Oscar Niemeyer é o responsável pelas formas arquitetônicas que revolucionaram a arquitetura moderna, marcadas pelo ineditismo de suas ousadas curvas e elaboradas estruturas que conformaram a imagem de um Brasil utópico que representava a possibilidade de um futuro que nunca se realizou de fato. Grande parte de suas obras primas estão em Brasília, sem embargo, pouco se comenta sobre a casa projetada para si na capital brasileira que, surpreendentemente, traz traços coloniais e apresenta um outro lado - quase inédito - do mais famoso arquiteto brasileiro.
Com uma atmosfera bucólica, a casa que Niemeyer realizou para habitar se apresenta de forma extremamente modesta quando comparada à opulência de seus outros projetos na capital federal. A edição 66 da revista Habitat, lançada em 1961, ressalva "Nela, nada existe do construtor de Brasília, exceto a revelação do lado humano".
Trata-se de uma casa térrea de planta retangular e 563 m² de área construída, situada num terreno de 100 x 200 m. Branca, alpendrada e com uma cobertura de telhas cerâmicas vermelhas em quatro águas, a residência possui sete portas que se abrem para duas espaçosas varandas em suas faces mais alongadas, que são protegidas por um beiral de três metros. Além disso, doze caixilhos do chão ao teto, de mesmo tamanho, são dispostos a igual distância de modo a reforçar a geometria da residência e trazer a vista dos jardins para o interior. No todo, é concebido um conjunto que dialoga diretamente com a arquitetura colonial e gera um contraste com os princípios defendidos por Niemeyer em sua experiência ao projetar a capital.
Apesar do projeto se destacar como uma grande surpresa para aqueles que conhecem a carreira do arquiteto, é possível traçar uma linha de pensamento que traz um mínimo de coesão. Nos primórdios da arquitetura colonial, quando residências lusitanas foram adaptadas às condições dos meios tropicais - que envolviam uma mão de obra distinta e o uso de outros materiais -, estas se tornaram mais simples e se despiram de diversos maneirismos portugueses, simplificando-se apenas ao essencial. Tal fato, que foi amplamente estudado por Lúcio Costa, demonstra como todo esse contexto gerou uma arquitetura mais racional, muito próxima dos princípios modernos da arquitetura, constituindo uma influência direta para a sua realização em território nacional, o qual desemboca no pensamento racional de Niemeyer - que no caso desta residência, foi apresentado através de uma escala mais modesta e ligada à linguagem histórica trazida pelos portugueses.
Ainda no texto publicado na Habitat n. 66, revela-se que a casa demonstra como Niemeyer possuía "escassa intimidade com os processos convencionais de construção", uma vez que o alpendre escoava a água pluvial bem no meio da varanda dos fundos, invalidando-a em dias de chuva. Além disso, são ressaltados os únicos consentimentos realizados por Niemeyer aos modernos métodos arquitetônicos da época: o traçado irregular da piscina e a cobertura da cozinha e das dependências de empregados, feita de zinco com pé-direito de apenas 2,45m.
Talvez, antes mesmo de ler Clarice Lispector dizendo que "Brasília ainda não tem o homem de Brasília", Niemeyer já concordasse com tal afirmação e optou para ele a criação de uma residência onde a escala abraça o homem que, apesar de ser capaz de vislumbrar um futuro moderno, não conseguia se projetar em toda a utopia que a capital brasileira carregava em si.
Hoje, a Casa Niemeyer funciona como espaço de arte contemporânea da Universidade de Brasília e pode ser visitada por todos, para conhecer mais sobre a instituição visite a página do Facebook ou o Instagram oficial.
Publicado originalmente em 25 de março de 2020.