As discussões acerca do acesso de mulheres ao ensino superior e ao mercado de trabalho de forma geral, são tema de importância central ao pensar formas de estabelecer uma situação mais igualitária de condições de vida e protagonismo na sociedade contemporânea. Apesar de pautada em sensos e levantamentos ligados ao mercado formal de trabalho, trata-se de uma reflexão que informa um parâmetro geral das condições atuais da mulher frente às dificuldades produzidas por uma herança latente da estrutura patriarcal e moralista de hierarquias profissionais onde os protagonistas são, e foram historicamente, homens.
Além disso, é necessário enfatizar que essa problemática adquire diversas camadas de complexidade quando se pensa em outros parâmetros, como raciais e socioeconômicos, que revelam ainda maiores disparidades em relação à situação de privilégio do grupo dominante composto notoriamente por homens brancos e cisgêneros.
O universo da arquitetura não está de fora dessa realidade. Muito se faz hoje afim de repensar o papel e o reconhecimento das arquitetas no campo, seja revendo a forma como se estruturou a história da arquitetura no passado, seja pensando meios de reaver as disparidades ligadas ao gênero no presente. Projetos como Arquitetas Invisíveis ou os esforços de retratação como a petição reivindicando que Denise Scott Brown fosse laureada com o Prêmio Pritzker de 1991 - recebido pelo seu parceiro arquiteto Robert Venturi -, são alguns caminhos que demonstram esse constante trabalho de inserção e reafirmação do papel da mulher no campo profissional.
Essa situação tem respaldo alarmante em alguns dados sobre a profissão ao redor do mundo. Um estudo da American Institute of Architects (AIA) revelou em 2013 que apenas 17% dos escritórios de arquitetura nos Estados Unidos eram dirigidos por mulheres. No Reino Unido, o campo profissional tem tímidos 21% de sua composição por mulheres que, por sua vez, recebem salários 25% menores que os homens que ocupam funções similares. Os dados revelam um cenário ainda mais distorcido quando considera-se o fato de que esses números relativos ao mercado de trabalho não refletem a situação de ingresso e formação nos cursos superiores de arquitetura. Mais uma vez, vale ressaltar que "mulheres" não representam um grupo homogêneo, no entanto, a categoria aparece em diversos estudos que revelam o que partilha de comum esse coletivo.
Mesmo quando os dados parecem mais promissores, é preciso atentar. O último censo produzido pelo Conselho de Arquitetos e Urbanistas do Brasil revelou que 61% dos profissionais da área eram mulheres, contra 39% de homens. Esses números se referem à parcela jovem do mercado, isto é, profissionais com até 40 anos. Credita-se o dado ao enorme crescimento de faculdades de arquitetura no país, e as maiorias femininas no contexto acadêmico atuam também em maioria profissionalmente. No entanto, o quadro se inverte a partir de uma certa faixa etária: a partir de 61 anos, o mercado é composto por 71% de homens, o que sugere maior estabilidade e longevidade na carreira para o grupo.
Outros parâmetros interessantes também servem a esse debate, como é o caso dos que foram adotados para produzir o relatório Diversity in the Profession of Architecture (Diversidade na Profissão de Arquitetura) pelo AIA em 2016. O documento reúne os resultados de uma pesquisa que contou com mais 7.300 profissionais e estudantes da área, e tinha foco na discussão de gênero e diversidade racial e de grupos étnicos no campo. Um dado que chama bastante atenção nesse sentido é o de percepção de representatividade e igualdade na profissão: daqueles que se sentem "muito bem representados", 5% corresponde a mulheres, enquanto 14% dos homens optaram por essa resposta. Por outro lado, "muito mal representados" foi a escolha de 26% das entrevistadas, enquanto 12% dos homens se sentiram englobados nessa opção.
Evidentemente, ainda há muito espaço a ser preenchido pelas mulheres na realidade da profissão e, na verdade, isso deve ser um esforço comum de revisão em todos os âmbitos da vida contemporânea. Condições igualitárias e representatividade não devem ser entendidos como privilégios, mas como condições básicas de vida e acessibilidade no trabalho. Apesar dos dados não serem animadores, vale reiterar que existem diversos movimentos de reparação desse cenário, dentro e fora da arquitetura, que nos ajudam a rever as lógicas vigentes e nos inspiram a seguir na construção constante de uma situação de equidade entre gêneros.