Ninguém conhece tão bem uma rua ou um bairro quanto as pessoas que vivem neles. Cada local tem suas peculiaridades, suas vocações e também seus problemas. Sendo assim, soluções em escala local podem ser criadas pelos próprios cidadãos, aumentando assim a eficiência e a aderência do projeto. Cidades ao redor do mundo vêm abrindo possibilidades em suas legislações para políticas públicas que facilitem e fomentem a participação cidadã em iniciativas transformadoras.
A experiência diária de apenas observar espaços sendo mal utilizados nas cidades pode ser frustrante. Mesmo pequenas mudanças podem ter um impacto inimaginável na vida de um bairro, mas são noções que, em geral, apenas os habitantes locais conseguem perceber. Aos poucos, a tendência de criar uma cooperação entre a população e a administração local vêm se estabelecendo e se concretizando através de programas que promovem a cidadania ativa.
A apropriação do espaço público pelos cidadãos também contribui para o uso mais democrático e diverso da cidade. Instrumentos que facilitem a colaboração entre a sociedade civil e o poder público se mostram cada vez mais necessários. E eles estão sendo criados. Veja alguns exemplos:
Parklets em São Paulo
São Paulo se inspirou em um projeto inovador da cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, para criar as Políticas de Incentivo aos Parklets Municipais. Os parklets são espaços recreativos de convivência que, em geral, ocupam o lugar de automóveis estacionados em vias públicas. Eles são ambientes que permitem a permanência das pessoas e às estimulam a pensar sobre a distribuição do espaço urbano e sua relação com os automóveis.
A capital paulista instalou pela primeira vez um parklet em 2013, em caráter de teste. Essa primeira ação deu início a um processo de regulamentação que foi concluído com a publicação, em 2014, de um Decreto Municipal (55.045) que o transformou em uma política pública. O documento regulamenta as solicitações, instalações e o uso dos parklets. Para facilitar o procedimento de solicitação e esclarecer cada etapa do processo para a implantação do parklet, a SP Urbanismo elaborou o Manual Operacional para Implantar um Parklet em São Paulo.
Os parklets podem ser implantados por pessoa física, jurídica ou pelo poder público. Após monitorar projetos originados pela iniciativa privada, a prefeitura de São Paulo observou que os parklets estavam concentrados em regiões específicas, em bairros de maior poder aquisitivo da cidade. Para levar essa iniciativa a locais mais carentes de espaços especiais para a população, a prefeitura construiu 32 novos parklets, um por subprefeitura da cidade, em um processo de decisão compartilhada com as subprefeituras. Quatro anos após a regulamentação, São Paulo já contava com 131 parklets implantados.
Outras cidades brasileiras já têm programas semelhantes para parklets, como Rio de Janeiro, com o Paradas Cariocas, Belo Horizonte, com o Varandas Urbanas, e Porto Alegre.
Praças em Nova York
Nova York iniciou, em 2007, um trabalho para solucionar conflitos entre veículos e pedestres e dar melhor uso para o espaço urbano. A ação se transformou no Programa de Praças (Plaza Program), que já criou mais de 70 novos espaços ao definir a reutilização de espaços viários.
Desde 2016, o Departamento de Transporte (DOT) de Nova York passou a convidar a população a sugerir locais para as novas praças. Se o local é selecionado, a cidade financia o desenho e a construção da praça. São realizados workshops com a comunidade para que os moradores possam contribuir com ideias para o projeto. O órgão prioriza pontos situados em bairros com falta de espaços abertos, iniciativas que buscam um consenso e apoio dos interessados locais, e ainda considera o contexto de uso do solo da região, densidade populacional, proximidade com estações de transporte, entre outros critérios.
A escolha também leva em conta a capacidade organizacional e de manutenção da praça ao questionar o quanto o proponente da iniciativa está disposto e é capaz de manter, administrar e programar atividades na praça depois de concluída.
A cada ano, o DOT abre novas oportunidades para a aplicação de projetos e dispõe orientações gerais para as propostas. Um dos requerimentos mais importantes é a inclusão de pelo menos oito cartas de apoio de partes interessadas da comunidade, incluindo, por exemplo, instituições como escolas, igrejas, associações de bairro e empresas próximas.
Humanizando o centro de Auckland
Ao prever o investimento de mais de 12 bilhões de dólares entre os anos de 2016 e 2026 na sua região central, a maior cidade da Nova Zelândia criou o programa Activate Auckland para promover iniciativas voltadas às pessoas e ao meio ambiente.
O programa visa apoiar a população na apropriação dos espaços públicos no centro da cidade, criar locais direcionados às pessoas através de intervenções de baixo custo, colaborativas e que melhoram a qualidade de vida dos habitantes.
O Activate Auckland faz parte do Plano Diretor do Centro da Cidade (CCMP), documento que estabelece objetivos para os próximos 20 anos naquela região. A iniciativa tem o objetivo de lidar com as consequências de mudanças de infraestrutura na área. A avaliação é que grandes projetos de construção podem ter efeitos negativos sobre a experiência da cidade para moradores, trabalhadores e visitantes. Portanto, o Activate Auckland busca explorar oportunidades que mantêm a cidade próspera e que garantam a segurança da população, a sustentabilidade econômica, o acesso dos pedestres e a facilidade do transporte público e privado.
Um dos projetos inseridos no programa Activate Auckland é o Griffiths Gardens, um espaço temporário para a comunidade onde é possível promover atividades de recreação e oficinas variadas, sempre fomentando a criatividade e colaborações. Em 2016, o local era ocupado por um edifício que foi demolido pelo conselho da cidade devido a problemas estruturais. O espaço foi destinado à construção de uma estação de metrô, que está prevista para ser iniciada neste ano. Portanto, para não deixar o espaço vazio e sem utilização, a iniciativa fez pequenas adaptações no local para que ele esteja disponível para o uso da comunidade.
O escritório de projetos de Auckland ainda oferece um contato direto com um dos gerentes do projeto para que a população receba qualquer suporte necessário.
Intervenções temporárias
Existe uma técnica comum a esses três exemplos de projetos, que são guiados pela readequação do espaço viário e a valorização do espaço público pensando no uso das pessoas: o urbanismo tático. A prática não só promove intervenções de baixo custo, rápidas e reversíveis, mas ainda contribui para a visão de cidades mais humanas, amigáveis e seguras. O urbanismo tático carrega na sua essência a colaboração entre o poder público, a população e a iniciativa privada, já que pode partir de qualquer uma das três esferas e/ou envolver todas elas.
Da forma que for, a população sempre terá grande participação na implantação de projetos que seguem a abordagem do urbanismo tático. A experiência real de transformações do espaço público tem o poder de quebrar paradigmas e suscitar novas reflexões sobre o uso das vias. Antes de serem feitos investimentos em intervenções permanentes, é muito importante inserir a visão das pessoas que utilizam o espaço, assim como testar os sucessos e fracassos do projeto.
Guias de implementação
Os parklets e praças construídas em São Paulo, Nova York e Auckland são processos e programas institucionalizados para incorporar o urbanismo tático no processo criação de espaços públicos.
Duas cidades americanas – Burlington e Fayetteville – usaram experiências de projetos em parceria com a população para criar guias que facilitam a comunicação e que auxiliam na melhor concepção possível de cada projeto. Além do processo de proposição, revisão e implementação do projeto, os esquemas criados por ambas as cidades americanas também dão conta da etapa de desenvolvimento da proposta, trabalho muito importante para a aprovação da iniciativa. São orientações e normas gerais (códigos, portarias e leis), um passo a passo sobre o processo necessário para a aprovação de uma intervenção urbana feita pela própria população.
Os guias fazem recomendações de quais locais devem ser evitados, como rodovias estaduais, ruas classificadas como arteriais ou coletoras, vias com limites de velocidade acima de 40 km/h, entre outros limitantes básicos para as propostas.
Os manuais também fornecem dicas de possíveis tipos de projetos, formulários de aplicação, materiais necessários na intervenção, previsão de custos e onde obter cada material, formas de envolver toda a comunidade no projeto, orientações de segurança viária, entre muitas outras recomendações para o sucesso da intervenção. Os guias estão disponíveis online – Guia de Burlington e Guia de Fayetteville – e podem servir de base para a construção de manuais em cidades ao redor do mundo.
Via WRI Brasil