Em pouco mais três meses, Érica Oiticica e Sâmyla Souza, estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), elaboraram um projeto de Rua Completa que as garantiu um prêmio e a oportunidade de apresentar a ideia para pessoas do mundo inteiro durante uma conferência na Tanzânia. O concurso “As Cidades Somos Nós” inspirou a dupla a experimentar colocar as suas melhores ideias de urbanismo no papel para transformar uma rua de Belo Horizonte.
Com o objetivo de apoiar ideias que reduzam o espaço dos carros nas vias, o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) Brasil organizou o concurso “As Cidades Somos Nós – 2018”, voltado para estudantes do Ensino Superior ou profissionais recém-formados. Mesmo em meio às aulas de final de curso, Érica e Sâmyla perceberam que não poderiam deixar escapar a oportunidade de participar.
“A Rua da Gente” criada por elas busca priorizar a interação das pessoas com o espaço público. O projeto procura transformar a Rua dos Goitacazes, localizada no Hipercentro de Belo Horizonte e em uma área de grande densidade populacional da cidade. O trecho selecionado, que liga a Avenida Amazonas à Rua da Bahia, acomoda duas instituições de ensino e é um possível percurso entre o Mercado Municipal e o Parque Municipal Renné Gianne.
Todas essas características fazem com que a via tenha momentos de acentuado fluxo de pessoas, em grande parte crianças. Ao mesmo tempo, as calçadas não possuem uma largura adequada e estão deterioradas. Já os espaços para estacionamento de veículos ocupam os dois lados da rua em quase toda a sua extensão.
Muita pesquisa e conversa com moradores e pessoas que circulam pela Rua dos Goitacazes foram fundamentais para que as estudantes decidissem que o melhor para a via seria melhorar e tornar mais acessíveis seus espaços de pedestres e os aspectos de conectividade e segurança viária. Ou seja, respeitar a vocação da rua e garantir o pedestre como protagonista. “Esse é um percurso que pode ser muito mais do que um caminho de passagem, mas ser um lugar possível para parar, interagir, vivenciar. Como um pequeno refúgio nessa vida corrida”, ressalta Érica.
A idealização do projeto partiu da premissa de ser um plano executável, com intervenções que poderiam parecer pequenas individualmente, mas que fossem funcionais e, somadas, transformassem a forma como a rua é vivenciada. Entre as medidas propostas estão a retirada de vagas de estacionamento, implementação de via compartilhada, instalação de parklets e estação de bicicletas e a criação de um pocket park aberto à população em um lote de estacionamento ao lado de uma das instituições de ensino. “Pensamos muito nessa interação entre as escolas e em trazer um senso comunitário à região. Imaginamos um espaço que pode se transformar em um cinema ao livre, uma exposição de arte, um lugar para as crianças, aos pais, aos trabalhadores locais”, explica Sâmyla.
Ruas Completas
Alguns dos fundamentos que guiaram e estimularam Érica e Sâmyla na elaboração do projeto foram apanhamos durante a palestra “Ruas Completas”, realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF e ministrada pela analista de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil, Luisa Peixoto. A apresentação abordou o conceito de Ruas Completas e boas práticas implementadas por cidades ao redor do mundo. O evento também contou com a presença do secretário de Transportes e Trânsito de Juiz de Fora (Settra), Rodrigo Mata Tortoriello, que falou sobre o projeto da Rua Completa em elaboração na cidade.
“Foi uma palestra cheia, com muitos alunos interessados. Foi ótimo falar o lado técnico e conceitual de uma Rua Completa, mas, mais que isso, poder expandir a ideia de urbanismo, de colocar o olhar da arquitetura na construção de cidades para as pessoas”, conta Luisa. Segundo Érica, até então o curso carecia dessa abordagem do desenho urbano na mobilidade urbana. “Estudamos planejamento urbano, mas até então era muito na teoria. Agora, parece que estamos caminhando para um foco maior em projetos e em todo esse olhar diferenciado”, acrescenta Sâmyla.
O encontrou marcou o lançamento da disciplina “Projeto e Mobilidade Urbana” na base curricular da FAU, que será oferecida de forma eletiva e lecionada pelo professor Fernando Lima. A capacitação dos alunos faz parte das ações do acordo de cooperação da cidade de Juiz de Fora com o WRI Brasil e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP).
Tanzânia
O concurso do ITDP premiou as estudantes com uma viagem a Dar es Salaam, na Tanzânia, para a participação no Mobilize Summit 2018. O evento reuniu pessoas de 61 cidades vindas de 31 países para aprender com ações de mobilidade e acessibilidade implementadas em Dar es Salaam e discutir esses temas com foco nas cidades que apresentam índices altos de crescimento populacional.
Para Érica e Sâmyla, a experiência foi a oportunidade perfeita para aprender em meio a um contexto tão diferente do que o habitualmente estudado. “É incrível conhecer as diversas realidades urbanas, aprender a partir de exemplos onde tudo está sendo desenvolvido e onde estão aprendendo a lidar com desafios. São lugares onde novas ideias estão surgindo e sendo discutidas o tempo todo, para acompanhar o rápido desenvolvimento das cidades. É diferente de aprender na faculdade apenas sobre cidades como Copenhagen, por exemplo, onde os principais problemas que ainda enfrentamos em nossa realidade já foram contornados”, salienta Érica.
“Foi muito gratificante, a presença de engenheiros de trânsito, planejadores, arquitetos de várias partes do mundo trazendo conhecimento, ideias e soluções multidisciplinares. Acredito que éramos as únicas estudantes lá. Foi crescimento pessoal enorme”, destaca Sâmyla.
Após formadas, as duas querem continuar trabalhando na área de urbanismo e mobilidade e se dizem muito felizes com essa opção. “Enxergamos urbanismo em tudo, estamos sempre conversando com outras pessoas interessadas como a gente. Acho que essa área veio até a gente, nos escolheu”, brinca Érica.
A expectativa das duas é que o projeto “A Rua da Gente” em breve se transforme em realidade. “Temos muito orgulho desse projeto. Pode parecer piegas, mas ele é realmente nosso bebezinho e por isso queremos ver ele implantado e construir muitos outros”, afirma Sâmyla.
Via: TheCityFix Brasil.