No experimento do coletivo Mouraria 53 o funcionamento do espaço, ao contrário do que ocorre normalmente em um projeto arquitetônico, começa antes da conclusão da obra e faz parte do seu desenvolvimento: exposições, apresentações, shows, oficinas e aulas funcionam como uma troca cotidiana na construção da casa. O processo possui um valor excepcional nessa iniciativa, que reúne projetos, materiais, conversas, execuções e sonhos coletivos.
A casa, localizada na rua da Mouraria, no centro histórico de Salvador, foi cedida ao coletivo em 2017 para uma reforma com previsão de duração de quatro anos. A troca consiste no oferecimento de um espaço de trabalho para o coletivo para posterior devolução da casa reformada aos proprietários, que têm como objetivo o aluguel das suas salas.
O valor de 36.000 reais investido pelos proprietários nesse projeto é equivalente a um décimo do valor suficiente para uma reforma “formal”. O projeto de baixo custo, inspirado no modelo do escritório de arquitetura equatoriano Al Borde - conhecido por encontrar na escassez respostas estéticas e de empoderamento social num processo participativo –, busca, através de doações de materiais, soluções criativas para o seu reuso.
“Usa-se” e “Aluga-se”
A ideia do coletivo é ocupar a casa durante o seu período de reforma: os usos acontecem como “trocas”, nas quais o espaço é cedido para variadas atividades mediante ajuda em desmontagens e execuções de obra. A proposta “usa-se” antecipa a “aluga-se”, objetivo final dos proprietários da casa.
Os espaços vão sendo construídos à medida em que vão sendo usados e vice-versa. O habitar na ruína em processo de reforma é uma realidade na qual músicos encontram um local para shows, psicólogos uma sala de atendimento, sociólogos uma “comunidade” para estudar, professores um espaço para ensinar construção, artistas um lugar para expor etc.
Participação
O coletivo, assim como a casa, é variável e ao longo dos seus anos de existência teve/tem como integrantes: Pedro Teixeira, Julia Bittencourt, Ivan Depasiri, Alan dos Anjos, Dário Sales Jr., Fernando Gomes, Filipe Duarte, Iago Lobo, Jonas Ximenes, Pedro Alban e Rodrigo Sena. A equipe da Mouraria 53 ainda se expande para consultores, professores, engenheiros, pedreiros, mestres em carpintaria e serralheria e todos aqueles que habitam a casa, tanto para construir, como para participar das suas atividades cotidianas.
“Se constrói como um jogo de xadrez: cada ato é uma interpretação do momento imediatamente anterior—novas construções sugerem novos habitantes, novos habitantes sugerem novos usos, novos usos sugerem novas construções.” - Mouraria 53
O projeto, apresentado na 12ª Bienal de Arquitetura de São Paulo no eixo-temático “Materiais do dia-a-dia”, ressignifica e incorpora o cotidiano como material no processo construtivo. O experimento da Mouraria 53 se define como “contra a arquitetura enquanto objeto sem contexto, nosso processo é essencialmente específico: pessoas têm nomes, materiais têm história”.