"O Destino de Júpiter" representa para a carreira dos seus diretores, os irmãos Wachowski, um momento chave na sua cinematografia. Por um lado é o seu momento mais importante quanto a fotografia: a consagração do imaginário de ficção científica dos comics books que sempre sonharam. Ninguém questiona a espetacularidade dos seus cenários ou a criatividade das suas invenções. Mas também, por outro lado, é o seu ponto mais baixo como narradores de histórias. Seus discursos não convencem, seus personagens não são apaixonantes. A crítica e o público os detestam, pois se sentem enganados por um produto que somente causa decepção.
Este turbilhão de críticas colocou em dúvida a realização dessa resenha, pois acredito que quando um produto é deficiente a melhor decisão é não falar sobre ele, não pelo castigo do silêncio, mas sim, porque cada análise deve abordar algo valioso para aquele que a realiza e, sobretudo, para quem está atento a suas palavras.
Propositivamente, a maior conquista do filme é, talvez, o equilíbrio que consegue na hora de combinar gêneros cinematográficos e estilos de design, os quais variam entre um futurismo clássico e utilitarista, como o visto em Star Trek, o Cyberpunk, a Space Opera típica de Flash Gordon, a recreação histórica e a visão de uma tecnologia holográfica das vanguardas contemporâneas. Cada uma possui uma linguagem característica e diferencial, mas atormentadas por elementos que as unificam entre si, como se fossem parte de uma única cultura universal da qual se desprendem.
Este caráter unificador, entretanto, tem suas exceções. É notório que a equipe de desenho e/ou as diretoras, apesar de um bom entendimento de arquitetura, desconhecem suas bases teóricas com clareza. Exemplo disso são as cenas em Zalintyre, onde utilizam o estilo inconfundível da arquitetura de Frank Gehry para recriar uma cidade futurista. Com um simples olhar é possível perceber que algo não encaixa ali, parece como um papel amassado, forçada, com edifícios uniformes em suas cores e texturas, mas carentes de uma linguagem que lhes permita variar em proporção, escala e volume.
Os elementos mais belos dentro do filme, sem dúvida, são as naves espaciais, as quais rompem completamente o caráter utilitário da aeronáutica mas sem cair em formas próprias da fantasia. São produtos de uma engenharia inimaginável mas, entretanto, lógicas e deduzíveis. Se inspiram em formas do mundo natural como insetos e pássaros, traduzidos em objetos que, como joias finas, pertencem somente aos mais ricos e poderosos, neste caso a dinastia Abrasax.
Cada um dos três irmãos que a constituem possuem uma estética única que reforça sua personalidade. Kalique se refugia dentro de construções históricas e de grande espiritualidade, com uma atitude contida, mas manipuladora. Por capricho, cria belos jardins de escala planetária, onde seu palácio é a cereja do bolo de uma paisagem que sai dos sonhos. Titus é o jovem playboy cheio de presunção e rodeado pelas mais sofisticadas naves; enquanto Balen é maquiavélico, frio e silencioso, de formas góticas, industrializadas e ameaçantes. Rodeado por simbolismos que consolidem sua imagem de governante galático.
Por último, resulta interessante a aparição do planeta Orus como capital intergalática, que é um reminiscente da Coruscant de George Lucas, abordando elementos muito significativos que as diferenciam entre si. Ambas são ecumenópolis, mas enquanto uma é elegante e contida, a outra é saturada e transbordante, com anéis artificiais e gigantescas estruturas que sobrepassam a atmosfera do planeta. É, sem dúvidas, uma alegoria da cidade pós-moderna atual, de uma realidade induzida e artificial onde o natural é reduzido a sua mínima expressão. Uma simples esfera que abriga um mundo burocrático e desumanizado.
Perfil do Diretor
Lana, nascida no dia 21 de junho de 1965, e sua irmã Lilly, nascida no dia 29 de dezembro de 1967, são reconhecidas profissionalmente como as "Wachowskis", sendo ambas diretoras, roteiristas e produtoras cinematográficas, da cidade de Chicago, nos Estados Unidos.
Antes de trabalhar na indústria do cinema, ambas faziam comics books para a editoria Marvel. Na metade dos anos 90 elas se lançaram na escrita de roteiros fílmicos, começando com o do filme "Assassins" (1994) o qual foi completamente rescrito mas que lhes valeu um contrato direto com o estúdio "Warner Brothers”. Em 1996, fizeram seu debut como diretoras com o filme "Bound", filme neo noir cuja temática e estilo foram recebidos positivamente pela crítica.
Aproveitando o êxito, as Wachowskis se aventuraram no projeto “Matrix”, filme que estreou em 1999 e converteu-se em um fenômeno mundial, que possibilitou duas sequências “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions”, ambas em 2003, as quais as converteriam em uma referência, mas também as colocaria na mira da crítica e do público. Em 2008, dirigiram “Speed Racer”, em 2012 "A Viagem" e em 2015 "O Destino de Júpiter", filmes de uma alta qualidade gráfica e conceitual, mas de aceitação dividida entre o público e a crítica.
Cenas Chave
1. ZALINTYRE: A BILBAO FUTURISTA
Rodada em tal cidade por sua arquitetura e vanguarda, retrata uma civilização sofisticada e tecnológica de edificações curvilíneas, coberta por superfícies brilhantes de titânio.
2. LINGUAGEM UNIFORME MAS NÃO UNIFICADA
A cidade foi elaborada com o estilo inconfundível de Frank Gehry, o qual parece muito artificial, carente de uma linguagem formal que varie em proporção, escala e volume.
3. CERISE: TERRAFORMAÇÃO PAISAGÍSTICA
Dominado por uma vegetação avermelhada e jardins monumentais, o planeta foi desenhado como um bonito vergel onde a barreira entre a paisagem e a arquitetura se encontra difusa.
4. REMINISCÊNCIAS HISTÓRICAS
De claras influências do oriente médio mas de estilo eclético, o castelo da família Abrasax é o lar de um rei imortal que se nutre do virtuosismo artístico e cíclico dos seus súditos.
5. ENGENHARIA HUMANA E DIVINIDADES GENÉTICAS
Tanto o discurso estético como o filosófico do filme gira entorno de um processo de hibridação cultural, que retoma elementos históricos e os combina com outros de caráter futurista.
6. MULTIPLICIDADE DE GÊNEROS
A estética dos cenários e personagens se move ao redor de numerosas tendências da ficção científica, como Space Opera, o Cyberpunk ou um futurismo clássico próprio de Star Trek.
7. LAMBORGHINIS INTERESTELARES
Para seu desenho, procurou-se fazer com que as naves abandonassem o caráter utilitário e funcionalista da ficção científica clássica para serem produtos refinados de uma engenharia inimaginável.
8. TITUS, O MILIONÁRIO PLAYBOY
O desenho da sua nave reflete sua personalidade presunçosa, cheia de elementos que se abrem em forma de asas de tons dourados que a fazem luzir como joias finas.
9. EMPRÉSTIMOS ARQUITETÔNICOS
Na elaboração do desenho das naves, foram utilizados elementos existentes dentro da arquitetura de Chicago para criar um impecável trabalho decorativo, barroco e, em algumas ocasiões, saturado.
10. NEO VITORIANO E NEO ART NOUVEAU
As decorações de interiores não somente retomam velhos estilos de desenho, mas também oferecem reinterpretações e abordagens de mobiliário, acabamentos, serralheria e materiais de vidro.
11. DESAFIOS DE ESTRUTURA
O filme peca em repetidas ocasiões, em sua hibridação formal, em incorporar estruturas que dependem de cargas pontuais em ambientes sem gravidade, onde sua estabilidade seria impensável.
12. CATEDRAL DE ELY EM CAMBRIDGESHIRE
De estilo romântico anglo-saxão, seu interior foi utilizado para cena do casamento, complementando o cenário com elementos de influência Art Nouveau para os vidros.
13. BALEM: O IMPERIALISTA MAQUIAVÉLICO
Rodeado por estruturas góticas, sua imagem é escura, de formas robustas mas angulares. Se refugia dentro de ambientes de caráter industrial, vazios e ameaçadores.
14. IMPÉRIO INDUSTRIALIZADO
Os interiores que acompanham Balem são de proporções imponentes, difíceis de se visualizar e de inspiração fascista, cheios de estátuas douradas e motivos imperialistas.
15. ALIENAÇÃO SIMBÓLICA
Grandes colunas criam uma atmosfera de claro-escuro ao redor de Balem, refletindo uma busca pelo antigo e pelo sagrado, a imagem de um palácio próprio de um imperador espacial.
16. ORUS: ECUMENÓPOLIS INTERGALÁCTICA
Ponto de origem da humanidade, está superpovoada e completamente urbanizada, estendendo-se ao espaço exterior como anéis com ecossistemas independentes entre si.
17. CONSTRUÇÕES ATMOSFÉRICAS
Sobre a superfície do planeta, arranha-céus quilométricos ultrapassam o limite da atmosfera, funcionando como elevadores e como estações para o intenso trânsito espacial.
18. PARÓDIA BUROCRÁTICA
Orus abriga uma versão futurista porém caricaturada da administração espacial, um labirinto infernal cheio de elementos steampunk e de tecnologia holográfica.
Ficha Técnica
Data de estreia: 5 de fevereiro 2015
Duração: 127 minutos
Gênero: Aventura / Sci Fi
Diretor: Lilly e Lana Wachowski
Roteiro: Lilly e Lana Wachowski
Fotografia: John Toll
SINOPSE
Júpiter Jones nasceu sob uma noite estrelada e os sinais apontavam que ela estaria destinada a grandes coisas. Na vida adulta, Júpiter sonha com estrelas mas enfrenta a fria realidade do seu trabalho como empregada doméstica e um futuro pouco promissor, rodeada por uma família problemática.
Mas sua sorte muda quando um dia é resgatada de um grupo de alienígenas pelo enigmático Caine, um ex-militar alterado geneticamente. Será revelado, então, que ela é a herdeira de uma extraordinária fortuna que pode mudar o equilíbrio do cosmos e que a colocará na mira de uma das famílias mais poderosas e cruéis do universo.