Quanto mais carros nas ruas, mais vagas de estacionamento são necessárias. Não é incomum que as pessoas se questionem se existem vagas suficientes. Mas provavelmente o problema é que perguntas erradas levam a respostas erradas. Na verdade, não faltam vagas: sobram carros. O que acontece de fato é que quanto maior a oferta de vagas, maiores as chances de que as pessoas escolham o automóvel como transporte individual, o que gera, claro, maior demanda por vagas.
Dentro das edificações, a oferta de vagas também tem uma relação direta com o aumento do custo dos imóveis, que precisam oferecer uma estrutura reforçada para acomodar mais vagas. As garagens subterrâneas – adotadas em boa parte dos casos – ou mesmo as garagens em pavimentos superiores exigem estruturas mais robustas. O resultado é que os custos elevados para o construtor acabam sendo incorporados aos custos totais da obra, e repassados no valor de venda dos imóveis.
Não é estranho afirmar que os custos das vagas de estacionamento não impactam somente a vida daqueles que precisam delas, pelo contrário, toda sociedade é penalizada e sofre as consequências desse processo. Para reverter esse cenário, é importante que a redução da oferta de vagas seja objeto das políticas públicas, principalmente em regiões que contam com sistemas de transporte público como corredores de transporte, como BRTs, trens e metrôs.
Caso de sucesso no México
A exigência das legislações municipais por um número mínimo de vagas dentro dos empreendimentos imobiliários parte da premissa de que um empreendimento deve mitigar os impactos gerados por sua implantação através da acomodação dos carros dentro dos lotes e não nas vias. No entanto, essa premissa desconsidera o comportamento de demanda induzida pelo aumento da oferta, já amplamente estudado por especialistas ao redor do mundo. A consequência é que, ao invés de mitigar, a sobreoferta de estacionamento aumenta o fluxo de automóveis no entorno dos empreendimentos, gerando impactos ainda maiores.
Diante disso, a Cidade do México eliminou os requisitos que obrigavam as construtoras a incluir um número mínimo de vagas de estacionamento em cada nova edificação. A alteração da legislação da Cidade do México é fruto de análises, estudos e proposições desenvolvidas em quase uma década de convencimento das autoridades para a necessidade dessa mudança.
Bernardo Baranda, Diretor do ITDP para América Latina, participou das articulações que levaram a Cidade do México a mudar as políticas públicas para gestão das vagas de estacionamento nas novas construções. De acordo com Baranda, as medidas aprovadas provocarão uma mudança no desenvolvimento urbano para os próximos anos e também ajudarão a melhorar o transporte público. “Começamos a trabalhar em 2011, com o estudo “Menos Cajones Mas Ciudad”. Realizamos parcerias-chave com outras organizações da sociedade civil, com a iniciativa privada, fizemos um esforço de conscientização por meio da mídia e articulação institucional junto ao governo”, explica.
Para Bernardo, não podemos esperar que o transporte público seja perfeito para restringir o uso do carro. É preciso trabalhar com arquitetos e desenvolvedores urbanos inovadores e principalmente mostrar para a sociedade que esse tema é importante, medindo o impacto e garantindo que as redes de transporte público sejam configuradas de forma adequada.
Nova publicação sobre vagas no Rio de Janeiro
Na tentativa de colaborar com a mudança deste cenário, o ITDP Brasil elaborou uma publicação que analisa a política vigente de regulação de vagas de estacionamento em edificações na cidade do Rio de Janeiro. O estudo traz também exemplos de boas práticas em políticas de estacionamento no Brasil e ao redor do mundo. O objetivo é fornecer subsídios para auxiliar os diferentes atores engajados no processo de planejamento territorial e de transporte na promoção do desenvolvimento urbano da cidade.
O levantamento apresenta uma contextualização histórica entre as diferentes legislações urbanas que regulamentaram o número de vagas de estacionamento em edificações até os dias de hoje. A metodologia aplicada para o desenvolvimento da estimativa do número de vagas criadas na cidade e seus efeitos na produção imobiliária em termos de área construída tomou como base as licenças de Habite-se concedidas pela Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação no período entre janeiro de 2006 e dezembro de 2015.
Diego Silva, Coordenador de Gestão da Demanda por Viagens do ITDP Brasil, explica que é preciso investir recursos de longo prazo para construir espaços para pessoas e não para carros. “Nos últimos 10 anos, estima-se que 43% da área construída na cidade do Rio de Janeiro tenha sido dedicada à garagens, considerando apenas a exigência mínima da lei de zoneamento vigente. Os bairros onde houve maior aumento de vagas no período são justamente aqueles onde houve maior investimento do poder público em novos sistemas de transporte, como Barra da Tijuca, Recreio e Jacarepaguá”, analisa. No momento, várias cidades do Brasil estão revisando suas leis de uso e ocupação do solo, o que se traduz na oportunidade ideal para que essa discussão seja feita com toda a sociedade.