Este artigo, escrito pela fundadora de Paperhouse, Joana Pacheco, foi originalmente publicado na Metropolis Magazine como "Aravena's Small Step, Open Source's Big Leap."
Quando Alejandro Aravena foi o ganhador do Prêmio Pritzker no início de abril, fez um anúncio importante: os desenhos de quatro de seus projetos de moradia social estariam desde aquele dia disponíveis no site do Elemental para uso livre.
Através do trabalho do seu escritório Elemental, Aravena é conhecido por seu interesse no desenho participativo de moradia incremental: um modo de trabalhar que está ligado às limitações de orçamento e que se converte em pedra angular do trabalho do estúdio Elemental. O lema - que foca naquilo que é difícil de conseguir, que não se pode fazer de forma individual e que garante o bem estar comum no futuro - tem como resultado a 'metade de uma casa'. Apresentado pela primeira vez há mais de uma década, o modelo consiste em um espaço expansível de 40 metros quadrados, que conta com a infraestrutura básica incorporada (divisões, estrutura e paredes contra-incêndio, banheiros, cozinha, escadas, coberturas) a qual se pode adicionar recintos ao longo do tempo. Não se trata somente de um caso exitoso a partir de um ponto de vista conceitual e de gestão de projetos, mas também têm como resultado um projeto estético aberto e diverso. A partir desta única ideia, pode-se originar mais de 100 variações.
Muito se tem escrito sobre o desenho participativo como uma forma de enfrentar os desafios de uma urbanização e pobreza urbana sem precedentes, mas pouco se tem escrito sobre a forma em que o intercambio de informação pode ser um impulso positivo na indústria da construção. A ideia do open source não precisa estar restringida a vivência social para aquelas nações mais fortemente afetadas pela pobreza urbana. De fato, a moradia é a principal dívida financeira da classe média nos países desenvolvidos. Segundo a Federal Reserve Board and Bureau of Economic Analysis, a relação entre a dívida e lucro das famílias estadunidenses em 1945 era de 17% e a dívida hipotecária apresentava 3/4 do total. Em 1950 alcançou 31%, enquanto em 1960 já era de 55%. Em 2001, 100%. Mesmo alcançando um pico de 122% em 2005, a relação entre a dívida e receita segue acima de 100% no dia de hoje, e a moradia representa entre 70% e 75% do total. As dívidas hipotecárias minimizam o resto das outras dívidas.
O choque do valor real e especulativo da moradia desencadeou a crise financeira de 2009, cujas repercussões continuam sendo sentidas em todos os setores. Este recente evento deve fazer-nos pensar coletivamente em maneiras de reduzir custos e melhorar o estoque de moradias.
As economias imobiliárias são um tema de oferta e demanda, onde a demanda é composta por todos os compradores e arrendatários, enquanto que o lado da oferta consiste em terras, mão-de-obra e materiais de construção. Nos Estados Unidos, a decomposição do custo de uma nova casa é: compra de terreno (10%) , melhoras do prédio (11%), mão-de-obra (26%), materiais (31%), financiamento (3%), impostos administrativos e de marketing (19%). Os serviços de arquitetura podem agregar 8-15% a este total, levando a maioria das pessoas a desistir de qualquer item de desenho, pois já suportam um balanço de orçamento de 40/60 entre tangíveis versus serviços. Por outra parte, estes custos evitam que a classe média cresça e diversifique seus investimentos em um melhor futuro.
Ignorando, por um momento, os problemas de escassez de material e segurança do abastecimento, e focando somente nestes números, podemos ver que a mão-de-obra alcança aproximadamente um terço do custo de uma casa, enquanto os serviços (administrativos, financiamento, comercialização, arquitetura e engenharia) representam outro terço. Se aumentamos o papel da tecnologia e compartilharmos informações livremente sobre todas as partes de um projeto, desde o desenho até a fabricação, não somente podemos diminuir os custos de desenvolvimento da moradia, mas também melhorar sua qualidade.
Esta ideia, claro, é profundamente prejudicial para os interessados no setor da construção.
Dois anos atrás, quando Nick Dangerfield e eu criamos a Paperhouses, uma plataforma online que desenvolve plantas, modelos e imagens de moradias para seu livre acesso público, queríamos trazer a ideia do open source a 'prancheta'. Estávamos seguros de que era a única resposta viável a este grande problema que enfrenta a arquitetura. O open source permite que a arquitetura diversifique-se e multiplique-se, impulsionando a inovação sem nenhum tipo de limitação de velocidade ou escala.
Entretanto, minha suposição foi que ninguém se uniria, a noção do open source no desenho não é simples. O reconhecimento e a autenticidade são, sem dúvidas, o centro das preocupações do projetista. São bandeiras em uma luta pela sobrevivência e a importância, poderosas e temíveis ao mesmo tempo. Eu somente pude ver o medo, quase horror, do projetista ao lhes sugerir que seus trabalhos arquitetônicos poderiam ser peças de barro que qualquer um poderia montar. A pesar disso, a ideia era muito bonita e poderosa para abandoná-la. Para minha surpresa, muitas pessoas talentosas se uniram: Rintala-Eggertsson architects, ganhadores do Global Award for Sustainable Architecture; Panorama Arquitectos, nominados ao Top 20 Young Architectural Talents da revista Wallpaper em 2013; Sporaarchitects, nomeados ao Mies van der Rohe award em 2015; e Tatiana Bilbao, Berlin Art Prize 2012, entre outros cujas casas logo estarão disponíveis através do Paperhouses.
A recente iniciativa de Aravena em liberar quatro dos seus projetos construídos inicia um longo caminho para promover os benefícios públicos e sociais da colaboração e do intercambio de informação. Ele, deliberadamente, renunciou aos direitos exclusivos de uso, o que significa ceder todos os lucros associados a execução destes desenhos. Fazendo isso, ele reconheceu que o papel mais importante destes projetos é inspirar outros a facilitar soluções aos problemas de moradia que enfrenta nosso mundo em sua rápida urbanização. Para poder outorgar vida própria a um trabalho, sem preconceitos, sem controle e sem medo, é um grande exemplo para a comunidade arquitetônica. O último movimento atrevido de Aravena me dá ainda mais certeza de que o open source se tornará uma iniciativa comum que libertará o desenho e revolucionará a construção de moradias.