar da independência incoercível das verdades artísticas de todos os tempos, apesar do renascimento momentâneo e tão brilhante de Gabriel e seus êmulos, a cifra ampliou de pouco em pouco sua tirania até os tempos mais recentes. Ainda hoje em dia, que as gentes creem que a arquitetura é uma arte cifrada, um barema de fórmulas rígidas e matemáticas!

Pois bem, não. – A arquitetura não é uma ciência de números, se fosse necessário prová-lo, eu o provaria com uma palavra, a palavra arte. Se não, não é aqui que deveríamos ensinar! Ao contrário, mostrar-lhes-ei pois que o sentido delicado das proporções não é outra coisa que a faculdade de perceber suas nuanças infinitas: essa liberdade no estudo, mas é a honra mesma do artista, porque aí está também o perigo, condição da glória do triunfo.

Falar-lhes-ei das ordens antigas, e certamente falarei com respeito e admiração, mas a seu tempo e a seu lugar. Os primeiros arquitetos que fizeram colunatas – e, seguramente, isso era uma ousadia – haviam primeiramente feito os muros, nesses muros as portas e as fenestrações. Se depois o estudo das ordens reagiu sobre seus elementos, não é menos verdadeiro que ela não foi possível senão por seu resultado. Eis o método lógico: começar o ensino pelas ordens, é o ensino da imagem; começar o ensino pelo muro, é o ensino da realidade.

Retorno aos princípios.

A ciência tem seus axiomas; a arte tem seus princípios. Uns como os outros são a base dos estudos. A arquitetura é de todas as artes aquela cujos princípios são os mais rigorosos; mas como os axiomas, os princípios não se demonstram, senão pela eterna superioridade das obras que mais fielmente lhes respeitaram. Esta é a constante conformidade das obras aos princípios que realizam as grandes épocas artísticas, essas épocas que merecem o belo nome de clássicas, aquelas cujas obras são dignas de meditação e estudo, e nos transmitem por eloquentes exemplos a consciência mesma da arte através das eras.

Os princípios não são uma servidão, são uma luz; são assim a nobreza da arte, o viático e o sursum corda dos artistas. E, se isso é sempre verdadeiro – quanto mais estudarem, mais estarão convencidos, – é duas vezes verdadeiro quando se trata dos estudos. Mais tarde, uma personalidade desprendida ou as necessidades acidentais podem aconselhar-lhes por vezes a inflexões, a transações. Durante os estudos e para os estudos, os princípios são invioláveis.

Examinemos pois aqueles que deverão guiar-lhes, quer se tratem de primeiros ensaios ou de estudos superiores.

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A beleza, há dito Platão numa magnífica definição, a beleza é o esplendor da verdade. A arte é o meio dado ao homem de produzir a beleza; a arte é pois a persecução da beleza na verdade, e para a verdade.

Nas artes da imitação, a verdade é a natureza; nas artes da criação, na arquitetura notadamente, a verdade se define menos facilmente: para mim não obstante eu a traduzirei numa palavra: consciência. Se para o pintor e o escultor a verdade está no mundo exterior, para nós ela reside em nós mesmos.

Em nós mesmos, mas desde que saibamos lealmente interrogar-nos. Busca pois aquela verdade íntima e profunda, aquela verdade da consciência. Vocês preservar-se-ão assim do contágio do sucesso efêmero, da tirania da moda, da servidão do pastiche, da miragem da fantasia irracional.

Vocês terão certamente guias seguros, se tiverem a vontade de segui-los. Ensaiarei de mostrar-lhes.

Os autores antigos reconheceram três divisões na obra do arquiteto:
A disposição, é o que apelamos composição;
As proporções, isto é, o estudo;
A construção, isto é, o controle do estudo pela ciência, e enfim a execução.

A composição não se ensina, ela não é aprendida mais que por ensaios múltiplos, exemplos e conselhos, a experiência própria sobrepõe-se à experiência do outro.

E além disso, se, para o estudo, o artista emérito é relativamente certo de sua força, em composição, a parte de ânimo cotidiano é grande. Tal que, sobre um mesmo tema, fará hoje uma descoberta, não haveria encontrado nada ontem, nem encontraria nada amanhã.

Mas retenha bem isto, já que é a recompensa mesma dos estudos: essa ideia fugitiva e arriscada, ela não se oferece mais que aos fortes; se ela vier quando vocês estiverem preparados por fortes e sérios estudos, vocês saberão recebê-la e em tirar partido, vocês poderão compor; se, por milagre, ela se apresenta ao ignorante, ele a deixará escapar ou a torturará sem resultado algum.

Assim para compor, é preciso a ideia, isso é o ânimo; é preciso a força dos estudos, é a garantia da posta em obra da ideia.

Raramente essa ideia será a conclusão de um andaime de razoamentos; com mais frequência ela será sintética, surgida inteira ao seu espírito; esse modo de criação, que derrota as teorias e os métodos da lógica tradicional, que desmente Bacon e Descartes, é a intuição, a verdadeira gênese da ideia artística.

Num muito vasto programa, em efeito, abstraiam primeiramente os detalhes para perceber somente dois ou três, talvez quatro ou cinco grandes grupos, de importância diversa, dos quais concebam a proporção recíproca. Qual deles deverá ter a posição preponderante, qual terá a maior ou a menor extensão? Questões todas de programas e inteligência das necessidades e do efeito. Depois, marchando dos conjuntos aos subconjuntos, do corpo edificado a seus detalhes, vocês avançarão facilmente, se seu grande ponto de partida é judicioso, sobretudo se é encontrado, reservando à necessidade o estudo ulterior dos detalhes que dão crédito à composição, desde que ela apresente material suficiente, e os contextos mais propícios.

O razoamento, a crítica, que não pretendo nulamente abstrair, virão por sua vez, para controlar sua concepção, já que depois de haver imaginado, você deve saber ser o próprio juiz da sua imaginação.

Nas suas composições, vocês serão guiados em primeiro lugar pela fidelidade leal ao programa. O programa não deve ser a obra do arquiteto, ele deveria sempre ser-lhe dado: a cada um seu lote. O arquiteto é o artista capaz de realizar um programa, mas não cabe a ele decidir se o cliente necessita um ou vários quartos, se precisará ou não de estábulos e galpões, etc. (eu tomo aqui os exemplos familiares). É bem verdade que com frequência o arquiteto não recebe o programa, e boa parte de nossos edifícios mais consideráveis foram construídos sem programa algum. Isso é muito fastidioso, e vocês sabem por que isso é assim? É que três quartos do tempo os clientes ou os administradores não sabem o que querem. Isso não impede que sejam eles quem saibam, e não nós.

Aqui pelo menos, não funciona assim: vocês receberão os programas. Eu suponho-os bem feitos, essa hipótese não excede meu direito. A vocês, corresponde saber bem lê-los.

Um programa dá-lhes a nomenclatura dos serviços, indica-lhes suas relações, mas não lhes sugere nem sua combinação, nem sua proporção. Isso é sua tarefa; o programa deve ainda menos impor-lhes soluções, e eu jamais compreendi as prescrições desse gênero. Tanto valeria segurar-lhes a mão. O programa permite-lhes a liberdade dos meios, mas há que compreender bem o que é esperado de vocês; há que fazer uma ideia justa da proporção das diversas partes, e com frequência sucederá que, materialmente, a coisa importante, capital, terá um mote, enquanto que precisará de um parágrafo para o detalhe das dependências mínimas. Leia-o com sua inteligência e seu bom senso.

Mas há mais: ainda há a proporção do programa mesmo com respeito ao conjunto de programas da arquitetura. Vocês terão facilmente uma tendência à exageração, e vemos em suas confluências ordenamentos à escala de São Pedro de Roma pelos juízes de paz. Erro de proporção e de gosto. Há grandes programas, há médios e pequenos: metam-se à medida, já que não é mais que assim que vocês chegarão à variedade na verdade, isto é, ao caráter.

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O programa indica-lhes ainda um elemento essencial de composição: o local, o terreno. A arquitetura tem muitos domínios: as vilas, com toda a variedade de seus locais; a campanha, com seus horizontes e seus entornos; as bordas do mar, as montanhas; as latitudes tão variadas mesmo sem sair da França.

Numa vila – veja Paris – os monumentos estão em geral nos locais monumentais; nem sempre entretanto. É evidente que um programa de ministério da Marinha, por exemplo, será o mesmo qualquer que seja o bairro suposto, e que entretanto um ministério da Marinha será toda outra coisa se está concebido na praça da Concórdia, ou numa rua qualquer. O Panteão seria sem dúvida todo outro se não estivesse no topo no monte Sainte-Geneviève, não conceberíamos uma Corte de Contas com a arquitetura do antigo palácio d’Orsay, se ela houvesse tido a perspectiva do Sena e das Tulherias. E Paris é uma vila quase plana. Se vocês habitassem uma vila em anfiteatro como Gênova, veriam de visu isso que vocês podem já constatar na obra de Gauthier, todos os programas que recebem por sua vez uma solução original e local daquela situação muito particular da vila.

À campanha, dever-se-á sentir em suas composições a busca da vista e da aeração. Há sempre um lado mais atraente que os outros, e pode dizer-se que o plano de qualquer casa de campanha compõe-se com essa preocupação, acima de qualquer outra, do horizonte preferido.

Se o terreno está em pendente pronunciada, essa busca da vista mais bela conflui com as necessidades da construção para ditar-lhes a composição. Se, em efeito, vocês necessitam edificações estendidas, de disposições simétricas, elas não estarão mais que no sentido das horizontais do plano, dito de outro modo, das curvas de nível, que vocês poderão realizar, a menos substruturas enormes e aterros ou cortes formidáveis. Quer se trate de uma construção monástica como a célebre abadia de Mont-Cassin, de um hospital como Charenton, ou de jardins como Saint-Germain ou Meudon, ou ainda como a Villa d’Este à Tivoli, ou em Roma a promenade du Pincio, a topografia exige a composição em níveis sucessivos, e por assim dizer, sobre os degraus diversos de uma escada.

Quanto mais a declividade é pronunciada, mais essa lei se impõe; ela será pois mais imperiosa ainda na montanha que sobre uma simples colina.

À borda do mar, em busca de proteger-se – como os habitantes permanentes, – ou desfrutar como os hóspedes de passagem. Componha em consequência disso, e se se trata de hotéis, de vilas, de cassinos, percebam que vocês não terão jamais suficientes peças em vista do mar. Nós não vamos mais que para ele.

O programa dirá simplesmente: essa construção será sobre tal ou qual gênero de terreno ou local: cabe a vocês compreenderem todas as consequências dessa pequena frase e autorizar-lhes em prol da variedade de seus estudos.

Eis aqui ainda dois programas idênticos: mesma importância, mesmos serviços; mas um numa província do norte, o outro ao sul. Não somente o estudo, mas a composição mesma diferenciará completamente. No sul, vocês terão os quartos clareados em luz secundária sob os pórticos, abrindo preferência aos pátios interiores sombreados: vocês defender-se-ão do sol, vocês encontrar-se-ão ao norte. De um clima a outro a arquitetura tem exigências muito diferentes; e é notável que os arquitetos que, no século XVI, se inspiraram tão apaixonadamente na França pela arquitetura italiana, bem melhor, que os arquitetos italianos trabalhando na França, como Boccadoro, que tomaram emprestado da Itália seu gosto, suas formas, suas decorações, mas não sua composição.

Citei Boccadoro, isto é, o Hotel de Vila [Prefeitura] de Paris; veja na fachada essas imensas fenestrações que ocupam toda a altura de um andar, em parte alguma isso se encontraria na Itália: necessidade de luz em Paris, defesa contra o sol em Florença ou em Roma, por exemplo no Capitólio de Roma, que é de fato um hotel de vila. É curioso fazer uma relação entre dois monumentos de tão grande valor, quase contemporâneos, a corte do Louvre e o palácio da Chancelaria de Roma. Certamente, a corte do Louvre é bem inspirada na arte italiana em seu estudo e sua decoração. Mas veja no Louvre a proporção das aberturas, em altura sobretudo, compare com aquelas da Chancelaria. Em Paris, com a fachada da Chancelaria, não veríamos claridade. Em Roma, com a fachada da corte do Louvre, seríamos cegados e abrasados.

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Outro guia será para vocês a verdade da construção expressada pela arquitetura. Toco aqui na questão mais elevada talvez de todo seus estudos.

Henri Labrouste ensinava: a arquitetura é a arte de edificar. Era uma definição de combate, um protesto contra o desdém excessivamente real à construção em certas escolas de então. Mas essa definição, por ser muito incisiva, estava incompleta, e pecava por sua vez pela obliteração da composição artística. A arquitetura concebe, depois estuda, depois constrói.

Mas – e é aqui que devemos bem compreender, – a construção é a meta final da concepção e do estudo; nós não concebemos, nós não estudamos mais que para poder construir. A construção deve ser o pensamento constante do arquiteto, ela fornece o arsenal de seus recursos, ela limita portanto seu domínio. Toda tentativa de arquitetura que não seja construível não conta, toda forma arquitetural que viole ou falseie a construção é viciosa.

E se por essa palavra construção vocês entendem a estrutura mesma do edifício, sua realidade inteira e efetiva, vocês podem conceber que o edifício executado expressa outra coisa mais que essa estrutura, que essa construção expressa outra coisa mais que ela mesma? Não, não é? E não obstante, ela existe; há as mentiras em arquitetura também, e por vezes com o charme pérfido de um grande talento disposto a mentir. Que diriam vocês por exemplo de uma fachada de mansão, que acusasse quatro andares quando não há mais que três? Questão ridícula, pensarão vocês – e, em efeito, a mansão está garantida dessa mentira por sua impossibilidade. Mas vocês estão seguros que isso não existe por aí?

§

Pois bem, em Paris mesmo, – eu prefiro ao tanto que possível citar-lhes exemplos que vocês possam controlar com seus olhos, – em Paris, disse eu, vejam as fachadas das igrejas Saint-Gervais, ou Saint-Paul-Saint-Louis. Cada uma expressa três andares – por quê? – Cada uma presenta uma silhueta que não tem nada de comum com a estrutura do edifício, de modo que essas fachadas, vistas de lado, dão o efeito de pranchas isoladas no espaço, estrangeiras ao monumento que elas disfarçam em lugar de anunciar. O mesmo na Itália, numerosos monumentos, entre os quais citar-lhes-ei a catedral de Lucques, cuja fachada é certamente interessante, mas em desacordo completo com a estrutura do monumento. Vejam, em outra parte, as fachadas de outras igrejas, Saint-Nicolas-des-Champs, as fachadas laterais do transepto de Saint-Eustache, Saint-Étienne-du-Mont, Saint-Laurent; é, com sensíveis diferenças de estilo e de gosto, a estrutura mesma do monumento que aparece; tudo é lógico, tudo é são. De um lado a mentira, do outro a verdade.

Mentira inclusive – absolvida talvez pela glória do triunfo – essas colunatas do Louvre, essas fachadas do Louvre de Louis XIV, sem concordância com o interior e que necessitou depois da adição sobre a corte do Louvre um terceiro andar, apropriadamente estudado por Gabriel. Sim, é um belo frontispício, uma bela página decorativa; mas quão mais bela e admirável se Perrault houvesse sabido produzir o mesmo efeito sem violentar e quase comprometer um monumento que, certamente, nem merecia esse desdém!

Pois bem, a arquitetura antiga, invocada tão a torto pelos autores daquelas mentiras artísticas, jamais cometeu [esse pecado]; está aí sua mais pura glória, sua superioridade estética, e assim – posto que estamos na Escola – sua superioridade educadora. Busquem em toda a antiguidade, vocês não encontrarão um edifício – nem um só, entendam bem – cujos interior e exterior não sejam a consequência recíproca, rigorosa e necessária, um do outro. Quando uma vez vocês hajam captado a estrutura de um edifício antigo, sua forma, sua expressão, sua realização evocarão em vocês a ideia invencível do necessário. Deve ser assim, não poderia não ser assim. E ao mesmo tempo, é geralmente de uma grande beleza: mas uma beleza pela composição, e não uma beleza pelo artifício. Eis a arte perfeita.

Mas isso é um privilégio da antiguidade? Não. Essa mesma sinceridade, essa mesma identidade, essa impressão do «isso não poderia não ser assim» eu a recobrei nas primeiras basílicas, nas nossas igrejas dos séculos XII, XIII, XIV, nos nossos hotéis de vila do norte, nos palácios da Renascença italiana, nos nossos belos edifícios modernos; menos afirmado, menos escrito talvez, menos areolado por essa soberania magistral que parece ser nas artes como nas letras a marca da antiguidade – em razão talvez da simplicidade de seus programas.

Tal é a verdadeira meta, a meta elevada da nossa arte. Certamente, nossa vida tem complicações, nossos programas têm exigências que não se pretendem à arte abstrata. Mas uma nobre abstração é como um farol do pensamento: não a atingimos, ela está acima do nosso alcance; mas não é mais que se dirigindo a ela que nós podemos seguir sem desviar da rota certeira: demo-nos esse ideal das belles époques, que não será copiado, ao contrário – posto que esse ideal é a sinceridade inteira de uma arte consciente que não busca mais que a perfeição com seus meios próprios, suas necessidades próprias – que não poderá ser perfeiçoado se não for em primeiro lugar seu próprio testemunho e seu único inspirador.

§

Mas para que essa impressão artística tão nobre possa ser experimentada, não é suficiente mais que a estabilidade seja real, e ainda que ela seja manifesta. Em arte, a admiração é um verdadeiro bem-estar, um contentamento de todo repouso, enquanto que o assombro não vai sem inquietação. Assim, a solidez evidente, incontestável, capta o espírito bem mais que a proeza; a admiração reserva-se, deve primeiramente convencer-se.

Essas duas impressões são bem sensíveis sobre um mesmo monumento, Notre-Dame de Paris.

Quando vocês virem a fachada principal, com suas torres tão monumentais, seus portais tão bem enquadrados, as linhas tão limpas de suas duas galerias, admirem o monumento em sua magnífica sanidade; sem os acidentes, sem as intempéries, sem os séculos que possam, ao parecer, destruir ou mesmo comprometer esse conjunto tão bem implantado, tão forte em suas proporções; a satisfação é inteira, nada lhe inquieta, e se esse sentimento não se analisa, ele se impõe sem embargo: admirem com ânimo, entregando-se por inteiro.

Deem a volta, e considerem a abside de Notre-Dame. Certamente, para o que vocês veem agora, foi preciso muita ciência e experiência, muita audácia afortunada. Concebemos a penas como se equilibram essas ações e essas reações, esses empuxos de dentro para fora, de fora para dentro. O monumento aparece como uma nave em seu canteiro de lançamento, mantido por suas escoras, e o espírito se pergunta que adviria se um choque, uma pedra rolada, comprometesse esse equilíbrio assombroso. Assombroso, sim – mas há que dizer, artificial e precário em comparação com essa maravilhosa fachada principal, tão majestosa na evidência de sua inquebrantável solidez.

Referência:
Julien Guadet, "Principes Directeurs", em seu Éléments et théorie de l'architecture, Librairie de la Construction Moderne, Paris, 1910, Tomo I, Livro II, Capítulo II, pp. 95-116.

Primeira edição em português. © Tradução: Igor Fracalossi

Sobre este autor
Cita: Igor Fracalossi. "Elementos e Teoria da Arquitetura: Princípios Diretores / Julien Guadet" 12 Mar 2015. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/763580/elementos-e-teoria-da-arquitetura-julien-guadet> ISSN 0719-8906

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