A primeira viagem espacial à lua, os protestos anti-guerra generalizados, Woodstock e os hippies, comunidades rurais e ambientalismo, o Muro de Berlim, o movimento de libertação das mulheres e muito mais - as tumultuadas décadas de sessenta e setenta ocupam um lugar inesquecível na história da humanidade. Com as injustiças sendo questionadas abertamente e ideias radicais que propunham destituir muitas das convenções existentes em várias esferas da vida, as coisas não foram diferentes no mundo da arquitetura.
O mundo idealizado pelos modernistas foi logo questionado por experimentos utópicos dos grupos "anti-arquitetura" ou "design radical" dos 1960-1970. Restabelecendo a arquitetura como um instrumento de crítica política, social e cultural, elaboraram manifestos e projetos arrojados, experimentaram com a colagem, música, performance artística, mobiliário, design gráfico, zines, instalações, eventos e exposições. Enquanto certos indivíduos desta época como Cedric Price, Hans Hollein e Yona Friedman perduraram como importantes nomes na esfera do radicalismo e do não construído, o espírito revolucionário dessas décadas também viu o nascimento de vários jovens coletivos de arquitetura. No que há de mais excêntrico, veja a lista (de forma alguma exaustiva) de alguns grupos que ousaram questionar, cutucar, expandir, se rebelar, interromper e redefinir a arquitetura nos anos 60 e 70.
Ant Farm (San Francisco, EUA)
Inspirados pela contracultura efervescente da Bay Area, Chip Lord e Doug Michels fundaram o Ant Farm em 1968. Embora o foco inicial do grupo fosse a reforma da educação arquitetônica, seu trabalho logo se expandiu para uma ferramenta introspectiva e profundamente crítica, impulsionada particularmente pela arquitetura brutalista de Louis Kahn e Paul Rudolph. Através de performances, instalações, vídeos, manifestações e eventos agitprop (de agitação e propaganda) repletos de suas próprias estruturas infláveis, eles celebravam a flexibilidade e a leveza na arquitetura; Essas idéias acabaram culminando no projeto The House of the Century.
Projetos subseqüentes, como o famoso Cadillac Ranch Show, Media Burn e o Dolphin Embassy, também eram vistos como comentários irônicos sobre o consumo e produção em massa além do descaso com o meio ambiente. Como se tudo isso não bastasse para satisfazer o espírito atrevido da dupla, um Chevy personalizado chamado Media Van os acompanhava por todas as suas viagens pelos Estados Unidos.
Archigram (Reino Unido)
Megasestruturas que caminham através de pernas esguias, moradias portáteis, cidades subaquáticas, aldeias infláveis, kits auto-explicativos para construção, pílulas que induzem visões arquitetônicas fantásticas e muito mais - esse grupo de arquitetos (Peter Cook, David Greene, Mike Webb, Warren Chalk, Dennis Crompton e Ron Herron) é, sem dúvida, o primeiro que vem à mente quando unimos as palavras "radical" e "arquitetura".
Incorporando elementos de ficção científica, quadrinhos, imagens publicitárias, pop-art, poesia e colagem em seu trabalho, o Archigram manteve os princípios do neo-futurismo, o consumo de massa e a tecnologia contemporânea da Grã-Bretanha pós-guerra. Eles rejeitaram a camisa de força modernista, propondo desenhos fantásticos de edifícios e cidades móveis, adaptáveis e muito mais tecnologicamente avançadas do que qualquer coisa que os modernistas podiam construir naquele momento.
Archizoom Associati (Itália)
Mais conhecidos pelo seu projeto No-Stop City, sua estética eclética e kitschy são facilmente reconhecidas no design da Safari Chair e da Dream Bed, este estúdio de design italiano criticava o status-quo usando sátira, subversão, ironia e exagero.
No manifesto redigido para a exposição Superarchitettura de 1961, assinado em em conjunto com o Superstudio, eles proclamaram: "Superarchitettura é a arquitetura da superprodução, superconsumo, superindução ao consumo, supermercado, superman, super gás". Usando formas escultóricas, cores vivas e "piadas formais" como a cadeira Mies, o grupo não conformista argumentou à favor da liberdade total, e o "direito de ir contra uma realidade sem sentido ... que age, modifica, constrói e destrói o meio ambiente".
Cavart (Itália)
Formado em 1973, “Cavart", que significa "pedreira", foi batizado com o nome do lugar onde se deu a primeira performance do grupo: a pedreira do Monte Lonzina, perto de Pádua. Geralmente ocupando lugares remotos nos arredores das cidades, o grupo operava principalmente por meio de seminários, apresentações e workshops. A mais famosa delas foi a oficina de uma semana chamada Arquitetura Culturalmente Impossível, que reuniu centenas de participantes em 1975, incluindo Will Alsop e Marco Zanini.
A Cavart trabalhou incansavelmente para acabar com os ideais e a estética da burguesia, defendendo uma relação mais significativa entre arquitetura e meio ambiente. Suas oficinas muitas vezes resultaram em cidades pop-up efêmeras, criadas do nada em poucos dias, suas estruturas eram construídas com materiais corriqueiros, baratos e acessíveis à todos.
Superstudio (Florença)
As propostas bizarras do Superstudio não encontram paralelo no período de radicalismo do design italiano: uma série alucinógena de pirâmides douradas e maciças, redes infinitas de cidades, casulos metálicas que flutuam no espaço, gigantescos cubos reflexivos estacionados em paisagens desoladas e humanos misturando-se com cactos gigantes com um pano de fundo feito de montanhas rochosas - tudo estranhamente associado aos mirabolantes mundos descritos por Philip K Dick, Isaac Asimov e JG Ballard. Através de fotomontagens audaciosas, ilustrações, filmes, exposições e proclamações textuais, suas propostas influenciaram o mundo todo.
Gruppo UFO
Entretanto isso nos perguntamos se de fato estes grupos radicais, em algum momento, chegaram à "construir edifícios"? Efetivamente! Alguns deles realmente se dedicaram em (re)projetar espaços, mais especificamente, discotecas ou "pipers", como eram conhecidas durante os anos 60. O grupo de design italiano UFO decidiu assumir o controle desse espaço aparentemente "neutro", as discotecas, como espaço de experimentação. Inspirados no desenho animado da Disney, Pato Donald e a ampulheta, o grupo projetou uma estranha configuração repleta de móveis de vidro, grandes lanternas e uma cabine de DJ em um tapete voador. As estruturas improvisadas e a estética industrial marcaram as experiências nesta época, contrapondo-se ao estado sórdido do mundo.
Gruppo 9999
Na mesma linha, outro coletivo italiano fundado em 1967, o Gruppo 9999, converteu uma oficina de conserto de motores em uma discoteca com mobiliário feito de tambores de máquinas de lavar e geladeiras antigas, chamando Space Electronic - durante o dia funcionava como uma escola de arquitetura, e durante à noite, em boate.
A atividade do Gruppo 9999 também era sensível a questões relativas à sustentabilidade e meio ambiente. No Festival Mondiale de 1971, o segundo andar do Space Electronic abrigava uma horta enquanto que o térreo, estava inundado d'água. Este fragmento de jardim foi apenas um precursor do que estava por vir - em 1972, o Gruppo 9999 ganhou o concurso para jovens designers do MoMA com a sua proposta "Vegetable Garden House".
Gruppo Strum (Itália)
Fundado em 1971, Gruppo Strum era composto por Giorgio Cerretti, Pietro Derossi, Carlo Gianmarco, Riccardo Rosso e Maurizio Vogliazzo. O significado do nome do grupo pode ser traduzido como "arquitetura instrumental", comunicando o espírito otimista com que o grupo se identificava. Também experimentando formalmente com as casas noturnas, criaram espaços divertidos e flexíveis com uma diversidade de usos: uma passarela para desfiles de moda, boutiques e uma pista de dança.
Gruppo Strum é mais conhecido por sua Pratone lounge chair, que, para o deleite de muitos, está sendo novamente produzida pela Gufram, a primeira fabricante da cadeira italiana.
Haus-Rucker-Co (Viena)
Este coletivo vienense, que opera na convergência entre arquitetura, psicologia e tecnologia, é mais conhecido por sua proposta selvagem de arquitetura inflável e parasitária, como o Oase Nr. 7, uma estrutura pneumática esférica anexada a um edifício existente durante a Documenta 5, criando um espaço contemplativo e recreativo. Mas não só isso, eles também propunham estranhos dispositivos de respiração e capacetes, como a série Mind Expander. Brincando com a percepção humana, esses capacetes apresentavam uma nova realidade bizarra para aqueles que os usavam, ampliando os sentidos e alterando sua percepção espacial.
O grupo também se utilizava do senso gustativo em seus projetos: a famoso Food City I e a Food City II convidaram os espectadores a degustar, literalmente, a cidade - reproduções comestíveis, em escala humana, de fragmentos da cidade de Minneapolis e mais tarde de Houston, assim como do Central Park .