Caminhar e andar de bicicleta são as maneiras mais eficazes, econômicas e ambientalmente sustentáveis para realizar pequenos deslocamentos urbanos, especialmente aqueles com distâncias reduzidas: em 10 minutos, uma pessoa saudável percorre 3 km de bicicleta e aproximadamente 0.8 km a pé.
Nas últimas décadas, no entanto, o planejamento e o desenho das nossas cidades priorizaram a circulação de automóveis, tornando pedestres e ciclistas os usuários mais frágeis da rua. Essa inversão de prioridades tem levado a números alarmantes de mortos e feridos em colisões e atropelamentos, além de reduzir cada vez mais a utilização do espaço da rua para convívio e estar.
Além disso, a maior parte dos deslocamentos realizados em automóveis tem distância percorrida inferior a 5 km, e atravessam áreas locais, residenciais ou centros de bairros que não são nem origem e nem destino do condutor. Para resgatar a vitalidade das nossas ruas e estimular a convivência e a interação entre as pessoas, é fundamental reduzir a quantidade de veículos motorizados – especialmente os individuais – em determinadas áreas, assim como limitar e reduzir suas velocidades de circulação.
Para tornar viáveis essas medidas, o conceito de moderação de tráfego pode trazer soluções. Para além da diminuição de velocidades e de fluxo de veículos, a moderação de tráfego (também conhecida como tráfego acalmado, acalmamento de tráfego ou traffic calming), visaa modificação do comportamento dos diferentes modos de transporte, aumentando a segurança viária e o conforto de todos, especialmente dos pedestres e ciclistas.
Para isso, medidas de moderação de tráfego tem sido gradativamente discutidas em cidades brasileiras.O conceito de moderação de tráfego – também conhecido como tráfego acalmado, acalmamento de tráfego ou traffic calming – para além da diminuição de velocidades e de fluxo de veículos, visa a modificação do comportamento dos diferentes modos de transporte, aumentando a segurança viária e o conforto de todos, especialmente dos pedestres e ciclistas.
Transformação dos espaços de circulação: princípios para a moderação de tráfego
Para uma efetiva transformação das áreas de circulação das cidades em mais espaços mais acolhedores, seguros e equitativos, as medidas de moderação de tráfego têm como principais objetivos:
As medidas de moderação de tráfego podem ser focadas em áreas prioritárias, afetadas pelo aumento do tráfego de passagem ou do número de atropelamentos com vítimas. Assim, uma boa opção para redimensionar um perímetro delimitado e favorecer a circulação segura de pessoas é a gestão dos sentidos de circulação. Quatro sistemas são comumente utilizados para desestimular o tráfego de passagem, todos adotam restrições nos sentidos das vias: controle de bordo, controle interno, controle por sentido de circulação e controle misto.
Quando há a necessidade de reduzir a velocidade em apenas uma via, pode-se requalificar o espaço da rua com a colocação de elementos de bloqueio (parcial ou completo) e redutores de velocidade, promovendo maior segurança para os pedestres e os usuários de bicicletas. As técnicas de desenho viário utilizadas para a redução da velocidade de circulação de veículos motorizados em uma via ou em um trecho específico incluem:
Moderação de tráfego é um benefício a todos os cidadãos
A requalificação do espaço de circulação deve ser acompanhada de uma proposta de desenho viário mais inclusivo e seguro para pedestres, ciclistas e todos os modos ativos.
A criação de áreas de circulação exclusivas para estes grupos, o estreitamento de faixas de rolamento, a diminuição de raios de curvatura, a criação de percursos sinuosos e alterações no pavimento são medidas que contribuem para uma mudança de comportamento de condutores garantindo assim ruas mais seguras e humanizadas.
Diversas pesquisas apontam como a largura das faixas em vias urbanas contribuem para a redução da velocidade, partindo do pressuposto de que em faixas mais estreitas, a trajetória do motorista tende a ser mais rígida e exata, acarretando naturalmente uma redução da velocidade.
Na década de 70, a CET-SP realizou um estudo com a finalidade de compreender a influência que diferentes larguras de faixa de tráfego exercem sobre a segurança dos usuários, e sobre a capacidade de fluidez de uma via, na cidade de São Paulo. A publicação indica que faixas de 2,40m são ideais para garantir velocidades máximas em torno de 40km/h, considerada a mais adequada para uma circulação uniforme, amena e constante.
Já o estudo publicado pelo engenheiro Dewan Karim em 2015, com base em dados de Tokyo e Toronto, indica que a largura das faixas de circulação estão associadas com as velocidades praticadas, concluindo que faixas menos largas apresentam número de colisões inferiores se comparadas às faixas mais largas nas cidades estudadas.
Com velocidades baixas, o campo de visão do motorista é ampliado. Isso resulta numa maior interação com o ambiente e com as pessoas ao redor, evitando colisões e atropelamentos. A probabilidade de atropelamentos com mortalidade de pedestres também é drasticamente reduzida: de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a probabilidade de mortalidade de pedestres em impactos a 50km/h é de 85%, enquanto que, quando o impacto ocorre a 30km/h, o número cai para 10%.
Princípios de moderação de tráfego aplicados
Uma aplicação recente do conceito de gestão dos sentidos de circulação pode ser observada em Barcelona, na Espanha. O programa “Supermanzanas” (super quadras) é parte do Plano de Mobilidade Urbana de Barcelona vigente entre 2013 e 2018, e faz uso da gestão da circulação e de modificações no desenho viário para dar prioridade a pedestres e ciclistas no interior de “novas células urbanas” de 400 x 400 metros.
Cada uma destas “células” agrupa nove quarteirões, cujas ruas internas formam uma rede local com limite de velocidade de 10 km/h. O tráfego de passagem, incluindo linhas de transporte público, é limitado ao seu perímetro externo. Desta maneira, cerca de 70% do espaço viário hoje ocupado pelo tráfego de passagem é disponibilizado para deslocamentos a pé e em bicicleta, reduzindo níveis de ruído e de poluição do ar, dando um caráter mais local à rua.
No Brasil, existem alguns exemplos de cidades que têm avançado em políticas para a moderação de tráfego em áreas com alto índice de colisões e atropelamentos. As áreas de velocidade reduzida (Zonas 30, Áreas 40, entre outras) são soluções simples, baratas e relativamente fáceis de serem implantadas. A regulamentação de velocidades mais compatíveis com os pedestres e os usuários de bicicletas, aliada à sinalização e pequenas intervenções de desenho viário resultam em maior segurança viária e espaços mais acolhedores para todas as pessoas.
É importante que estas políticas sejam orientadas para uma mobilidade mais inclusiva e equitativa. Em São Miguel Paulista, distrito da zona leste de São Paulo, a implantação de projetos de moderação de tráfego é parte do escopo do projeto de requalificação urbana e segurança viária da Área 40 de São Miguel e tem como objetivo remodelar o espaço de circulação em áreas com intenso fluxo de passagem e índice de colisões elevado.
Em novembro de 2016, a Praça Getúlio Vargas Filho foi selecionada para a aplicação em forma de teste das medidas de moderação de tráfego previstas no projeto, com utilização de sinalização temporária (pintura de piso) e mobiliário urbano. Desta forma, foi possível observar in loco o comportamento dos usuários na via. Os resultados foram significativos: a intervenção reduziu a velocidade dos veículos – por conta do estreitamento das faixas de circulação e também porque muitos condutores se mostraram curiosos em relação às atividades desenvolvidas – sem que isso necessariamente impactasse de forma negativa o trânsito local.
As ruas representam a maior parcela dos espaços públicos nas cidades
Em grandes centros urbanos, 70% dos espaços das ruas são destinados à circulação de veículos motorizados e somente 30% são destinados à convivência e encontro de pessoas.
A moderação de tráfego é uma das medidas mais simples e rápidas para a conversão gradativa desses espaços em locais mais atraentes para viver, circular a pé e em bicicleta, fazer compras ou passeios, promovendo a segurança viária e o desenvolvimento local, além de um importante instrumento para a transformação do comportamento de condutores e para melhoria da qualidade de vida urbana para todos os cidadãos.