“Transporte não é uma finalidade em si, mas sim um meio que permite às pessoas acesso a qualquer necessidade: emprego, mercados e bens, interação social, educação e uma série de outros serviços que contribuem para vidas saudáveis e plenas.” Essa é a importância que o transporte detém no contexto urbano e é reconhecida pelas Nações Unidas em seu recém-lançado relatório intitulado “Mobilizando o Transporte Sustentável pelo Desenvolvimento”. O documento tem o objetivo de fornecer orientações sobre o transporte sustentável que os países devem seguir até 2030.
De acordo com o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, o setor de transporte ainda não recebe o reconhecimento adequado em relação à contribuição que tem a dar no combate às mudanças climáticas. Para mudar esse entendimento, a organização reuniu uma comissão de 16 especialistas da área para reunir diretrizes que podem auxiliar no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e do Acordo de Paris.
O texto contempla as tendências globais de urbanização, alterações demográficas e globalização, assim como os progressos tecnológicos. “Há uma necessidade urgente de ações para lidar com os custos sociais, ambientais e econômicos surpreendentes associados à maneira como é encarado o transporte: todos os anos, 1,24 milhões de pessoas morrem em acidentes viários e 3,5 milhões de pessoas morrem prematuramente devido a poluição do ar, incluindo a poluição originada do transporte; 23% das emissões de gases de efeito estufa relacionados a energia vem do transporte; congestionamentos são um enorme fardo para a economia, atualmente correspondendo a 0,7% do PIB dos Estados Unidos, 2% do PIB Europeu, 2-5% do PIB da Ásia, e até mais do que 10% do PIB em algumas cidades de economias emergentes, incluindo Beijing, São Paulo e Lima”, destaca o relatório.
O grupo de especialistas lista, então, dez orientações às nações. São elas:
- Planejar e direcionar investimentos baseados em três dimensões do desenvolvimento sustentável – desenvolvimento social, impactos ambientais e crescimento econômico;
- Integrar todos os esforços de planeamento de transportes sustentáveis com um balanço apropriado dos modos de transporte: integração vertical entre níveis de governo e horizontalmente entre modos, territórios e setores;
- Criar estruturas institucionais, legais e regulamentares de apoio para promover o transporte sustentável e eficaz;
- Desenvolver a capacidade técnica dos planejadores e implementadores de transportes, especialmente em países em desenvolvimento, através de parcerias com organizações internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento e governos em todos os níveis, para garantir acesso equitativo a mercados, postos de trabalho, educação e outras necessidades;
- Reforçar esforços na prevenção de mortes e lesões de trânsito;
- Fomentar um público informado e engajado como parceiro crucial para o avanço das soluções de transporte sustentável;
- Estabelecer estruturas de monitoramento e avaliação do transporte sustentável e criar capacidade para coletar e analisar dados e estatísticas sólidas e confiáveis;
- Promover fontes de financiamento diversificadas e estruturas fiscais coerentes para promover sistemas, iniciativas e projetos de transportes sustentáveis;
- Ampliar o financiamento internacional do desenvolvimento e o financiamento climático para o transporte sustentável;
- Promover tecnologia de transporte sustentável através de investimentos governamentais orientados por resultados e políticas que incentivem investimentos do setor privado e ações por meio de diversas estruturas de estímulo.
A ideia que norteia o documento é a de que o transporte significa o acesso das pessoas a todas as suas necessidades. A organização vê no setor a forma de alcançar todos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos em 2015 e que devem ser cumpridos até 2030.
A concepção de “acesso”, por décadas, foi entendida como “prover infraestrutura para o transporte motorizado e individual”. “A motivação era acesso para o transporte”, destaca o texto. Hoje, a busca é pelo acesso ao transporte, com foco nas pessoas e na qualidade de vida. “A Agenda 2030 apenas terá sucesso se alcançar todos os países, todas as comunidades e todas as pessoas – se ninguém for deixado para trás.”
Joinville é exemplo de “como fazer” no Brasil
Segundo o relatório, a concepção dos planos de mobilidade urbana sustentáveis ocorreu na Europa por meio da ideia de “planejar para pessoas”. A Lei 12.587, que institui as diretrizes brasileiras da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), é tida pelo documento da ONU como uma adaptação ao modelo europeu, sendo uma obrigação e condição para 3,300 cidades receberem financiamentos para a infraestrutura de transporte. De acordo com uma pesquisa realizada neste ano pelo Ministério das Cidades, com cerca de 1,500 cidades, apenas 5,9% delas já tinham seus planos de mobilidade, enquanto que 26,7% estavam em processo de elaboração.
“O Ministério das Cidades reconheceu esse déficit e trabalhou com o WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis para adaptar as orientações de planejamento europeias para o contexto brasileiro.” O relatório cita a publicação do WRI Brasil Cidades Sustentáveis Sete Passos – Como construir um Plano de Mobilidade Urbana, guia que aponta um conjunto de atividades e orientações para incorporar requisitos essenciais estabelecidos pela política brasileira aos planos da cidade.
“O guia já foi baixado mais de 10 mil vezes. Muitas cidades o estão utilizando para desenvolver seus planos de mobilidade urbana incluindo, por exemplo, Joinville, que é particularmente notável pelo seu plano complementar de transporte ativo, que promove o aumento do uso da bicicleta e da caminhada como modos de transporte urbano mais sustentáveis.”
Financiamento
O financiamento do transporte nas cidades ainda é um tema difícil. No entanto, o crescimento de estruturas de recursos é a chave para o cumprimento de planos de mobilidade e também da busca por novas tecnologias e na aplicação verdadeira do “evitar-mudar-melhorar“. A necessidade de investimento global para a infraestrutura de transporte está estimada em US$ 1,4 a US$ 2,1 trilhões por ano, números que representam um enorme desafio para os próximos anos.
O Acordo de Paris desempenha um papel importante no esforço de captar investimentos em iniciativas sustentáveis. O relatório das Nações Unidas destaca ainda a importância fundamental do engajamento do setor privado e suas parcerias com o setor público, das instituições financeiras internacionais e dos fundos climáticos, que, segundo o documento, até maio de 2016 já chegavam ao valor de US$ 36,5 bilhões em promessas e contribuições de países ao redor do mundo.
A ONU lançou, recentemente, a Plataforma de Financiamento Inovador, ferramenta que irá acompanhar iniciativas de financiamento e soluções inovadoras que apoiarão os ODS até 2030. “A Plataforma ajudará a engajar desenvolvedores, incluindo governos, sociedade civil, organizações filantrópicas, empreendedores, investidores, bancos, desenvolvedores de projetos e instituições de desenvolvimento financeiro”, afirmou Ban Ki-moon.
Tecnologia
O uso da tecnologia é destacado no documento como um dos condutores do progresso e essencial para a metodologia evitar-mudar-melhorar. “A transição para combustíveis de baixo teor de carbono é parte central de uma estratégia climática a longo prazo. A eletrificação de veículos para transporte de curta distância e de passageiros é uma tendência crescente”, diz o texto.
O relatório cita o avanço chinês no setor: nos últimos 20 anos, o país introduziu entre 200 e 250 milhões de veículos elétricos de duas rodas em suas cidades. O grande número de carros elétricos na Noruega também é lembrado no texto, que atribui o sucesso aos incentivos fiscais e às diversas estações de carga presentes nas cidades. A Alemanha é também mencionada pelas pesquisas em andamento da Associação Alemã de Empresas de Transporte (VDV) sobre como a infraestrutura de transporte público poderia ser usada para carregar veículos elétricos privados.
“À medida que a inovação ultrapassa a linha da pesquisa e passa para a aplicação, é fundamental que os quadros de políticas e investimentos se adaptem à nova realidade e que os decisores trabalhem para integrar as inovações tecnológicas na sociedade de forma estratégica, com visão de longo alcance e ênfase na segurança, equidade e sustentabilidade ambiental.”