Nesta nova colaboração titulada originalmente Cartografias do Metaverso, os arquitetos espanhóis Enrique Parra e Manuel Saga - fundadores do blog MetaSpace- exploram o potencial da cartografia nos jogos de computador, uma ferramenta que às vezes sobrepassa o papel de mero orientador, como na sequencia Diablo e torna-se um elemento gravitante dos jogos, como em Civilization e World of Warcraft.
A linguagem cartográfica e planimétrica próprias da arquitetura é comum também no mundo dos videogames. Muitos deles baseiam grande parte da sua experiência na interação com um ou vários mapas sobre os quais nos orientamos, descobrimos em que ponto nos encontramos e para onde se supõe que devemos nos dirigir.
Exemplo disto é a saga Civilization, uma série de jogos de gestão de impérios publicados desde 1991 até hoje. Todas suas versões se desenvolvem sobre um mapa, uma visão geográfica do mundo que representa suas distintas áreas, os recursos disponíveis, o equilíbrio geopolítico e outros fatores. Estas variantes constituem as regras a seguir. a situação a enfrentar; o mapa converte-se em um tecido dinâmico, ou seja, a interface que permite o jogo.
Entretanto, a ideia do mapa nem sempre funciona como interface nos videogames. Tradicionalmente, tem sido utilizado como um apoio, uma referência que apoia a experiência principal. Em ocasiões representam localizações reais, outras vezes trata-se de cenários inventados, mas sempre possuem uma linguagem gráfica exclusivamente pensada para se adequar ao clima geral do jogo. Por exemplo, o estilo visual de Assassin's Creed se caracteriza por suas cidades históricas fielmente representadas, com uma interface simples e elegante, de tons neutros. O desenho dos seus mapas encaixa-se totalmente nesta descrição. Por outro lado, os mapas de The Elder Scroll transmitem o tom épico dos seus entornos fantasiosos.
Seja como interface principal ou como ferramenta de consulta, o desenho do mapa de um videogame é sempre um desafio intimamente conectado à experiência que se busca para o jogador. Se está à procura um ritmo de ação rápida o mapa será uma ferramenta discreta em uma esquina da tela, ou um elemento que aparecerá esporadicamente para ser consultado em menos de um segundo como em Diablo III. Ao contrário disso, se está à procura de um ritmo lento onde o jogador deve meditar cada decisão, o mapa deve ser capaz de permitir a gestão de múltiplas varáveis com facilidade e ser capaz de concentrar uma grande quantidade de informação com um estilo agradável à visão e que não canse.
Em certas ocasiões, o mapa é o responsável em nos propor um desafio, como ocorre em Lands of Lore: os entornos são muito labirínticos e a interface facilita que nos percamos, ao mesmo tempo em que a tela do mapa é externa à ação principal. Isso leva a supor que devemos consultá-lo repetidamente e tentar memorizá-lo, desenhar esquemas ou inventar nosso próprio sistema para não dar voltas em círculo.
Um bom exemplo neste sentido é The Legend of Kyrandia, publicado em 1992 e desenhado por Westwood Studios, o mesmo estúdio de Lands of Lore. Nesta aventura gráfica existem labirintos onde é fácil se perder, o qual costuma supor uma morte rápida e dolorosa. Entretanto, o jogo não facilita nenhum tipo de mapa, ou planta, nada parecido. Em uma época onde não existiam os fóruns de guias na internet, éramos nós mesmos que nos víamos obrigados a desenhar nosso próprio mapa.
Sempre será curioso para mim o fato de que todos as crianças do meu bairro que desenhavam mapas para solucionar este jogo (ali por 1995), acabávamos desenhando coisas muito similares. E mais, se hoje visitamos páginas de abandonware e jogos retro, os mapas que encontraremos são também muito parecidos entre si. A experiência espacial do jogo determinou o modo de representar sua estrutura, mas além das diferenças culturais ou de gerações.
No outro extremo encontramos os jogos massivos em linha (MMO, Massice Multiplayer Online) como Lineage ou World of Warcraft (WoW), onde a pesar do repertório de mapas que costumam oferecer, a quantidade de jogadores, personagens, inimigos e atividades a realizar sempre sobrepassam o trabalho original dos produtores.
Para solucionar este problema, a mesma comunidade de jogadores se encarrega de programas complementos ou páginas web onde a informação se classifica e se georreferencia. Realizam-se assim, mapas de inimigos raros, recursos, rotas de viagem, esconderijos, entre outros. A lógica interna destes mapas é exatamente igual a de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) profissional: camadas de dados e coordenadas relacionadas entre si e é muito provável que qualquer usuário habituado aos add-ons de World of Warcraft poderia aprender ArSIG sem nenhum problema, já o utiliza há anos.
A ideia de georreferenciar dados em tempo real sobre um espaço de jogos não é nova, temos visto posto em prática nas notícias de esporte. Entretanto, aplicada ao campo de videogames, abre um campo de possibilidades quase tão infinitas como no mundo físico: em títulos que apresentam um campo de jogo limitado como League of Legends, oferecem uma grande quantidade de dados, muito útil para avaliar partidas que se caracterizam por sua alta competitividade.
Em jogos de mapa aberto como Grand Theft Auto poderiam servir para avaliar o desenho de sua experiência ou para criar vínculos entre os jogadores: quais são as áreas mais visitadas pelos jogadores franceses de Arkham City? Em que áreas de Constantinopla se concentra a ação de Assassin's Creed Revelations? Quantos dos viciados neste jogo atreveram-se a escalar as quatro minaretes de Santa Sofia?
Resumindo, poderíamos tirar quatro conclusões:
- O desenho do mapa e a interação do jogador com ele é uma parte essencial no projeto de um videogame.
- Sua aparência a nível gráfico responde portanto a este jogo, a experiência de controle, insegurança, exploração ou ação que se quer transmitir.
- Nos títulos competitivos, o mapa representa o campo de jogo. Cada esquina, cada pequena modificação, tem uma importância crucial, como as posições que assumem os jogadores. O segmento deste posicionamento é uma necessidade para a equipe ganhadora.
- Nos títulos de mapa aberto, a experiência de jogo frequentemente sobrepassa a informação abordada pelos mapas.
Neste sentido, alguém que tenha experiência em videogames possui necessariamente experiência sobre como seus espaços são representados. Isto supõe uma aproximação ao grande público da linguagem cartográfica e arquitetônica como nunca havia acontecido até o momento. Durante todo o século XX, as crianças jogavam com blocos de construção, criando espaços arquitetônicos, mas o videogame trabalha diretamente com a representação destes espaços, com a abstração da experiência. Como isto diferencia o estudante de arquitetura de hoje em dia, que tem um conhecimento em linguagem arquitetônica totalmente diferente de 20 anos atrás?
Nota: este artigo foi publicado originalmente em 20 de novembro de 2015
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