“Tudo o que se repete, perdura, e é eterno, portanto, é sagrado. Por isso que o futebol de Domingo é sagrado; por isso que o sexo é sagrado; por isso que jantar com minha mãe no sábado é sagrado. Isso constrói em mim um vínculo com a permanência de tudo, todos os seres humanos, todos os sonhos, todas as vidas, que, nesse momento, atravessam minha existência”.
Junto de um pequeno córrego, cortando um bosque, o arquiteto paraguaio Solano Benítez delimitou – com quatro vigas de 9 metros de comprimento – um jardim quadrado e infinito. As vigas não se tocam; deixam arestas abertas, aberturas para o interior. Nesse espaço parcamente delimitado, as imagens da paisagem e dos corpos se multiplicam em um jogo de espelhos que revestem a face interna da estrutura.
“Demorei dez anos para conceber um quadrado”, relembra o arquiteto. O longo tempo de maturação do projeto se justifica pela carga afetiva do espaço: o jardim é o túmulo do pai do arquiteto, que havia pedido para ser enterrado nesse terreno, nos jardins da casa de veraneio da família. “Eu tinha pânico de pensar que meus filhos, ao lado da casa sonhada, tivessem a possibilidade de falar – uh, ali está o vovô!”, explica Benítez. “Queria que se celebrasse a dor da morte por cima da força da vida, porque a vida dele segue presente em nós, em nossos filhos e demais”.
O tema da morte, avesso à vida contemporânea e a própria arquitetura, aqui se materializa como espaço ativo no cotidiano da vida familiar. Propõe-se uma relação com a morte na qual ela se torna memória e se ressignifica enquanto presença. O memorial particular no meio do jardim funciona como um pequeno universo por vezes lúdico, quando crianças brincam por ali, por vezes solene, quando a família executa sua cerimônia periódica de limpeza dos espelhos.
A simplicidade do projeto esconde certa complexidade estrutural. As vigas de 1,10 de altura tocam o solo por apenas um único apoio. E, como se flutuassem, projetam-se em um balanço de 7 metros de um dos lados e 2 metros para o outro, pairando sobre o terreno quase intocado do jardim.
No interior do quadrado o jogo de espelhos provoca efeitos óticos nos quais as imagens dos seres e plantas se repetem, propagando-se infinitamente. O formato da estrutura faz com que, de dentro do espaço, quase que magicamente, não se possa ver o concreto das vigas, apenas os espelhos e imagens repetidas.
Solano Benítez, nascido em 1963 em Assunção no Paraguai, se notabilizou pelo uso de tijolos, algumas vezes quebrados, para construir ousadas estruturas espaciais. Membro honorário do American Institute of Architects, em 2012, conquistou nos últimos anos importantes prêmios internacionais como o BSI Swiss Architectural Award, em 2008, e o Leão de Ouro na Bienal de Veneza de 2016. Hoje, ao lado de Gloria Cabral, lidera o escritório Gabinete de Arquitectura.