Desde a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, a ameaça de levantar (na realidade, terminar) o muro definitivo que separará o México dos Estados Unidos motivou arquitetos e páginas de convocatórias a proporem uma solução "arquitetônica" para essa barreira.
Rosada ou inspirada na paleta cromática do deserto de Sonora. Com painéis solares ou em aço. Estritamente arquitetônica ou ligeiramente interdisciplinar, qualquer proposta de projeto é fútil. Na realidade, planejar essa proposta é fútil. Não se trata do muro, mas de uma hipotética solução ao seguinte diagnóstico: a imigração, em particular a mexicana, está prejudicando a sociedade norte-americana. É necessário voltar a um momento indefinido da história na qual os Estados Unidos foram grandes. Essa é a análise de Trump, que disse recentemente em sua primeira reunião com Angela Merkel, Chanceler alemã, que "a imigração é um privilégio, não um direito".
O muro (e sua discussão) faz parte de algo muito maior: trata-se do sintoma de um planeta que, pela enésima vez, volta a chocar, apesar do otimismo do fim da história publicado por Francis Fukuyama e o liberalismo econômico após a queda do Muro de Berlim. É um novo choque multipolar: os de baixo contra os de cima; ocidente versus Estado Islâmico; partidários do Acordo de Paris e os que negam as mudanças climáticas. Alguém, algum grupo ou alguma força econômica (segundo sua hipótese) é a culpada da crise, da desigualdade, da suporta perda de valores.
Não se trata do muro, mas das transformações sociais cozinhadas no mesmo caldo com vários ingredientes: imigração ao primeiro mundo e dentro do Sul Global, concentração de riqueza, economias colaborativas, millenials, mudanças climáticas, pós-verdade, automação dos empregos, Internet, monopólios tecnológicos, tensões étnicas, mercados globais. Não, a arquitetura não soluciona todos os problemas. A arquitetura é um reflexo de nossa sociedade, claro, mas não pode solucionar tudo. Acreditar que propostas genuinamente reflexivas podem mudar o curso dos acontecimentos é ingenuidade.
As tentativas dos últimos tempos por acreditar que a arquitetura é também política - que é de fato, sob meu ponto de vista - foram empurradas ao extremo da crença que também é possível se impor e ser a resposta em absolutamente todos os problemas da humanidade. Pior ainda, que os resolve sem necessidade de mais atores ou de análises multi-dimensionais. Enquanto escrevia este texto, Anne Lacaton, do escritório Lacaton & Vassal confessou que podemos identificar como a ponta de lança de uma arquitetura alternativa e capaz de operar a escala urbana, em uma recente entrevista realizada por Anatxu Zabalbeascoa:
Um arquiteto não é um político ou um sociólogo. Como pessoa, claro que há situações que te afetam: os refugiados, os subúrbios. Apesar disso, a capacidade de intervir e modificar tais situações é política.
Embora tenhamos visto uma resposta solidária (mas discreta) do mundo da arquitetura frente ao populismo, ao racismo e à xenofobia, no caso do muro de Trump a arquitetura não é a resposta, mas o meio que o próprio presidente utiliza (além do populismo xenofóbico) para responder de forma simples a uma pergunta muito complexa, diante de uma cidade confusa e eleitores ávidos por respostas simples de digerir. Diante de um futuro nebuloso, queremos respostas claras e simples, mas sabemos que a física quântica não cabe em um vídeo de 30 segundos. Nem tudo pode ser sintetizado como gostaríamos. Há coisas que, por exemplo, são complexas por definição. No caso do muro, não se trata nem sequer de um tema de arquitetura, mas da engenharia e da construção. É uma ponte que cruza um rio, é um túnel que penetra uma montanha, é um cálculo matemático que determinará quanto devem medir esses muros para que ninguém possa ousar atravessar a fronteira, quanto concreto será necessário, onde estarão as passagens fronteiriças, com quanto investimento será rentável e com quanto apostarei na licitação com minha construtora.
Até agora, as respostas mais valorizadas do ponto de vista arquitetônico nessa série de auto-encomendas encaixam melhor no land art. São chamadas de atenção (para nós mesmos, como sempre) que convidam à reflexão, mas não são arquitetura. Além disso, nossa disciplina é frequentemente vista com desprezo, pois carece desse contexto que se perde com a vitalização da imagem.
A arquitetura tem algo a dizer quando se trata de imigração, conflitos armados e a transformação política das sociedades? Sim, claro, temos Teddy Cruz intervindo nessa mesma fronteira e Malkit Shoshan trabalhando junto ao Ministério da Defesa da Holanda sobre o impacto urbano das missões dos capacetes azuis em Gao, mas sabem que não poderão resolver tudo. A contribuição da arquitetura não está em um muro.