Olhando para os andares mais altos do novo Whitney Museum of American Art, pesadas nuvens atravessam diagonalmente o céu. Quando refletidas na grande janela da galeria principal do museu, elas parecem mudar de direção, ao mesmo tempo que a fachada branca reflete o claro e o escuro em resposta às mudanças das condições de luz. Sobreposto a esta cena, um letreiro em negrito pronuncia o título de um artigo: simples, mas dramático, "A New Whitney.”
Esta é a visão que os leitores tiveram a partir da análise de Michael Kimmelman sobre o Museu no New York Times. Corro os olhos rapidamente e a primeira coisa que encontro é uma lista de créditos: Jeremy Ashkenas e Alicia Desantis produziram o artigo; as ilustrações foram feitas por Mika Gröndahl, Yuliya Parshina-Kottas e Graham Roberts; e vídeos por Damon Winter (o editor por trás de todo o esforço, Mary Suh, não é mencionado).
Antes mesmo de ler as palavras de abertura do artigo, uma coisa é clara: esta não é apenas a crítica de um edifício. O artigo pode até mesmo ser o mais importante na memória arquitetônica recente.
Durante o resto do artigo, outros gráficos impressionantes são tecidos entre as palavras de Kimmelman, muitos deles aparecem automaticamente no momento certo à medida que os olhos do leitor descem. Um diagrama de Manhattan mostra a mudança do Whitney desde seu primeiro edifício de 1966, feito por Marcel Breuer no Upper East Side, até este novo projeto no Chelsea, na parte sul do High Line. Quatro vídeos com modelos 3D do edifício mostram as galerias, o passeio ao longo da rua e vistas panorâmicas da forma exterior do edifício. Finalmente, dois vídeos oferecem aos leitores um curto passeio pelas galerias do edifício em uso.
Transição da mídia para o digital
"Nós realmente queríamos ser capazes de criar um modelo para fazer críticas arquitetônicas online que faria muito mais uso de vocabulário e ferramentas digitais", explicou Michael Kimmelman em uma entrevista com o ArchDaily. "Nós fizemos um famoso - não sei quão famoso, mas bem conhecido - projeto chamado Snow Fall, e uma das perguntas era como isso se aplicaria a outros lugares?"
A modéstia de Kimmelman é equivocada. “Snow Fall", um relatório multimídia de seis partes feito em dezembro 2012 sobre uma avalanche trágica no Tunnel Creek, em Washington, é tão famoso quanto um trabalho jornalístico pode ser.
Ele ganhou um prêmio Pulitzer em escrita em 2013, um Peabody Award por ser "um exemplo espetacular do potencial narrativo na era digital" e um Webby por Melhor Uso de Vídeo Interativo. Antes de Snow Fall, as publicações de revistas e jornais na web tinham sido em grande parte um caso de mimetismo, com os editores simplesmente tentando organizar palavras e imagens de uma forma que se aproximasse dos gráficos finamente projetados. Os tópicos de uma linha inteira resultaram em uma infinidade de oportunidades perdidas de contar histórias, algo que Snow Fall tentou corrigir.
Na época, Poynter descreveu-o como "a criação de uma narrativa multimídia em uma direção emocionante", o The Wire chamou-o de "tão bonito que tem um monte de gente querendo saber - especialmente aqueles dentro do The New York Times - se a grande mídia está próxima de renunciar palavras e imagens para apresentar um conjunto muito maior." Em um artigo muito mais recente, Venture Beat disse que "quando a trajetória definitiva de contar histórias online for escrita, o pioneiro artigo Snow Fall do The New York Times terá seu próprio capítulo."
Agora, mais de dois anos depois, parece que o mundo da arquitetura está finalmente vivendo seu momento Snow Fall - como ele foi um grande passo para a mídia online, o artigo “A New Whitney” tem o potencial de ser ainda mais.
A evolução simbiótica da arquitetura e da mídia
Ao contrário de outras formas de jornalismo, na arquitetura muitos acreditam que o modo como os edifícios são representados na mídia tem, com efeito, o poder de mudar a forma como os arquitetos projetam. A fotografia tem estado por muito tempo na linha de frente dessa batalha. Em um artigo para The Architectural Review, por exemplo, Nicholas Olsberg descreve como Frank Lloyd Wright encomendava fotografias para comercializar seus projetos para o público americano, e como Erich Mendelsohn aperfeiçoou a técnica de produzir croquis "aparentemente espontâneos" de sua Einstein Tower com base em fotos finais do edifício. Olsberg escreve:
"Isto, talvez, seja apenas um pequeno passo no uso abusivo da fotografia, criando um hábito da mente que começa a conceber um projeto em relação ao angulo da câmera, ou a construção de um caminho que leva os turistas até o quase inacessível local, onde a câmera profissional capturou a famosa, mas de outra forma desconhecida, vista ascendente da Casa da Cascata - como se não tivéssemos visto a edificação corretamente até a vermos do ponto de vista que ela fora publicada." [1]
Usando exemplos mais recentes, em seu ensaio para o blog da Architectural Association, Saturated Space, Douglas Murphy conta como a transição do preto-e-branco para a fotografia colorida nos meios arquitetônicos ajudou a afirmar a transição da arquitetura austera e poderosamente formal do brutalismo e modernismo para uma estirpe particular de pós-modernismo vibrante:
"Os edifícios como o Piazza de Italia, de Charles Moore ou o Portland Office Block, de Michael Graves, simplesmente não teriam o impacto que tiveram sem a possibilidade de serem retratados em cores." [2]
Ele ainda conecta a fotografia em cores com as fachadas de vidro high-tech que são quase um padrão na arquitetura corporativa de hoje:
"A fotografia arquitetônica em preto e branco confia totalmente no claro-escuro para o seu efeito, em sombras lançadas por elementos, desvendando e escondendo-os, e realmente não consegue fazer jus aos reflexos de uma fachada envidraçada." [2]
Nos últimos anos, essa crítica da fotografia de arquitetura nos meios de comunicação tem se concentrado em um tipo particular de consciência de imagem no projeto de edifícios. Em 2012, Owen Hatherley escreveu um artigo para The Photographers’ Gallery, no qual, em partes, criticou a rápida proliferação de imagens em websites de arquitetura (incluindo o ArchDaily) como "uma escrava de uma cultura arquitetônica que já não tem interesse em nada além de sua própria imagem." [3] Finalmente, em janeiro deste ano o editor da The Architectural Review,Tom Wilkinson, escreveu:
"Um ciclo de feedbacks é estabelecido entre reprodução e produção, na medida em que alguns edifícios são evidentemente construídos como imagens, sua funcionalidade desaparece ... Apesar da familiaridade dessa crítica, editores (incluindo eu) e fotógrafos são tão emaranhados nas redes institucionais da produção arquitetônica que as imagens críticas foram submetidas a um tabu iconoclasta. "[4]
O início dos anos 2000, talvez, representa a era da relação mais estreita entre a arquitetura e fotografia, como uma espécie particular de arquitetura que encontrou o sucesso na imagem tanto comercialmente quanto criticamente. Mas a recessão global de 2008 mudou essa relação de forma dramática; para muitas pessoas, o chamado desenho "icônico" tornou-se símbolo de despesas supérfluas utilizado pelos privilegiados o suficiente para serem capazes de encomendar um edifício. Por cerca de sete anos, a mídia arquitetônica exibiu um cisma persistente entre a opinião expressa de escritores e as imagens escolhidas para transmitir um projeto. Mas se o desenvolvimento simbiótico da arquitetura e de sua mídia de representação está interrompido, como é que podemos ter a esperança de, mais uma vez, progredir no campo projetual?
Entra em cena o The New York Times.
Um novo paradigma para a mídia arquitetônica
O contexto desafiador da publicação de arquitetura é, naturalmente, algo de que Michael Kimmelman e seu editor Mary Suh estavam bem cientes quando planejaram o artigo “A New Whitney.”
"Não se trata de sinos e assobios, trata-se de oferecer das mais profundas e ricas camadas de informação que são pertinentes ao assunto", explica Kimmelman. "Havia coisas das quais eu estava muito satisfeito em fazer que eram completamente novas na crítica arquitetônica - e não digo isto tomando para mim os créditos, pois isso foi a equipe digital que fez, eu apenas estava no meio".
Kimmelman está firmemente associado ao grupo de críticos que acredita que um edifício deve ser muito mais complexo do que a fotografia pode comunicar. "Do meu ponto de vista, a arquitetura trata de edifícios no contexto. Prédios não existem no vácuo", afirma ele. "Eles não são apenas imagens que podem animar a forma como eles realmente existem em uma rua, em um bairro, em uma comunidade, a maneira de olhar a partir de diferentes perspectivas - o fato é que não é apenas analisar as laterais dos edifícios, mas o seu interior. Eles têm de funcionar, e ver como eles funcionam também é uma parte muito importante para analisá-los".
Com "A New Whitney," o The New York Times apresentou a primeira evidência convincente de que, através da conexão com a arte digital, a arquitetura pode ser apresentada de uma forma que reconhece a complexidade espacial em uma gama de escalas, continuando visualmente arrebatadora - e Kimmelman quer fazer parte da vanguarda dessa transição:
"Eu acho que quanto mais informações nós pudermos fornecer e quanto mais pudermos fazê-lo de uma forma que é, ao mesmo tempo, precisa e emocionante, é algo ótimo. O que todas essas ferramentas digitais nos deram é uma forma de contar a história de uma maneira mais complexa, e devemos aproveitá-las como fazemos em outras áreas jornalísticas. Não há nenhuma razão para que a arquitetura não esteja na vanguarda dessas mudanças. "
Em certo sentido, o Museu Whitney era um edifício ideal para testar esta nova maneira. "Dependia da minha confiança em ser capaz de dizer coisas sobre o edifício para merecer uma atenção tão grande," Kimmelman revela. "Eu não tenho que gostar inteiramente - como de fato não gosto - mas eu tinha que ser capaz de escrever algo útil."
Mais do que isso, o edifício era perfeito pois era, em alguns aspectos, a antítese dos edifícios que surgiram na era da duplicidade fotográfica. Em suma, é feio, ou "deselegante", como Kimmelman escreve em sua avaliação; "Ele claramente evoluiu de dentro para fora, um servo do pragmatismo com algumas anomalias de zoneamento." Com tanta ênfase em suas funções interiores, sua relação com a rua, e também sua relação com o High Line e com a cidade em si, o edifício quase exigiu a representação não convencional que recebeu do The New York Times.
"Eu só acho que a linguagem pela qual discutimos a arquitetura precisa ser enriquecida em todas as maneiras... Eu acho que o mesmo acontece com a nossa capacidade de falar sobre arquitetura visualmente, online. Parece-me que tudo é parte de reconhecer a complexidade e a riqueza da arquitetura em nossas vidas. Estas não são apenas palavras sem sentido, eu realmente quero dizer isso. É enriquecendo nossa maneira de pensar sobre a arquitetura que reconhecemos a sua complexidade", conclui Kimmelman.
Desafios de um novo método
Esta tentativa de mudar drasticamente a maneira como pensamos a mídia arquitetônica não surgiu repentinamente. Os não menos importantes desafios logísticos envolvidos na criação de um artigo que exigiu oito pessoas, a colaboração do próprio museu e meses de planejamento estão claros em minha discussão com Kimmelman. "Eu precisava ver o edifício - repetidamente - para ter alguma ideia de que tipo de recursos incluiria, que tipo de recursos visuais seriam mais adequados", diz ele. "Ao mesmo tempo, as pessoas da parte digital precisavam conhecer o edifício para saber o que seria possível, para entender o que eu estava falando e, por fim, formularem suas próprias ideias."
Para a equipe de produção, uma parcela significativa dessas visitas também implicou a compilação de dados suficientes para reproduzir o edifício como um modelo 3D, que foi então enviado para os arquitetos do Renzo Piano Building Workshop para aprovação.
Kimmelman também admite que o estilo de apresentação exigiu "alguns rearranjos de materiais" - pequenos ajustes para sua revisão que permitiriam "uma estimulação dos recursos digitais de maneiras diferentes", embora ele esteja confiante de que o resultado "foi fiel ao que eu teria dito, mais ou menos do jeito que eu disse, porém encaixando-se com o layout necessário. "Talvez igualmente desafiadora, toda esta adaptação à tecnologia digital teve que ser utilizada sem comprometer os sistemas antigos.; "Claro, nós ainda imprimimos um jornal", menciona Kimmelman, por isso "o texto, ao fim, ainda precisa ser autossuficiente."
Rumo a uma nova mídia arquitetônica
Então, o artigo “A New Whitney” é o começo de algo totalmente diferente, ou é apenas fogo de palha? Kimmelman está relutante pelo fato de ser muito distinto do que comumente se apresenta no The New York Times - afinal, o artigo precisou da ajuda de sete outras pessoas, muitos dos quais têm compromissos com todo o jornal. Mas ele é claro quando se trata de suas intenções: "Minha esperança é que isto possa ser feito regularmente. Não cada avaliação, não todos os edifícios, mas sim, eu gostaria de estabelecer uma nova forma de fazer críticas de arquitetura. Este é o meu desejo, mas eu sei que não depende somente de mim". (Em outro e-mail, Kimmelman confirma a influência do editor Mary Suh, dizendo que "nós compartilhamos o desejo de repensar a maneira como a crítica arquitetônica tem sido feita".)
Quando se trata do resto do cenário da mídia arquitetônica, sua resposta é mais inequívoca: "Eu não acho que qualquer um de nós comanda o mundo digital. A inovação é algo que se alimenta de outras inovações. Eu espero que continuemos a fazer isso em um nível muito alto, que talvez não seja fácil de imitar, mas estou bastante certo de que haverá grandes mudanças - e nós não estamos sozinhos, isso é certo. "
Com o “A New Whitney,” o The New York Times lançou um desafio para o resto do mundo arquitetônico. Eles provaram que uma forma diferente de representar a arquitetura na mídia não só é possível, mas também é tão visualmente atraente quanto a forma usual - e, mais importante, que pode ajudar a promover uma nova direção na arquitetura que tantas vozes têm clamado há muito tempo. Agora, tanto para os meios de comunicação como para os arquitetos que podem ajudá-los disponibilizando materiais de publicação para seus projetos:
É hora de parar de falar e agir.
Referências
- Nicholas Olsberg, “Shattered Glass: The history of architectural photography,” The Architectural Review, Dezembro 22 2013.
- Douglas Murphy, “Two Photographies,” Saturated Space, Março10 2014.
- Owen Hatherley, “Owen Hatherley on Photography and Modern Architecture,” The Photographers’ Gallery, Dezembro 10 2012.
- Tom Wilkinson, “The Polemical Snapshot: Architectural Photography in the Age of Social Media,” The Architectural Review, Janeiro 15 2015.
Imagem de Capa: imagem de MacBook Pro por Neved via deviantART, screencast do “A New Whitney” cortesia de The New York Times.