Entendendo a planta moderna através de 10 residências icônicas

Os "cinco pontos da nova arquitetura" de Le Corbusier funcionaram no século XX como o grande norte da produção arquitetônica em diversos países e são fundamentais para a compreensão do que foi o legado moderno nesse campo. Janelas em fita, fachada livre, pilotis, terraço jardim e, talvez o ponto mais expressivo, o conceito de planta livre, constituem o manifesto do arquiteto franco-suíço. Em termos de prática projetual, este último ponto significa distinguir estrutura e envoltória, permitindo a livre disposição de paredes divisórias que deixam, então, de cumprir uma função estrutural.

Diversas tipologias foram imbuídas desses princípios para uma nova arquitetura, e com os projetos residenciais não foi diferente. Outrora caracterizada por uma divisão de ambientes absolutamente clara e vinculada às dinâmicas domésticas, a casa, filtrada pelo discurso moderno, passara a ser flexível e passível de novas articulações espaciais.

Para entender melhor as ideias por trás do espaço doméstico moderno, reunimos a seguir alguns dos exemplos mais emblemáticos de residências no Brasil e no mundo, acompanhados dos desenhos de suas plantas.

VILLA SAVOYE

Villa Savoye / Le Corbusier. © Ángel Fernandez

Considerada o grande manifesto da proposta para uma nova arquitetura elaborada pelo arquiteto Le Corbusier em 1927, a Villa Savoye foi construída entre 1928 e 1929 na França. Ela, juntamente com a Villa Stein, do ano anterior e do mesmo arquiteto, sintetizam de forma muito rigorosa a implementação dos cinco pontos. Em relação à planta baixa, a Villa Savoye estrutura-se a partir de uma modulação de pilares que fazem parte de um conjunto estrutural independente e propõe a unidade residencial como uma máquina de morar amparada pelos novos adventos tecnológicos da época. O desenho do plano horizontal responde à diversidade da demanda de usos do projeto e revela a complexidade das relações propostas pelo arquiteto.

© Julia Brant

Nesse caso, vale destacar a divisão dos programas verticalmente, já que cada pavimento também trata de reforçar as ideias colocadas no discurso do arquiteto: o térreo, desenhado a partir da perspectiva da chegada do automóvel na casa, recebe programas ligados aos serviços, enquanto o pavimento intermediário contempla os programas privados e funcionais da residência e o pavimento superior recebe o espaço de estar e deleite visual da própria obra construída, tudo isso vinculado pelos elementos de circulação que promovem a ideia de promenade arquitetônica.

© Julia Brant

CASA CURUTCHET

Casa Curutchet / Le Corbusier. © ARQ+HIS

Após incessante busca por profissionais argentinos para realizar um projeto de residência e consultório médico, o proprietário, Dr. Pedro Domingo Curutchet, contrata Le Corbusier para intervir num terreno da cidade de La Plata. O local nunca fora visitado pelo arquiteto, o que demandou grande contribuição do arquiteto argentino Amancio Williams.

O resultado é um projeto que também expressa diretamente as premissas de planta livre: sua estrutura em concreto armado pautada a partir da modulação dos pilares recebe os programas em pavimentos que se sobrepõem e se articulam a partir de elementos de circulação ao redor de um pátio interno e entrada com pilotis.

© Julia Brant

CASA FARNSWORTH

Casa Farnsworth / Mies van der Rohe. © Tim Brown Architecture

Construída para ser uma casa de final de semana em Plano, Illinois, nos arredores de Chicago, a Casa Farnsworth é um projeto do arquiteto alemão naturalizado norte-americano Mies van der Rohe, realizado entre 1945 e 1951. Pensada essencialmente como um pavilhão térreo que deixa os elementos naturais do entorno em direto contato com o interior da casa, definido apenas grandes planos de vidro, a residência também é um exemplo de implementação da planta livre. 

© Matheus Pereira

A estrutura consiste em oito pilares de aço em perfil "I" que sustentam as lajes de piso e cobertura e os fechamentos se dão apenas pelos vidros, o que faz desse projeto um exemplar irrevogável do famoso preceito "menos é mais". Em relação à planta, seu interior integra todos os usos da vida doméstica, embora alguns autores [1] considerem que isso ocorra de forma impessoal e de certa forma imposta pelo arquiteto enquanto modelo para a vida cotidiana de sua cliente, a médica Edith Farnsworth. 

VILLA TUGENDHAT

Villa Tugendhat / Mies van der Rohe. © Alexandra Timpau

Outro projeto de Mies van der Rohe, encomendado por um jovem casal que procurou o arquiteto pela vontade de ter uma casa espaçosa e com formas simples - demanda que se alinhava diretamente com a ideia da planta livre. Nesse exemplo, também recorre-se ao aço como elemento estrutural do volume de três pavimentos que contempla o programa e se articula a partir de variações na inclinação do terreno. Apesar de se localizar em Brno, na República Tcheca, as peças metálicas da estrutura da casa foram produzidas em Berlim, uma vez que não era comum recorrer a este tipo de material para construções residenciais na época.

© Matheus Pereira

A despeito do esforço, era essa estrutura metálica que garantia uma série de vantagens exploradas por Mies em seus projetos, como a possibilidade de leveza das divisórias e uma planta livre que pudesse variar nos pavimentos de acordo com seus programas específicos.

CASA EAMES

Casa Eames / Charles e Ray Eames. © Flickr de rpa2101

Projetada pelos arquitetos Charles e Ray Eames como parte do programa das Case Study Houses promovidas pela revista Arts and Architecture de Los Angeles, esta casa de 1945 representa um esforço para o reconhecimento das novas tecnologias disponíveis para a construção civil desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial. Os dois volumes articulados pelo pátio foram pensados a partir de elementos pré-fabricados.

© Matheus Pereira

No caso desse projeto, recorrer à planta livre permitiu que os pavimentos dos volumes estabelecessem relações de pé direito duplo em alguns momentos, criando diversas composições e possibilidades de leitura espacial. Além disso, a estrutura independente de perfis de aço permite a livre disposição de painéis coloridos opacos e translúcidos que contribuem para gerar interessantes efeitos de luz nos ambientes internos.

RESIDÊNCIA RIETVELD SCHRÖDER

Residência Rietveld Schröder / Gerrit Rietveld. © Zasa Lein

A residência projetada por Gerrit Rietveld em 1924 na Holanda é um exemplo de flexibilização total dos espaços domésticos a partir de um raciocínio de planta cujas divisórias podem ser alteradas. Isso é viável graças ao uso de paredes retráteis que podem ser recolhidas articulando diversos ambientes da casa e eliminando a noção de hierarquia entre os cômodos e as atividades cotidianas da família. 

© Matheus Pereira
© Matheus Pereira

Ao proporcionar uma diversidade de possibilidades de layout a partir de uma mesma envoltória ortogonal, esse projeto reitera as virtudes de se pensar a autonomia dos elementos estruturais em relação às dinâmicas dos ambientes internos.

CASA DAS CANOAS

Casa das Canoas / Oscar Niemeyer. © SkyscraperCity

Projetada por Oscar Niemeyer para si mesmo entre 1950 e 1954, a Casa das Canoas no Rio de Janeiro representa um exercício de síntese das ideias da arquitetura moderna experimentadas pelo arquiteto em outros projetos, agora voltadas ao âmbito doméstico e privado.

© Matheus Pereira

O projeto toma o exuberante contexto natural como ponto de partida, o que se reflete na opção por uma estrutura constituída por pilares tubulares delgados pintados de preto que recebem um fechamento externo de vidro, criando uma casa visualmente transparente em seus espaços sociais. Em relação à planta, a fluidez total entre os ambientes é possibilitada pela autonomia estrutural e reiterada por divisórias que, nos poucos momentos em que aparecem, são linhas sinuosas e leves.

RESIDÊNCIA OLIVO GOMES

Residência Olivo Gomes / Rino Levi. © Nelson Kon

Localizada em São José dos Campos, esta casa projetada por Rino Levi com projeto de paisagismo de Roberto Burle Marx é contemporânea ao projeto anterior de Oscar Niemeyer. Situada em um grande parque, a casa estabelece relações importante com seu entorno. No térreo, de pilotis, fica clara a ordenação estrutural do projeto, construído em concreto armado e com uma diversidade de materiais utilizados para fechamentos e divisórias.

© Julia Brant

A liberdade de organização da planta permitiu criar situações bem demarcadas de acordo com seus usos, assim, os três setores da casa - social, serviço e quartos - apresentam distribuições diversas em termos de layout.

RESIDÊNCIA OSCAR AMERICANO

Residência Oscar Americano / Oswaldo Bratke. © Nelson Kon

Grande expoente da arquitetura moderna em São Paulo, o arquiteto Oswaldo Bratke também foi adepto do princípio da planta livre em uma variedade de projetos. No caso das residências, um exemplo que faz uso comedido desse tipo de planta é a Residência Oscar Americano, obra realizada com estrutura de concreto armado a partir de uma modulação rigorosa de pilares.

© Julia Brant

A independência da estrutura em relação aos demais elementos que definem os espaços domésticos permitiu ao arquiteto criar recuos, aberturas, vazios e avanços que enriquecem a leitura do edifício e exprimem a grande liberdade espacial presente.

CASA DINO ZAMMATARO

Casa Dino Zammataro / Rodrigo Lefèvre. © Flickr de Danilo Hideki

Em 1970, Rodrigo Lefèvre elabora o projeto para a residência de Dino e Taís Zammataro em São Paulo. O histórico de produção prática e acadêmica do arquiteto dentro do que se entendeu como Grupo Arquitetura Nova junto às figuras de Sergio Ferro e Flávio Império, aponta para uma série de inovações no canteiro de obra e na forma do pensar o projeto enquanto profissional que dialoga diretamente com as questões do mercado de construção civil, como as condições de trabalho, as vias de economia de meios, entre outros pontos.

© Julia Brant

Em sua trajetória de experimentação construtiva, Lefèvre e seus companheiros aderiram de forma sistemática à abóboda, solução que se coloca frente às possibilidades construtivas que refletiam a realidade local, além de representar uma preocupação com as condições de trabalho no canteiro. Na Casa Dino Zammataro, o arquiteto propõe uma abóboda com um novo arco, até então não utilizado pelo grupo, o que viabiliza a existência de um segundo pavimento na residência. A função de cobertura auto-portante da abóboda libera o espaço interno para receber uma variedade de possibilidades de desenho de planta. 

Referências:
[1]: Em seu livro Women and the making of the modern house: a social and architectural history, de 2006, Alice Friedman coloca em debate a forma como se estabelecia a relação entre arquiteto e cliente nos projetos modernos.

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Sobre este autor
Cita: Julia Daudén. "Entendendo a planta moderna através de 10 residências icônicas" 10 Jun 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/897128/entendendo-a-planta-moderna-10-residencias-iconicas> ISSN 0719-8906

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