Estudar os meios mais sustentáveis e “corretos” de se construir uma cidade para pessoas pode resultar em um conflito entre o que é “certo” e o que é “correto”, ou seja, entre duas boas ideias. Sim, entre princípios que buscam o melhor para as cidades também existem dualidades. Densidade versus altura é uma delas.
Pensando em espaço, densidade diz respeito à concentração de coisas e pessoas. Ela define a forma como a cidade é sentida e vivenciada, mas em muitos casos remete a maiores alturas de prédios, que permitem mais pessoas por quilômetro quadrado. Do outro lado das duas discussões há arquitetos como o dinamarquês Jan Gehl, com sua teoria das cidades construídas em “escala-humana”, priorizando “vida, espaço, prédios”, nessa ordem. “Acertar a mão” na densidade, no entanto, pode ser complicado. Pensar em locais densos pode remeter a grandes alturas, amplo número de pessoas, carros e congestionamentos, perda de privacidade e até de luz do sol.
Estudiosos defendem que cidades mais compactas, com densidades gerais mais altas podem manter um transporte público mais barato e melhor, promover eficiência energética em prédios, igualidade social, entre outros benefícios. O Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) é um modelo que busca reorientar as políticas e estratégias de planejamento e desenho urbano, através da construção de bairros compactos, de alta densidade, que proporcionam às pessoas diversidade de usos, serviços e espaços públicos seguros e ativos, favorecendo a interação social. “Uma comunidade urbana sustentável deve prover uma densidade e uma variedade de atividades não habitacionais que se complementem com a moradia e o espaço público, ativado, por sua vez, por redes de mobilidade não motorizada e conexões com a rede de transporte coletivo”, diz a publicação.
Segundo estudo do New Climate Economy de 2015, cidades dispersas custam à economia americana US$ 1 trilhão por ano. A análise indica que a dispersão garante muitos benefícios (aumenta a renda per capita de terreno urbanizado e o desenvolvimento de infraestrutura, por exemplo), mas direcionados somente às pessoas que lá vivem, enquanto gera muitos custos ao restante da sociedade (maiores distâncias a serem percorridas, necessidade de mais quilômetros de infraestruturas, para saneamento, iluminação e etc). Anualmente, mais de US$ 400 bilhões são gastos em custos externos e US$ 625 bilhões em custos internos.
Os altos prédios parecem estar se popularizando nos últimos anos. Só em 2015, 106 edifícios de 200 metros ou mais foram finalizados ao redor do mundo, de acordo com dados do Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH). O número bate o recorde do ano anterior, de 99 edificações. A última década também viu mais de 650 altas construções serem concluídas, um grande aumento em relação aos 265 dos anos 2000.
Propor grandes densidades não requer transformar cidades inteiras em corredores de altos prédios. Porém, locais de grande e organizado fluxo de transporte coletivo e que disponibilizem serviços básicos a pequenas distâncias devem ser mais densos e, portanto, com maiores alturas. A questão-chave nas cidades pode estar em se certificar de que elas não sejam tão verticais, lá nas alturas, e nem tão horizontais, que se estiquem e espalhem em extensão.
Talvez o que permeie essa “disputa” seja o exagero das alturas. Quando planejadores urbanos descobriram os benefícios de desenvolver densidades, eles logo pediram por prédios altos, quanto mais altos, melhor, para acomodar mais pessoas. Porém, não precisa ser assim. Quadras podem abrigar diversas edificações de baixa e média altura e atingir grandes densidades. Talvez a melhor forma de ilustrar isso seja o bairro Eixample, em Barcelona, que abriga 35 mil habitantes por quilômetro quadrado (densidade considerada alta) – em prédios de cinco andares na média.
Outra boa reflexão é comparar Paris e Manhattan, por exemplo. Ambas metrópoles com altas densidades, a primeira com 21,616 pessoas por quilômetro quadrado e a segunda com 27,812 pessoas por quilômetro quadrado, possuem vistas panorâmicas completamente diferentes. De 1977 a 2008, Paris proibiu a construção de prédios com mais de 37 metros de altura (12 andares). Após o fim da regra, seis locais da cidade foram escolhidos para a construção de prédios com até 50 metros de altura e de outros com alturas que podem chegar a até 150 ou 200 metros. Atualmente, o projeto do arranha-céus Triangle, uma pirâmide de vidro de 180 metros de altura provoca polêmica na cidade. Uma pesquisa apontou que 62% dos parisienses são contra a construção de espigões, e o Triangle gera grande rejeição popular.
A maioria das pessoas tendem a buscar locais que elas possam ver horizontes, e não paredes. A cidade “ao nível dos olhos” passa, hoje, pela ideia de conectar público com privado – os plinths -, e também pela concepção de locais onde ocorrem as interações e que se tornam mais seguros pela presença de pessoas. Arquitetos e designers sugerem uma ideia que pode atrair pedestres e moradores para o meio de altos prédios. Kaid Benfield, co-fundador do sistema de classificação LEED’s Neighborhood Development e da coalizão Smart Growth America, lamenta a construção de prédios com dezenas de andares. No entanto, em nome do “crescimento inteligente”, poderia ser construído um térreo que permita a caminhabilidade e a conexão da construção com a rua.
“Admito que não é impossível construir atraentes arranha-céus que trazem benefícios para os bairros e para o planeta. Crescimento inteligente e seus defensores devem ser mais exigentes, e devemos lembrar que vendemos ideias com imagens de projetos de escala humana por uma razão. Elas trabalham para as pessoas assim como por ideologia”, afirma Benfield.
Publicado originalmente em The CityFix Brasil, com o mesmo título, em agosto de 2016.