Enquanto muitas cidades se esforçam para parecem espetaculares à noite,Zurique adota uma estratégia modesta para a iluminação noturna. Muitos centros urbanos no mundo ficam supersaturados à noite, com edifícios individuais chamando a atenção com luzes brilhantes, fortes contrastes ou iluminação colorida de fachada. O master plan de Zurique para iluminação, por sua vez, focou numa imagem geral da cidade, com níveis sensíveis de luz branca. No entanto, esta presença noturna não é fruto de um projeto simples; ela foi baseada em estudos urbanos detalhados e projeções precisas e personalizadas, onde a tecnologia é discretamente escondida em favor da autenticidade cultural.
Quando o sol se põe no Lago Zurique, um equilibrado skyline noturno aparece. A presença homogênea dos edifícios selecionados mostra claramente que a harmonia é o princípio determinante desta cidade iluminada. Os balanceados níveis de luz nos multifacetados elementos públicos, corporativos e sagrados criam uma escala humana que é profundamente ligada à identidade cultural local.Muitas vezes, uma competição entre os ícones mais brilhantes e extravagantes dá a uma cidade uma impressão de força e poder. No entanto, isso definitivamente interferiria nas características da paisagem de Zurique.Por isso, os urbanistas da cidade impuseram um diálogo respeitoso entre os edifícios durante a noite.
Em termos de brilho, direção e cor, a iluminação das fachadas evoca associações à harmonia e aos contrastes observados no trabalho do artista renascentista Botticelli.Em comparação, o uso intenso de feixes de luz em muitas outras cidades são mais como transformações dramáticas das pinturas de Chiaroscuro,que relembram a obra de Caravaggio. Tomar um caminho de minimização, com uma iluminação modesta, não é uma expressão de indiferença para a tradição regional ou para o turismo. É, na verdade, um cultivo consciente de um estilo único, que rompe com a tendência global de uma comunicação extravagante. Desta forma, os edifícios conseguem uma qualidade muito mais sensível do que com o uso de holofotes universais, onde a potência, o brilho e a poluição luminosa são típicos.Essa presença sensível de Zurique à noite não teria sido possível sem um master plan abrangente para a iluminação urbana, que incluísse a consciência da identidade regional e de grande escala.
A ideia de master plans urbanos para iluminação surgiu na década de 1960 com a publicação de William M.C. Lam, "Iluminação das Cidades". Mas a implementação de tais conceitos abstratos exigem um compromisso a longo prazo, trabalhando com todos os diversos atores e desafios financeiros de uma cidade. A cidade de Lyon tornou-se uma referência quando transformou com sucesso essa ideia em realidade após a introdução do seu conceito em 1989. Consequentemente, os urbanistas de Zurique viajaram para Lyon buscando inspiração. Eles criaram um plano de 10 anos chamado "Plan Lumière Zurich", que foi lançado em 2004. Além das questões organizacionais e definições das respectivas zonas, o plano inclui diretrizes visuais essenciais, que influenciaram a atual imagem noturna de Zurique. Um dos aspectos mais importantes é que o conceito de projeto centrou-se no espaço iluminado e não nas luminárias em si.Usar a noção de "menos é mais" levou a uma ênfase na escuridão que, ao invés de incentivar mais luz, a cidade preferiu uma luz diferente. Esta abordagem também levou a alguns efeitos colaterais positivos: o projeto respeita as condições ambientais e evita a poluição luminosa e o brilho excessivo em direção aos pedestres. Outra força do master plan de Zurique reside na ênfase das qualidades e identidades multifacetadas.
Para atingir esses objetivos em espaços iluminados, a equipe de projeto de Zurique identificou elementos arquitetônicos representativos para a noite.Acentuar marcos históricos como pontes, o edifício da prefeitura e igrejas aumentou discretamente a coerência e a identidade da cidade. Da mesma forma, destacar todo o trecho do distintivo rio Limmat não parece apropriado para uma estratégia "menos é mais". As reflexões da água causariam muito ruído visual. Portanto, a iluminação centra-se em pontes e edifícios individuais, mas não na fachada inteira da margem do rio. Apenas a lateral das pontes e às vezes seus lados inferiores recebem luz, enfatizando uma intensa impressão espacial e criando reflexões dinâmicas da água. Mas os limites vizinhos do rio permanecem escuros para intensificar o contraste entre a água e as reflexões da ponte.Da mesma forma, na margem do Lago Zurique é utilizada uma iluminação reservada: fachadas históricas individuais são iluminadas como pano de fundo para as árvores não iluminadas, que aparecem como silhuetas.Devido à luz branca usada para todos os edifícios, o centro da cidade está unificado numa mesma cor neutra.Além disso, a negação do uso de efeitos teatrais de iluminação ajudou a criar uma atmosfera luminosa calma com impressões suaves de fachadas inteiras. A refinada tecnologia de projeção nos vários marcos históricos também permitiu iluminar apenas as superfícies arquitetônicas, mas nenhuma outra área.
A Ópera de Zurique revela a força dessa técnica sofisticada de projeção de fachada de uma forma excelente. A intensidade de luz confere à instituição cultural uma presença agradável na praça agitada, sem atrair uma atenção desproporcional para a Ópera. Graças às projeções precisas, os pedestres não percebemnenhum brilho excessivo, uma vez que a projeção da luz na base do edifício foi minimizada, com uma graduação suave à medida que se desce ao nível dos olhos.Mesmo os espectadores dos shows da Ópera, ao olhar para fora, se beneficiam de um alto conforto visual, uma vez que a máscara de projeção não permite que a iluminação entre nas janelas. A máscara apresenta cortes claros entre fachada e janelas. Os projetistas também aplicaram a mesma estratégia de mascaramento para o telhado e as grandes esculturas nos cantos, evitando assim qualquer vazamento de luz e poluição luminosa.
Considerando que as luminárias são muitas vezes orientadas perpendicularmente à fachada - causando uma impressão plana com linhas de sombras verticais ausentes - o arranjo dos projetores na Ópera de Zurique é baseado em um layout diagonal. Este truque cria linhas verticais de sombras mais intensas para enfatizar o volume da fachada histórica. Para cobrir o edifício por completo, os especialistas em iluminação da Opticalight usaram quatro projetores para o edifício principal. A torre acima do palco recebeu quatro projetores adicionais para melhorar a percepção de uma visão mais distante. Para os pedestres em frente ao edifício, o pórtico é claramente destacado como uma fachada de entrada, recebendo o maior intensidade de luz.
A discreta imagem noturna de Zurique, que seduz os cidadãos e os turistas com o minimalismo, é um contraponto agradável às cidades que se buscam conceitos de luz espetaculares e branding. Zurique joga habilidosamente com o jeito minimalista suíço. Sua equipe de projeto rejeitou as tentações de se concentrar em edifícios individuais, de usar intensos feixes de luz para uma modelagem exagerada em fachadas ou de usar a cor e o brilho para dominar a vida noturna urbana. Em vez disso, Zurique compôs seu master plan de iluminação urbana com uma visão que conecta todo o conjunto de edifícios e que emana uma consciência de identidade local.
Light Matters, uma coluna mensal sobre luz e espaço, é escrita pelo Dr. Thomas Schielke. Ele reside na Alemanha, é fascinado pela iluminação arquitetônica e trabalha como editor na empresa de iluminação ERCO. Ele publicou vários artigos e é co-autor dos livros "Light Perspectives" e "SuperLux". Para mais informações, acesse www.erco.com, www.arclighting.de ou siga-o @arcspaces.