Uma casa provavelmente da década de 50, com varal próximo ao tanque de três bocas, banheiro de azulejos grandes cobertos de tapetes e cozinha cheia de comida. Uma casa de uma família de classe média em Barretos, no interior do estado de São Paulo. Uma casa que figura como protagonista na narrativa proposta pelo trabalho "Maria, José e menino" da fotógrafa paulistana Marina Schiesari.
Em exposição no MIS em São Paulo dentro do projeto "Nova Fotografia", o trabalho apresenta ao público um conjunto de 18 fotografias, tiradas em preto e branco com uma câmera Nikon FM2 e filme Ilford HP5 asa 400, que criam uma história sobre a domesticidade ligada ao espaço da casa, às imagens e representações de família, a religião e os hábitos do cotidiano. Todos esses temas são abordados de forma espacializada, isto é, sua expressão se da de forma inexorável aos ambientes que ocupam, fazendo a construção ser protagonista desse enredo e colocando as figuras humanas quase como coadjuvantes das dinâmicas sugeridas pelos cômodos e pelas atividades do dia a dia. Não é à toa que o discurso que se propõe é evidenciado no varal, na cozinha e no banheiro. De acordo com a fotógrafa, dentro destes ambientes ela se sente contemplada pelo varal e o movimento sereno das roupas, pela cozinha, um lugar de proximidade com a avó e pelo banheiro, lugar de busca por individualidade em uma casa cheia.
"Maria, José e menino" é um título que alude à dimensão religiosa dentro do núcleo familiar, de como a expressão de fé e sacralidade se dá de forma análoga na religião e na casa. Com o conjunto, pretende-se uma desconstrução da imagem idealizada de família a partir da perspectiva doméstica, como contraponto da visão sagrada atrelada à religião. Certa melancolia característica desse espaço também é evocada pela quebra de expectativa que a palavra "menino" do título sugere, em oposição à figura de menino presente nas fotos. Em todas as fotos que ele aparece, está sempre deitado, com o rosto coberto, também sujeito aos pequenos rituais do cotidiano doméstico. Segundo o curador da exposição, Ronaldo Entler:
Essas imagens mostram distâncias que não conseguimos medir: essa parece ser uma casa da vizinhança, cujos cômodos reconhecemos de lugares que frequentamos ou habitamos. Mas ela é feita também de incômodos que não sabemos nomear. É o lugar em que a harmonia prometida por Maria, José e Menino arquetípicos se revela inalcançável. (...) Os rostos de Maria e José estão ali e parecem familiares também a nós, que somos de fora. Mas outra grande distância se instaura na ausência do rosto do Menino. Percebemos que ali – como em todas as outras casas – habitam muitas diferenças. Entre vínculos afetivos e abismos ideológicos, 'a sustentação de um teto comum exige que se encontre cantos capazes de acolher as individualidades', diz a artista.
Tão comuns quanto esses nomes, são os pequenos valores dentro da banalidade que a fotografa busca compartilhar e perpetuar. A queda da luz na toalha seca, a camisa passada, as roupas no varal, os pequenos objetos da casa intercalados com cenas fortes destes três personagens possibilita entender quais os pequenos rituais existentes nesta casa, mas que são reconhecíveis e falam da atmosfera doméstica brasileira de forma sensível e potente.
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