Ao estudarmos modelos de localização entendemos a acessibilidade como a facilidade com a qual se podem realizar atividades e como se dá o vínculo entre os sistemas de transporte e os usos do solo [1.] A acessibilidade é medida, usualmente, como o número de atividades que podem ser realizadas em um determinado tempo. A duração do deslocamento entre as atividades espacialmente distribuídas é chave na eleição de onde e com que frequência realizá-las. Além disso, influenciam na decisão do lugar onde viver. Por isso, existe a natural disposição a pagar, ceteris paribus, por melhor acessibilidade. A construção de novas obras de infraestrutura e transporte público melhora a acessibilidade e aumenta o valor dos imóveis. Mas isso requer fundos que, no caso de corredores de transportes ou linhas de metrô, alcançam cifras significativas. Por isso é relevante discutir sobre alternativas para seu financiamento.
Um mecanismo corresponde à mais valia. A ideia é que parte do valor extra obtido pelos beneficiários de um projeto público seja empregado para aportar o investimento obtido para sua realização. Isso é de particular interesse no caso do financiamento do transporte público, onde a construção de novas obras de infraestrutura está associada a incrementos nos valores dos terrenos ou propriedades em que serve diretamente.
O mecanismo de captura da mais valia tem sido empregado de diversas formas em países do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a agência de planejamento de transportes de Washington D.C. tem utilizado por décadas. Na cidade de Los Angeles, na década de 1980, fixou-se um sistema onde nas propriedades a menos de 500 metros de uma estação eram taxadas a uma proporção do incremento de seu valor, com o qual se cobriu, aproximadamente, 9% dos custos estimados. Na Europa, cidades como Milão tem cobrado um imposto especial nas propriedades que se encontram a 500 metros ou menos de cada estação de metrô. Na Ásia, Tóquio e Hong Kong construíram ampliações para seus trens suportando parte de seus custos mediante ganhos de seus investimentos imobiliários. Na América Latina, Colômbia e Brasil foram pioneiros em implementar instrumentos de captura de mais valia. A cidade de São Paulo promoveu a venda de títulos em áreas designadas, os quais são arrematados por construtoras. Esses títulos permitem que os construtores para construir acima do limite da altura imposta por lei. Os lucros das vendas são reinvestidos na cidade, seja em infraestruturas ou em habitação social.
Em Santiago, a extensão da linha 1 do metrô para o leste, na década de 1970, foi construída ao mesmo tempo que uma nova avenida paralela ao eixo principal leste-oeste da cidade (Avenida Nueva Providencia). A Prefeitura de Providencia apresentou um plano para cobrar uma contribuição especial dos proprietários, que seria proporcional à distância até a avenida e as estações. Embora este esforço tenha fracassado, o experimento de captura da mais valia foi igualmente bem sucedido, pois os terrenos excedentes das desapropriações para a construção foram revendidos por valores mais elevados que o valor original de expropriação. Posteriormente, considerou-se inconstitucional o procedimento e a autoridade expropriante foi restrita apenas para o terreno que o projeto demandava de maneira estrita, limitando a capacidade de recuperação de mais valia mediante compra e venda de terrenos [2]
Os benefícios de financiamento mediante a captura de valor são diversos, entre eles reduz-se a especulação do solo, cria-se uma fonte estável de financiamento e os benefícios dos investimentos tornam-se mais transparentes para o governo (Wenzer, 1999).
Por isso, no caso do Chile, quando o sistema de transporte público requer de fortes subsídios para operar, e enfrentamos a oportunidade de realizar mudanças em nossa constituição política, é interessante perguntar-se o quanto poderíamos ter economizado neste montante se tivesse sido implementado um mecanismo de captura da mais valia. Ou melhor, perguntar-se o quanto de infraestrutura extra de transporte público poderia ter sido financiada e construída.
Notas:
[1] Martínez, F. J. (1995). Access: the transport-land use economic link. Transportation Research Part B: Methodological, 29(6), 457-470.
[2] Cáceres y Sabatini, (2002) : RECUPERACION DE PLUSVALIAS: REFLEXIONES SOBRE SU POSIBLE APLICACION EN LAS CIUDADES CHILENAS.
Víctor Rocco é Engenheiro de transportes e doutor em Sistemas de Engenharia da Universidad de Chile. Trabalhou desenvolvendo modelos de localização para Singapura (SimMobility) e Boston. Realizou um pós-doutorado no MIT, no Departamento de Urban Studies and Planning (DUSP). Atualmente é professor adjunto da UC e pos doc em CEDEUS (Centro de Desarrollo Urbano Sustentable).