A ameaça das mudanças climáticas é um fator que se soma aos múltiplos desafios de um mundo cada vez mais urbano. Além da necessidade das cidades se estabelecerem como organismos prósperos e sustentáveis, as alterações no clima ainda colocam em risco a saúde da população e a economia local e irão acarretar problemas difíceis até de imaginar. A ação climática encontra sua origem nas cidades, espaços que irão determinar o futuro do planeta.
O conceito de desenvolvimento de baixo carbono, ou low-carbon, remete à forma de planejar o desenvolvimento urbano com menores taxas de emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa (GEE). Ao se debruçar sobre 700 estudos, um time de pesquisadores da Universidade de Leeds, em parceria com a Coalition for Urban Transitions, concluiu que medidas de baixo carbono podem ajudar a alcançar diversas prioridades do desenvolvimento urbano, como criação de empregos, saúde pública, inclusão social e melhoria da acessibilidade.
Os autores do relatório intitulado “Os Benefícios Econômicos e Sociais de Cidades de Baixo Carbono: Uma Revisão Sistemática das Evidências” (The Economic and Social Benefits of Low-Carbon Cities: A Systematic Review of the Evidence) buscaram identificar sinergias entre as metas de desenvolvimento urbano e a mitigação do clima que irão ajudar a fomentar a vontade política e a opinião pública rumo a ações ambiciosas de baixo carbono nas cidades.
“Onde ruas estão congestionadas e os números de veículos estão aumentando, investimentos em infraestrutura de transporte coletivo e não-motorizado são importantes para melhorar o acesso a empregos, serviços e lazer. Onde edifícios mais antigos ou mal concebidos criam más condições de vida e altas contas de energia, os retrofits podem melhorar a saúde dos moradores enquanto reduzem suas contas de energia. Em cidades de baixa-renda sem sistemas abrangentes de gestão de resíduos, melhorias na coleta, reciclagem e procedimentos em aterros podem criar empregos e reduzir a incidência de doenças”.
Transporte de baixo-carbono
O setor de transportes contabilizou, em 2010, 23% das emissões globais de gases de efeito estufa e é uma das fontes de emissões que cresce mais rapidamente. Os combustíveis fósseis são ainda a fonte dominante de energia final para o transporte, com o petróleo respondendo por mais de 90% da demanda final de energia, afirma o relatório. Fazer uma mudança a partir dos sistemas e redes de transporte já estabelecidos custa caro e é um processo desafiador.
O estudo aponta para uma série de ações e políticas de mitigação climática relacionadas ao transporte que pode gerar grandes benefícios econômicos. Em especial:
- Planejamento urbano compacto e redução da demanda de viagens de passageiros;
- Alterar o modo de viagens de passageiros e expandir o transporte público;
- Melhorar a eficiência e eletrificação dos automóveis de passageiros;
- Melhorar a logística dos transportes de cargas;
- Melhorar a eficiência e a eletrificação dos veículos de carga.
O relatório indica que investimentos em todas as ações relacionadas ao transporte nas áreas urbanas poderia poupar 2,8 Gt de emissões de GEE anualmente até 2050. Os co-benefícios das ações climáticas que buscam o transporte de baixo-carbono foram identificados em quatro setores: saúde pública, emprego, congestionamento e inclusão social.
Saúde pública
– O valor dos benefícios para a saúde dos investimentos em infraestrutura de ciclovias pode chegar a mais de cinco vezes o valor dos investimentos. Levando em consideração a Europa, isso sugere que os benefícios de saúde do uso da bicicleta podem valer de US$ 35 a US$ 136 bilhões (valores de 2017) anualmente.
– Os acidentes com veículos motorizados são responsáveis por 1,3 milhão de mortes no mundo a cada ano e mais de 78 milhões de feridos. Onde as redes de transporte público estão bem desenvolvidas, o número de ferimentos relacionados ao transporte são 80% menores.
Congestionamentos
– Os custos dos congestionamentos, devido ao tempo perdido e ao combustível desperdiçado, chegam a mais de 1% do PIB na maioria das cidades desenvolvidas e a 10% do PIB nas cidades em desenvolvimento. As taxas de congestionamento, planejadas ou implementadas em mais de uma dúzia de cidades globais, reduziram o tráfego, os tempos de viagem e os congestionamentos entre 10% e 30%.
– Mais ruas levam frequentemente a tempos de viagem ainda maiores. Por outro lado, o transporte público pode proporcionar uma redução drástica nos tempos de deslocamento, em alguns casos, reduzindo-os em mais de 50%.
Emprego
– Os investimentos na expansão do transporte público e na melhoria da eficiência veicular podem levar à criação de mais de 3 milhões de empregos anuais nas cidades de países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e entre 3 milhões e 23 milhões de empregos anuais em cidades fora da OCDE, no período até 2050.
Inclusão social
– As pessoas de faixas de renda mais baixas normalmente gastam mais tempo em deslocamentos. Melhorar a acessibilidade, portanto, beneficia ainda mais os mais pobres.
– Populações vulneráveis geralmente têm pior saúde do que a média. Também podem ser mais propensas a viver e trabalhar em áreas poluídas. Como resultado, grupos marginalizados são os maiores beneficiados de intervenções que melhoram a qualidade do ar.
O documento reúne dados de diversos países e afirma que a realização das ações climáticas requer a coordenação horizontal entre diferentes departamentos e setores de governo e verticalmente entre diferentes níveis de governo. “Os desafios que precisam ser superados para as medidas serem implementadas, embora substanciais, são desafios de governança e políticos, antes das capacidades fundamentais, tecnológicas ou mesmo econômicas. Essa revisão, portanto, demonstra que as formas de abordar a mudança climática em conjunto com outras questões urbanas podem estar mais próximas do que imaginávamos”, diz o texto. Para conhecer o relatório na íntegra, acesse aqui.