Atualmente, 190 países já ratificaram o Acordo de Paris, número que representa 98.9% das emissões globais de gases de efeito estufa, conforme dados do WRI CAIT. Isso significa que todos eles já apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), documento que comunica internacionalmente as medidas que cada país tomará para lidar com as mudanças climáticas e como se direcionará para um futuro de baixo carbono. Até 2025, o Brasil se propõe a reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% em relação aos níveis de 2005. Para isso, muito precisará ser feito na área de energia, especialmente em relação a transportes, o setor de maior consumo de combustíveis fósseis no Brasil e, consequentemente, o principal subsetor energético que mais emite gases de efeito estufa no país.
O Acordo de Paris, adotado na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em 2015, tem como objetivo central manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Desde que ele entrou em vigor em 4 de novembro de 2016, o Brasil assumiu o compromisso de implementar ações para o cumprimento das metas estabelecidas pela NDC. Para isso, o país elabora uma Estratégia Nacional de Implementação e Financiamento da NDC do Brasil e lançou um Documento-base, que serve de fundamentação para as discussões que serão elaboradas neste ano pelo Ministério do Meio Ambiente. O texto está aberto para consulta da sociedade até março.
O papel do transporte nas emissões brasileiras
O Brasil submeteu suas metas de mitigação ao se propor a trabalhar no desenvolvimento de novas políticas públicas. Considerados apenas os GEE, as atividades de transporte no Brasil são responsáveis por 46% das emissões do setor de energia. O transporte motorizado individual aparece com uma participação de 77% do total de emissões no transporte de passageiros. Nos automóveis, cada passageiro chega a ocupar quase oito vezes mais espaço nas vias públicas do que o passageiro de ônibus.
A transferência modal no país precisa ser incentivada para a maior eficiência da mobilidade urbana e, principalmente, para a redução de emissões que poderiam ser evitadas com o estímulo aos transportes coletivos, que registra 23% do total de emissões no transporte de passageiros. A NDC brasileira também subdivide o setor de transportes em veículos leves, veículos pesados, aviação e mobilidade urbana para definir suas possibilidades de mitigação.
Para compensar a preferência da população brasileira pelo transporte individual, a NDC propõe medidas baseadas nos pilares de capacitação, inovação e eficiência para os veículos leves. Isso significa orientar e educar motoristas e proprietários de frotas a tomarem decisões e conduzirem de forma mais econômica e sustentável; buscar na tecnologia novas soluções para o transporte mais limpo; e ainda alternativas a serem abordadas no cenário nacional. O documento-base menciona o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (INOVAR-AUTO), adotado no país em 2012. O programa estimula a concorrência e a busca de ganhos sistêmicos de eficiência e aumento de produtividade da cadeia automotiva e propõe metas a serem atendidas pelas empresas. Ambas as medidas propostas pelo documento representam um potencial de redução de 39,55 MtCO2e (tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente), que representa 51% do emitido por veículos leves em 2012.
Veículos pesados têm participação importante
Os veículos pesados, segundo o documento, compõem cerca de 4% da frota nacional total de veículos, mas participam com 50% na emissão de dióxido de carbono, um dos GEEs. A categoria inclui os transportes de carga e de passageiros. A capacitação dos motoristas e a condução econômica por parte dos mesmos, a instalação de acessórios para a melhoria da eficiência energética e também a renovação da frota são grandes possibilidades para obter resultados positivos na redução de emissão de GEE. A estimativa do total de CO2e mitigado é da ordem de 21,81 Mt, o que representa 22% do total emitido pelos veículos pesados e 11% do total liberado pelos veículos rodoviários em geral.
O documento traz o exemplo do programa SmartWay, dos Estados Unidos, para ilustrar a importância de o Brasil possuir um programa de eficiência energética, que vise reduzir a emissão por meio da economia de combustível, com ações sistemáticas para essa redução. “Essas ações podem ocorrer em vários níveis, como linhas de créditos específicas para aquisição de veículos mais novos e incentivo de abordagem da questão energética na educação básica”, cita o documento. O CNT Despoluir é um programa similar ao SmartWay implantado no Brasil desde 2007. A iniciativa busca promover o engajamento de transportadores, caminhoneiros autônomos, taxistas e sociedade em ações de conservação do meio ambiente, e atua na formulação e execução de políticas públicas na área ambiental. Considerando essas medidas propostas para veículos pesados, a estimativa do total de CO2 mitigado é da ordem de 21,81 Mt, o que representa 22% do total emitido pelos veículos pesados e 11% do total liberado pelos veículos rodoviários em geral.
A aviação, ao passar a usar combustíveis alternativos, desenvolver melhorias operacionais e de Assistência Total em Manutenção (ATM), melhorias na infraestrutura dos aeroportos brasileiros e avanços tecnológicos dos motores das aeronaves pode também contribuir para a mitigação de emissões.
Planejamento urbano como ferramenta
A NDC sugere a coordenação das iniciativas da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) e da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) após uma análise do papel de cada esfera de governo sobre os temas específicos. “Foram estabelecidas duas importantes leis estruturadoras do desenvolvimento urbano que é o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU – Lei 12.587/2012)”, ressalta o documento, que destaca a obrigatoriedade, trazida pela PNMU, da elaboração do Plano de Mobilidade Urbana para as cidades com mais de 20 mil habitantes.
As responsabilidades de planejar e implementar ações de mobilidade urbana, segundo a NDC, possui clara divisão de responsabilidade entre os governos municipais, estaduais e federal. “Baseado no que dispõe a Constituição Federal e a lei da PNMU, é possível identificar papéis distintos entre o governo federal, que tem caráter de orientador e financiador, e o papel do governo municipal, responsável de fato pelo planejamento, implementação e avaliação da política de mobilidade urbana no âmbito de cada cidade”, destaca o texto. O planejamento das cidades, tanto do ponto de vista municipal, com os planos setoriais, como do de mobilidade urbana, quanto estadual, com os planos de desenvolvimento integrado das Regiões Metropolitanas, é parte fundamental nos objetivos climáticos do Brasil. Cidades que incentivam o transporte sustentável e buscam reduzir a prioridade aos veículos contribuem para colocar em prática as metas brasileiras presentes na NDC.
O Programa Mobilidade Urbana de Baixo Carbono em Grandes Cidades, idealizado pelo Ministério das Cidades, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), surge no documento-base como instrumento de suporte do governo federal à atuação municipal na mobilidade urbana, cumprindo importante papel para a implementação dos princípios, diretrizes e objetivos da PNMU, bem como da PNMC. O objetivo é que a iniciativa sirva de referência técnica e normativa aos planejadores da mobilidade urbana e tomadores de decisão no âmbito local, sustenta o documento-base.
Outra ferramenta importante citada no documento-base e que está prevista no Programa de Mobilidade Urbana de Baixo Carbono é o ECarbono, que poderá mensurar a contribuição que a implantação de projetos de transporte público pode dar à redução das emissões atmosféricas. Esses projetos vão desde melhorias operacionais do transporte coletivo até a implantação de infraestrutura. “Seu desenvolvimento vem preencher importantes lacunas na avaliação do impacto positivo que investimentos públicos, principalmente do governo federal, podem resultar para o país”, diz o texto.
O setor de transportes é tratado pela NDC como um campo de enorme importância, mas que ainda carece de políticas públicas integradas e também de mais pesquisas. “No Brasil os padrões para eficiência de combustível ainda estão atrasados se comparados a outras grandes economias tanto em termos de rigor quanto de implementação. Do mesmo modo, com a exceção de algumas cidades, o Brasil tem oferecido poucos incentivos até agora para mudanças em direção a modos de transporte mais eficientes, incluindo transporte sobre trilhos e o BRT (Bus Rapid Transit)”, destaca Viviane Romeiro, gerente de mudanças climáticas do WRI Brasil. “Uma série de reformas nos níveis federal, estadual e municipal, poderia ajudar a acelerar essa mudança”, completa.
O WRI publicou em 2015 o relatório “Oportunidades e desafios para aumentar sinergias entre as políticas climáticas e energéticas no Brasil”, com destaque ao setor de transportes como o principal emissor de GEE no setor energético, e à importância de se aprimorar a eficiência de combustíveis e de se investir na transição para modais de transporte de baixo carbono.
A população brasileira necessita estar consciente das metas vigentes para que as mudanças sejam adotadas com mais facilidade. A NDC pede que Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Cidades trabalhem de forma conjunta e que os benefícios federais aos projetos de transporte público sempre considerem a estimativa de redução de emissão de GEE. Entidades interessadas em apresentar comentários sobre o documento-base podem encaminhá-los ao Ministério do Meio Ambiente. Os comentários recebidos até 15 de março de 2017 serão repassados ao Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, por meio do qual será elaborada a Estratégia Nacional. As observações serão consideradas pelas Câmaras Temáticas do Fórum durante o processo de Diálogos Estruturados.
Via The CityFix Brasil.