Ainda sabemos muito pouco sobre o que de fato são ambientes saudáveis para as pessoas. E por que, afinal, é tão importante conhecer e estudar o comportamento humano nas cidades?
A afirmação e a pergunta acima norteiam os estudos de Jan Gehl, arquiteto dinamarquês que dedicou a carreira profissional ao estudo das sociedades humanas nos ambientes urbanos. Em seu novo livro, How to Study Public Life (Como Estudar a Vida Pública, em tradução livre), Gehl e a também arquiteta Birgitte Svarre fazem uma análise profunda da vida pública, apresentando os métodos e instrumentos necessários para restabelecer a vida urbana como um componente vital do planejamento.
Este ano, Gehl completa 50 anos de estudos e trabalho com espaços públicos e a vida das pessoas nas cidades, mostrando como a forma desses espaços influencia o comportamento das pessoas e como os hábitos podem mudar para melhor – se o ambiente favorecer essa mudança.
Observar os espaços públicos, na visão do especialista dinamarquês, é uma arte que está ao alcance de qualquer um de nós – mas é possível treinar o olho para captar as nuances que constituem a essência da vida nas cidades. Escreve Gehl: “O observador do espaço público deve ser o mais neutro possível, como aquele que olha sentado no banco da praça, um ente invisível que tem de manter uma perspectiva global. Qualquer um que decida examinar as pessoas vivendo em uma cidade logo perceberá que é preciso ser metódico para obter informações úteis em meio à complexa e confusa vida dos espaços públicos”.
Papel e lápis em mãos, é hora de anotar os elementos, ritmos e detalhes que dão forma ao dia a dia nas cidades. E, para isso, o especialista destaca oito diferentes ações que podem estruturar essa análise:
- Mapear: maneira de representar as informações observadas em determinada região.
- Traçar os movimentos das pessoas que circulam na área estudada; assim, obtém-se informação sobre os movimentos e comportamentos dos pedestres no espaço urbano.
- Tracking: indo além da observação estática, é possível percorrer o mesmo caminho que uma pessoa qualquer, observando-a à distância, a fim de perceber suas escolhas e como se locomove pelo espaço. Pode-se levar um GPS para compilar os dados ou observar de um ponto alto.
- Buscar rastros: a atividade humana deixa rastros – lixo na rua, passos, marcas da presença de pessoas na cidade. Mesas nas calçadas, por exemplo, indicam que os comerciantes locais sentem-se seguros e confortáveis em estender seus estabelecimentos à rua.
- Fotografar as situações onde a vida urbana acontece. Ilustra e humaniza os dados, além de documentar os encontros e interações que se dão na rua
- Manter um diário para registrar detalhes do dia a dia nos espaços públicos, anotando informações em tempo real.
- Caminhar: a cada caminhada pela cidade, novos detalhes podem ser percebidos no cenário urbano. Além disso, esses passeios revelam as diferenças nos hábitos de deslocamentos dos pedestres em diferentes regiões da cidade.
Esse processo de observação permite entender a lógica por trás dos comportamentos das pessoas e como a configuração dos espaços determina muitos desses comportamentos. Questões de segurança, acessibilidade, oportunidades e conforto estão diretamente ligadas ao modo como as áreas urbanas estão estruturadas. A presença de mulheres caminhando, por exemplo, especialmente à noite, indica que o lugar é seguro. O tempo de espera e a velocidade com que uma pessoa caminha também são indicativos da qualidade dessa área.
Por muitos anos, o fator humano e o estudo específico da dinâmica das pessoas e do uso que fazem dos espaços da cidade foram pouco utilizados no que tange ao planejamento urbano. Os estudos de Gehl retomam essa perspectiva, mostrando que compreender os interesses que movem as pessoas pelas cidades é essencial para entender também como planejar essa cidade. Observar – e a partir disso planejar – as ruas e os espaços públicos com o olhar de quem caminha tem o potencial de transformar profundamente nossas cidades.
Via TheCityFix Brasil.