A Eames Case Study House #8, conhecida popularmente como Residência Eames, é apresentada como um caleidoscópio de detalhes. Até hoje é considerada uma das residências mais funcionais da história da arquitetura, sendo seus residentes, os designers Charles e Ray Eames, arquitetos responsáveis pela obra. Eles registraram o dia a dia como uma celebração, os rituais cotidianos de trabalho e a hospitalidade através do uso do vídeo e da fotografia. Este espetáculo da vida oculta mostra que a casa dos Eames era estruturalmente em si mesma uma espécie de teatro. Ao examinar a residência com um modelo Archilogic 3D interativo é possível revelar certos detalhes que passam desapercebidos inclusive para os mais familiarizados com esta obra.
A interpretação padrão da Residência Eames foi feita através da sua busca pela humanização do detalhe. O filme “House: after five years of living,” feito pelos Eames em 1955, está centrado nas flores, conchas do mar, obras de arte, tecidos, objetos naturais e artefatos artesanais que enfatizam materiais orgânicos, texturas e rastros do uso pessoal. Criando um contraste com a percepção geral de que as estruturas pré-fabricadas são "frias" e impessoais - uma solução a produção em massa de moradias exigida após a Segunda Guerra Mundial - o filme é "cálido", íntimo, doméstico e tátil. A ênfase na improvisação e na urgência é salientada pela trilha sonora de jazz feita por Elmer Bernstein.
O filme dos Eames obteve tanto êxito em estabelecer um tom para a interpretação da residência que ainda domina nas leituras que esta possui hoje. O filme oculta a estrutura e se centra na coleção de lembranças, flashes de detalhes em vez de considerar as relações espaciais. Talvez é ainda mais significativa a forma na qual os Eames exploram a capacidade paradoxal da fotografia para capturar a temporalidade. Além de texturas, buscam também sombras, o jogo de luz através das aberturas e os reflexos sobre o vidro polido. O que estranhamente omite este filme é a característica puramente estrutural da casa Eames.
Por esta razão, recorrer a uma versão reduzida da Residência Eames em uma realidade virtual se apresenta como um verdadeiro choque. De fato, a estrutura interior da residência é similar a câmera reflex que os Eames utilizavam, inclusive para tirar as fotos da própria casa.
Livre dos detalhes, a residência se revela como uma estrutura racional. Javier Berzal de Dios* recentemente descreveu como os primeiros teatros renascentistas foram desenhados para que o público dedicasse a mesma atenção ao espetáculo e ao local - essencialmente existem dois cenários, o dos atores e o dos espectadores. A disposição da Casa Eames é similar. Existem dois espaços de pé-direito duplo nos quais se realizam atividades de trabalho e as cotidianas, que podem ser lidos como cenários teatrais. São espaços fotogênicos e visíveis de quase todos os ângulos. Surpreendentemente, os mezaninos chamados de "espaços de armazenamento" do estúdio e do dormitório também funcionavam como espaços teatrais, flutuando sobre o cenário principal. Ambos são palcos para a celebração da vida diária, mesmo o cômodo sendo mais exclusivo, graças ao discreto corrimão da escada caracol que conduz à ela, em contraste com as escadas mais públicas subindo até o mezanino do estúdio. Inclusive os painéis alternados de cores claras e brilhantes instigam o visitante a continuar em um estado de voyeurismo.
Mas, para quem era este teatro? Para os hóspedes do arquiteto. Como disse Charles Eames, "o papel do arquiteto ou do designer é ser um bom anfitrião, cujas energias vão tratar de antecipar as necessidades dos seus clientes"**.Contrariamente, quando atuava como anfitrião, Eames também atuava como um designer. Uma parte na criação de uma arquitetura persuasiva era a atuação da arquitetura para os hóspedes. Na casa Eames, o espaço da vida doméstica reflete o estúdio, a cozinha atua como um doppelgänger no cômodo escuro. Ambos são espaços habitáveis que reúnem atividades cênicas de trabalho, onde as experiências são preparadas a fim de que possam ser relembradas e gravadas simultaneamente: consumida e compartilhada, estimada e distribuída, pública e privada. A Casa Eames era estruturalmente moderna, mas era conceitualmente avançada no seu tempo.
A qualidade teatral é acentuada pelo fato de que a edificação foi utilizada em várias ocasiões como um set para sessões fotográficas de revistas como Life e Vogue. Existe inclusive um curta-metragem pelo Ice Cube que celebra a casa.
Os Eames não foram os únicos que se deram conta de que a casa de um arquiteto deveria ser um teatro para a arquitetura. A "Glass House" de Philip Johnson, sem dúvida também tinha o mesmo efeito, a arquitetura alterava entre ser o objeto escultórico, flutuando na paisagem e uma moldura para a vista da própria paisagem. A privacidade era uma terceira preocupação, finalmente isto levou Johnson a mudar-se de casa e viver na dos hóspedes, longe da sensação de exibicionismo imposta pelas paredes de vidro.
Do mesmo modo, o sistema "bi-nuclear" de Breuer se desenvolveu a fim de que uma residência doméstica poderia ter um sistema duplo de circulação, um completamente privado (uma série de pequenos cômodos e banheiros) e outro semi-público (cozinha e sala de jantar). A Casa Eames se situa tanto cronologicamente e estruturalmente em um exitoso meio-termo entre Breuer e Johnson. Os dois espaços (anfitriões e privados) estão separados por um pátio, em vez de estar completamente separados estruturalmente (como no caso da casa de vidro e a casa de hóspedes de Jonhson).
Utilizando o modelo desenvolvido por Michael Peguero, em Archilogic, desenvolveu-se um nova leitura visual da Casa Eames que torna a forma mais compreensível. Ao passar da fotografia para a animação 3D, é possível ver a Casa Eames em de uma maneira completamente nova.
Comece o tour pelo modelo acima ou através deste link. A animação guiará você através dos diferentes espaços da obra e finalmente lhe deixará mobiliar sua própria Casa Eames.
- No canto inferior esquerdo da tela, o ícone de níveis permitirão escolher entre os dois níveis.
- O ícone da câmera repetirá a animação.
- O ícone da planta baixa, 'dollhouse' e o ícone da pessoa muda o ângulo de visão
- A barra de tarefas do menu a direita contém a conta, o interior e o menu para compartilhar.
Referências:
* Javier Berzal de Dios, “The Question of the Apparato: Plurality and Enclosure in Renaissance Theatrical Environments” (College Art Association, New York, Quarta-feira, Fevereiro 11, 2015)
† Digby Diehl, “Charles Eames: Q & A”, Los Angeles Times West Magazine, 8 Outubro 1972, p14